quarta-feira, 11 de março de 2020

A quarentena total da Itália


Condição já abate país inteiro. Atividades como shows, missas e funerais foram vetadas. Deslocamentos somente com autorização. 28 presídios já se rebelaram, após proibição de visitas. Leia também: porquê a OMS não decreta pandemia.

Maíra Mathias e Raquel Torres | Outras Palavras,  10/03/2020 às 07:58 - Atualizado 10/03/2020 às 12:12

TODO O PAÍS

Ontem, a Itália se tornou o primeiro país a entrar inteiramente em quarentena por causa do novo coronavírus. O número de casos bateu a marca dos nove mil, com 5.049 pacientes internados, sendo 733 em unidades de terapia intensiva. Foram confirmadas 463 mortes. “Não existe mais zona vermelha, uma zona um ou uma zona dois. Haverá a Itália. Uma Itália zona protegida”, afirmou o primeiro-ministro Giuseppe Conte. E continuou: “A decisão certa hoje é ficar em casa. O futuro da Itália está em nossas mãos, que devem ser mãos responsáveis, mais do que nunca. Cada um deve fazer a sua parte.”

Todos os deslocamentos, inclusive os de turistas, vão precisar ser autorizados por agentes de segurança pelo menos até o dia 3 de abril. Caso o cidadão esteja fora da própria cidade, poderá voltar. A circulação será liberada por razões de saúde, trabalho ou “casos de necessidade”. Há um formulário na internet para que as pessoas preencham seus dados e os motivos da viagem. Segundo especialistas, isso torna o controle da movimentação dos cidadãos mais frágil. Mas, de acordo com o primeiro-ministro, haverá sanções – como multa e prisão por até três meses – caso as autoridades constatem que as informações são falsas.

Além das aulas paralisadas, foram vetadas atividades culturais, missas, casamentos, funerais e eventos esportivos. Bares e restaurantes só podem funcionar até 18h. Lojas podem abrir, desde que tenham condições de garantir uma distância mínima de um metro de distância entre os clientes. As visitas às prisões foram proibidas – o que provocou rebeliões em 28 centros de detenção no país. A revolta teve como saldo ao menos sete mortos. Trinta detentos estão foragidos.

O secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo dos Reis, afirma que o governo não tem planos de trazer brasileiros que estão no país. “Não existe no radar essa possibilidade”, afirmou ontem, justificando que há dezenas de milhares de brasileiros morando na Itália.

PANDEMIA OU NÃO

Está na hora de decretar uma pandemia? Ontem, esse foi o principal assunto da coletiva de imprensa dada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O diretor-geral Tedros Ghebreyesus e sua equipe técnica reconheceram que o fato de a doença ter se espalhado por mais de cem países e ter quase chegado à marca dos 110 mil casos são fatores consistentes para que seja real “a ameaça de uma pandemia”. “Duas semanas atrás eram 30, 40 países, agora são 100”, constatou Michael Ryan, que está à frente do programa de emergências da Organização. Contudo, a OMS argumenta que o Covid-19 é um vírus que pode ser contido, dando o exemplo da China e de Singapura, onde os casos escassearam e a situação, aos poucos, volta ao controle. Com a declaração de pandemia, os governos passariam a atuar não mais na contenção, mas na mitigação dos casos. “E o que sabemos é que ir para uma condição de mitigação é essencialmente falar que a doença vai se espalhar de forma incontida”, apontou Ryan.

Por aqui, o secretário de Vigilância em Saúde do Ministério, Wanderson Kleber de Oliveira, foi questionado ontem se há possibilidade de conter o vírus. “A Organização Mundial de Saúde diz que possivelmente será a primeira pandemia que temos capacidade de conter. Assim esperamos. Mas, se identificarmos que há transmissão comunitária por meio da vigilância de síndrome gripal, esse argumento não se sustentará por causa da natureza da doença”, respondeu.

CASOS NO BRASIL

O total de confirmações do coronavírus no Brasil chegou a 30 com a notificação de cinco novos casos no Rio de Janeiro. Todos os doentes visitaram países como Itália, Portugal e Espanha recentemente, estão em isolamento domiciliar e apresentam quadro estável. Do total de pessoas com infecção no país, 17 são mulheres e 13 são homens.

