quarta-feira, 11 de março de 2020

Portugal | Criminosos até prova em contrário


Rui Sá* | Jornal de Notícias | opinião

Na semana passada contei aqui o drama de uma mãe com dois filhos menores que foi despejada pela Câmara do Porto de uma habitação municipal na Ribeira do Porto.

Mãe que, em 2017, face ao falecimento da sua progenitora, regressou a casa dos pais, onde tinha nascido e vivido, para passar a viver com o pai que, com 89 anos, não podia ficar sozinho - atitude que, felizmente, muitos filhos têm e a que apenas damos valor quando sabemos daqueles que são abandonados em hospitais ou que morrem sozinhos em casa sem ninguém dar conta...

Esta cidadã não tentou, em momento algum, enganar a Câmara. Quando se autonomizou, pediu à Câmara para ser "desarriscada" do agregado familiar. Tal como, quando regressou, solicitou para ser reinscrita no agregado familiar (o que é regulamentarmente possível, designadamente tendo em conta o motivo invocado de acompanhamento familiar). E comunicou o posterior falecimento do pai, chegando a ter recibos emitidos pela Câmara em seu nome. Não obstante esta situação, Rui Moreira e o seu vereador da habitação decidiram fazer o despejo, deixando sem teto duas crianças de 8 e 12 anos.

Numa primeira fase, Rui Moreira, consciente do repúdio que a situação estava a causar (não apenas na Ribeira, mas um pouco por toda a cidade) decidiu fazer o papel de "polícia bom", apelando a que não se discutisse o caso individual, que reconhecia como dramático, para se discutir a situação em abstrato de gestão do património habitacional. Mas, face ao crescimento do repúdio, com o assunto a não esmorecer na Comunicação Social, com a oposição a não calar o seu protesto e perante uma manifestação com mais de uma centena de pessoas à porta da Câmara em solidariedade com Joana, "fugiu-lhe o pé para o chinelo" e fez sair um comunicado que é (mais) uma nódoa na história da sua presidência. Divulgando dados pessoais que deviam estar protegidos (caso dos rendimentos da família e das rendas que pagava), com mentiras de permeio (que a família não tinha pedido reingresso, por exemplo). Mas o que é verdadeiramente escandaloso é que ensaia um assassinato de caráter de Joana, insinuando que, no fundo, esta é uma oportunista e que tinha ido viver com o pai por interesse, ou seja, para ficar com a casa!...

Bastava olhar para ela para ver que tal não é verdade! Mas o que verdadeiramente mexe comigo é esta tendência dos poderosos de considerarem que os mais fracos são, sempre, presumivelmente culpados até prova em contrário!... Os fins (justificar o despejo) não podem justificar os meios (esta calúnia)! Pelo que tenho vergonha, como autarca e como cidadão do Porto, deste comportamento que não se coaduna com a alma tripeira!

*Engenheiro

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