Anselmo Crespo | TSF | opinião
Uma das batalhas mais importantes
dos nossos tempos é a da preservação das instituições democráticas. E, se
queremos vencer esta batalha, não podemos jogar apenas à defesa. Temos de ser
inteligentes no "ataque" aos que todos os dias lutam para destruir os
alicerces da nossa democracia. E são muitos, dentro e fora dessas instituições.
A sucessão de notícias das
últimas semanas (dos últimos anos) é verdadeiramente assustadora. Três juízes
desembargadores - dos quais dois são ex-presidentes do Tribunal da Relação -
suspeitos de abuso de poder. Dois ex-juízes do mesmo tribunal despedidos por
suspeitas de crimes de tráfico de influência, fraude fiscal, branqueamento de
capitais e recebimento indevido de vantagem. Altas patentes da Polícia
Judiciária Militar em tribunal, acusadas de encenar o roubo de armas em Tancos.
Um ex-ministro da defesa acusado de encobrimento. Um ex-primeiro-ministro
acusado de corrupção, fuga ao fisco e branqueamento de capitais... Isto para ir
aos exemplos mais recentes e mais mediáticos.
É impossível. Mesmo presumindo a
inocência de todos os que ainda não foram julgados e condenados, é
completamente impossível que a confiança dos cidadãos nas instituições não saia
fortemente abalada. É claro que podemos sempre tentar ver o copo meio cheio: se
sabemos destes e de outros casos, é porque a justiça ainda funciona. É porque
as instituições continuam de pé e, por muito que as tentem corroer por dentro,
ainda há esperança.
Mas este é um copo meio cheio de
quase nada, porque a velocidade mediática a que se trituram alguns dos mais
altos representantes do Estado de direito - e as respetivas instituições - é
muito maior do que a réstia de confiança a que ainda nos podemos agarrar.
Neste processo de destruição, há
ainda que contar com a pocilga em que se transformaram as redes sociais, locais
lamacentos onde chafurdam cobardes anónimos - e outros menos anónimos, capazes
dos julgamentos sumários mais rápidos da história. Antros onde, tipicamente, os
oportunistas disfarçados de políticos se movem à procura da tribo que, a
seguir, há de levá-los para dentro do sistema que tanto contestam.
A responsabilidade do poder
político - e do poder judicial, já agora - é hoje, por isso, maior que nunca.
Nas ações concretas que tem para combater este desgaste acelerado das
instituições, mas também nas escolhas que faz e, sobretudo, nas que deixa por fazer.
Comecemos por Vitalino Canas. A
escolha, que, já de si, é muito discutível - à mulher de César não basta ser
séria...-, ia evidentemente levantar sérias reservas na sociedade e, por
arrasto, entre os deputados na Assembleia da República. Ainda assim, e mesmo
sabendo que não tinha maioria absoluta - como lembrou, e bem, o Daniel
Oliveira, no Expresso desta semana -, o PS decidiu avançar sozinho e sem
qualquer negociação que preservasse os nomes que estava a propor e, sobretudo,
as instituições que estão em causa. Ignorou os sucessivos sinais que iam
surgindo dos vários partidos políticos e insistiu em atirar Vitalino Canas -
que anda há 40 anos a preparar-se para o cargo - às feras, sem garantir,
sequer, a totalidade dos votos dos deputados do PS. Não sei se Vitalino Canas
está disponível para se submeter a nova votação ou se o PS quer voltar a propor
o seu nome, mas sei que, mesmo que Vitalino Canas venha a ser eleito à segunda,
esta será sempre uma escolha ferida de morte para o mais importante tribunal do
país.
O caso de Correia de Campos é
ainda mais obtuso. Eleito há quatro anos para o Conselho Económico e Social à
segunda tentativa, o ex-ministro socialista voltou a passar pela humilhação de
ver o seu nome chumbado no Parlamento. Se, por um lado, o PS não cuidou, mais
uma vez, de negociar com os vários partidos com assento parlamentar o nome do
presidente do Conselho Económico e Social, é, para mim, ainda mais
incompreensível que os mesmos partidos que, há quatro anos, elegeram Correia de
Campos e nunca lhe fizeram uma crítica durante o mandato agora decidam chumbá-lo.
Não admira, por isso, que o ainda
presidente do Conselho Económico e Social não se queira sujeitar a nova
votação. E a uma provável nova humilhação. Sujeitar-se a uma nova votação seria
prolongar uma espécie de tortura mediática que Correia de Campos não fez nada
para merecer e não contribui em nada para a dignificação do Conselho Económico
e Social.
A última coisa de que o país
precisa é de mais murros no estômago. Pelo contrário, precisa de recuperar a
confiança nas instituições, mas isso não se faz sem, primeiro, as dignificar e
aos que as representam. E essa é uma tarefa que cabe, em primeiro lugar, aos
partidos políticos: com bom senso, com capacidade de negociação e de consenso.
Caso contrário, vamos andar todos os dias a queimar pessoas na praça pública.
Ou a levantar suspeitas que eram absolutamente desnecessárias sobre as
instituições. E o caldo em que vive a nossa democracia é já suficientemente
ácido para nos darmos ao luxo de continuar a atirar para o caldeirão mediático
instituição atrás de instituição, sem que nos apercebamos de que estamos a
corroer os pilares do nosso regime democrático.
Imagem: Bruno Varatojo
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