CRASH NO MERCADO

Ontem, o índice Ibovespa fechou com queda de 12,17% – a maior desde 1998. Nos Estados Unidos, a Bolsa de Valores abriu com queda tão forte que desengatilhou um raro intervalo de 15 minutos nas operações. A incerteza se espalhou pelo mundo graças à decisão da Arábia Saudita de derrubar o preço do petróleo cru em 30%. Isso porque o país queria que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) aprovasse cortes mais profundos na produção para sustentar o preço dessa commodity durante a crise do coronavírus. Mas a Rússia não concordou, o que desencadeou a ação do reino do Golfo Pérsico. Jair Bolsonaro questionou a queda tão drástica nas Bolsas que, segundo ele, pode estar sendo potencializada “até por questão econômica”.

SEGUE O TETO

Desde o início, a crise do coronavírus tem sido também econômica mas, segundo Paulo Guedes, sua equipe está “absolutamente tranquila” com a desaceleração mundial. Especialistas ouvidos pela Piauí criticam: “O governo por enquanto parece completamente perdido, não tem nada sendo dito nessa linha, e Paulo Guedes fica batendo na tecla das reformas, que nesse caso são absolutamente inadequadas, não vão ajudar em nada o Brasil a navegar nessa crise”, diz Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics. Para ela, uma das medidas mais urgentes é rever o Teto de Gastos que, em suas palavras, é uma “estupidez completa”. “Quem é contra medida anticíclica diante de um quadro sem precedentes de crise no mundo causado por uma epidemia grave deve ser cobrado quando der tudo errado”, disse a mesma pesquisadora no Twitter. É também a avaliação da economista Laura Carvalho, que explica que a saída do sufoco demanda verbas para investimento público neste momento. O mesmo tema é abordado na Folha, com contraponto da economista Zeina Latif, ex-XP Investimentos, que acredita que o fim da EC 95 significaria “rasgar o esforço fiscal” brasileiro.

DIRETO DAS PRISÕES

O trabalho nas prisões nos EUA, tão bem documentado por Ava DuVernay no filme A 13a emenda, volta a ganhar holofotes com o coronavírus. É que o governador de Nova Iorque, Andrew Cuomo, apresentou ontem o desinfetante “NYS Clean”, produzido justamente em penitenciárias. De acordo com ele, trata-se de um produto superior aos já existentes, porque tem teor de álcool de 75% e “aroma de flores”. Não está claro quanto os prisioneiros estão ganhando pelo serviço, mas, segundo a Time, eles em geral recebem entre US$ 0,10 e US$ 0,33 (sim) por hora de serviço.

BEM SUJOS

Uma curiosidade: em meados dos anos 1840, o médico Ignaz Semmelweis conseguiu reduzir taxas de mortalidade em maternidades após perceber a importância de os profissionais de saúde lavarem as mãos. Mas, quando mostrou à Sociedade Médica de Viena os resultados de suas pesquisas nesse sentido, sua teoria foi ridicularizada e rejeitada. Só anos depois da sua morte a moda começou a pegar. A interessante história está na reportagem da National Geographic.

O INEXPLICÁVEL

O Ministério Público Federal deu cinco dias para o Ministério da Cidadania informar a quantidade de novos beneficiários do Bolsa Família concedidos por estado e por mês desde o início do governo Bolsonaro, além dos critérios e o conjunto de indicadores sociais usados pela Pasta para a seleção de beneficiários.

O requerimento vem depois de uma matéria do Estadão mostrar que a região Nordeste, onde estão 36,8% das famílias em situação de pobreza, concentra só 3% das concessões do programa. O Sul e o Sudeste, por outro lado, abrigam 75% das famílias com benefícios concedidos. O documento reforça que os critérios precisam ser “claros e lícitos”, sem chance para “preferências ou perseguições políticas”.

MAPA DA MINA

Um grupo de pesquisadores do Atlas de Justiça Ambiental passou o último ano reunindo informações sobre oito projetos de mineração controversos — com problemas como denúncias de contaminação e conflitos socioambientais — que operam no México, na Guatemala, no Peru, na Bolívia e na Argentina. Todos estão relacionados a uma única empresa, a canadense Pan American Silver. Agora, tudo isso está em um mapa interativo que mostra como a mineração afeta as comunidades, especialmente povos indígenas, e a matéria do site Mongabay pincela as questões de cada país.

