terça-feira, 31 de março de 2020

Portugal | OS PROFISSIONAIS DA DESGRAÇA

Paulo Baldaia* | Jornal de Notícias | opinião

Numa crise, em que impera a incerteza e o medo se impõe à racionalidade, resistir ao populismo é o único caminho para não tornar a cura tão fatal como a doença. Não há razão nenhuma para confiarmos nos que tudo criticam, porque eles serão os primeiros a criticar quando fizermos o que eles pedem.

Descontando o Chega, com um comportamento abutre, os restantes partidos da oposição, mais ou menos assertivos na defesa dos seus pontos de vista, têm tido um comportamento bastante elogiável. Rui Rio tem estado exemplar como líder da oposição. A chefiar o governo, António Costa também tem revelado uma capacidade de liderança essencial num tempo de combate e unidade nacional. Dispensava-se o "excesso de entusiasmo" com que garantiu que não faltava nada nos hospitais, porque era evidente para toda a gente que faltava. Isso retira alguma confiança, numa altura em que precisamos de viver esta crise certos de que nos estão a dizer a verdade toda.

São igualmente dispensáveis protagonismos desnecessários de autarcas que até se têm revelado como um exemplo de iniciativa e trabalho no combate à Covid-19. Rui Moreira e Salvador Malheiro têm estado na linha da frente e merecem o nosso aplauso mas, ontem, o autarca do Porto a desqualificar a DGS por ter cometido o erro de pré-anunciar um cerco à cidade e, no passado, o autarca de Ovar ao antecipar-se a esse anúncio não contribuíram para a tranquilidade que tanta falta nos faz por estes dias.

Mau mesmo é a quantidade de gente nas redes sociais, locais de muita irracionalidade e para onde se deslocaram a totalidade das conversas dos cafés que agora estão fechados, se transforma em profissional da desgraça. E não estão sozinhos, com eles estão muitos ilustres comentadores e políticos. São os que criticaram por não termos avançado de imediato com o Estado de Emergência e a paralisação de toda atividade económica não essencial. E que agora criticam por não estarmos a despejar na economia o dobro, o triplo ou quádruplo do anunciado. E que vão criticar, quando chegar o momento de lançar a retoma, por não termos ainda mais milhares de milhões. E que se vão indignar, quando chegar a hora de pagar a fatura, por não termos sido capazes de perceber a irresponsabilidade de ter sido mãos largas sem perceber que tinha de haver limites. Haverá depois um momento em que os profissionais da desgraça não estarão todos juntos. Será o momento em que tudo tiver que ser resolvido com austeridade para voltar a diminuir o valor da dívida. Aí, os ilustres vão encher o peito de orgulho e fazer de conta que avisaram contra os desmandos que eles queriam no dobro. Eles passarão a concordar com o que tiver de ser feito, os que pagam sempre a conta é que não vão achar piada nenhuma.

*Jornalista

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