Um dos casos mais marcantes é o do México, onde a empresa tem suas minas mais lucrativas. Há problemas comuns a muitas áreas de mineração, como a remoção dos moradores e a contaminação pelos rejeitos. Mas ainda outro: “Foi estabelecida uma relação complexa entre as empresas de mineração e o crime organizado, que compartilham territórios e rotas de transferência de sua produção. Ambos têm seus próprios exércitos particulares ou guardas de segurança. Os narcotraficantes são responsáveis ​​pela limpeza da terra, para que as empresas extraiam os minerais, despovoando comunidades ou dissuadindo os habitantes insatisfeitos com as fazendas”, afirma um relatório de 2018 da organização Consultancy Technical Community, citado na mapa.

PACIENTE DE LONDRES

A segunda pessoa a ficar livre do HIV no mundo revelou ontem seu nome ao New York Times e disse que quer ser um “embaixador da esperança”. Adam Castillejo era conhecido como “paciente de Londres” até então e o fim da sua infecção foi declarado no ano passado. Para lembrar: ele estava vivendo com o vírus desde 2003. Em 2012, foi diagnosticado com uma leucemia mileoide aguda e fez um transplante de células-tronco. A equipe escolheu um doador cujas células-tronco tinham determinada mutação e os glóbulos brancos em que se desenvolveram eram resistentes ao HIV. Deu certo: tanto para o câncer como para o vírus. O caso é parecido com o de Timothy Brown, de Berlim, que foi a primeira pessoa a ser declarada livre do HIV, mas esse tipo de transplante não é adequado à maioria das pessoas infectadas por ser invasivo e apresentar riscos.

DE OLHO NO STJ

Como sabemos, um dos grandes imbróglios da saúde suplementar é o fato de a ANS só regular o teto de reajuste anual para os planos individuais e familiares, deixando de fora os coletivos – que representam 81% dos usuários, ou 38 milhões de pessoas. Além disso, esses planos (e também os individuais) podem praticar aumento de acordo com a mudança na faixa etária. Soltas, as empresas têm praticado reajustes abusivos. Na faixa etária dos 59 anos, há casos de reajustes de 130%. Os clientes judicializam: há pelo menos dois mil processos aguardando decisão no Superior Tribunal de Justiça. Este ano, o STJ começou a rediscutir os limites e parâmetros dos reajustes por faixa etária em contratos coletivos. Em 2016, o Tribunal já havia dado sinal verde para o reajustes por faixa etária nos planos individuais, desde que esse dispositivo estivesse no contrato assinado entre empresa e cliente, frisando que deveria acontecer com percentuais razoáveis. No dia 10 de fevereiro, o debate foi iniciado por uma audiência pública – que é o assunto da coluna de Claudia Collucci na Folha hoje. Ela explica:

“As entidades de defesa do consumidor, como o Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), e da academia defenderam que, quando se trata de contratos de planos de saúde, o consumidor é parte mais vulnerável. Ainda mais nos casos dos planos coletivos em que há muitas queixas de falta de acesso às informações sobre os custos dos serviços contratados. (…) Na audiência pública, as operadoras de planos de saúde defenderam que o STJ siga o mesmo entendimento que teve em relação aos planos individuais e familiares, ou seja, que considere legítimo o reajuste por faixa etária para os planos coletivos. (…) É possível que o STJ siga a jurisprudência já trilhada pelos Tribunais de Justiça de São Paulo e de Santa Catarina e que considere válido o reajuste. Mas é fundamental que encontre mecanismos que coíbam os abusos recorrentes, reconhecidos em inúmeras decisões favoráveis aos consumidores. Está claro que a ANS não tem dado conta de regular sozinha essa questão.”

MAIS UMA VÍTIMA

No domingo, morreu a sétima pessoa internada com sintomas de contaminação por dietilenoglicol – substância tóxica encontrada em lotes de cervejas da Backer. A vítima, Ronaldo Vitor Santos, tinha 49 anos. E na última sexta, o desembargador Luciano Pinto, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, aceitou o recurso da cervejaria e reduziu de R$ 100 milhões para R$ 5 milhões o valor máximo para o bloqueio de bens da empresa. O bloqueio é usado como garantia para a reparação às vítimas de intoxicação. O desembargador afirmou que  R$ 5 milhões representa valor razoável e proporcional para assegurar as indemnizações e permite que a empresa possa retomar suas atividades. A Backer disse que a decisão vai permitir que a empresa dê suporte ao tratamento médico dos clientes e às famílias.

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