Hoekstra e Mark Rutte, holandeses e anti-Europa do sul... pobre |
Anselmo Crespo | TSF | opinião
A melhor resposta ao Governo
holandês depois da posição "repugnante" que teve num Conselho Europeu
foi a de uma holandesa, Elsje Van Kessel, num artigo de opinião que publicou no
Expresso. É verdade que ela responde também a Miguel Sousa Tavares, mas isso
agora não vem ao caso.
Explicava Elsje Van Kessel que o
primeiro-ministro Mark Rutte e o ministro das Finanças Wopke Hoekstra tinham
mostrado "o lado mais feio" do Governo holandês à Europa e "uma
evidente falta de empatia, combinada com a frontalidade pela qual os holandeses
são conhecidos e que nem sempre é apreciada". Pois bem, sejamos então
frontais. E, para isso, não é preciso entrar em comparações históricas sobre
quem deve ter mais orgulho ou mais repulsa pelo seu passado.
O problema não é o Governo
holandês estar contra os coronabonds. Se fosse só isso, nós, europeus, só
tínhamos de tentar compreender as razões invocadas, concordar ou discordar.
Ponto. Era relativamente simples. O problema é que, para o executivo de Haia,
as palavras "união" e "solidariedade" parecem ter
significados diferentes quando ditas em holandês - saamhorigheid e solidariteit
- ou noutra língua qualquer.
Em 2020, como em 2008, Haia
continua a olhar para União Europeia como quem vê televisão a preto e branco,
dividindo os países - para não dizer o continente europeu - entre
"bons" e "maus", com uma superioridade moral que não tem e
com argumentos políticos básicos que frequentemente são confundidos com
frontalidade.
Dijsselbloem. Holandês do vinho, mulheres... e peixe frito |
Faz isso agora como em 2017,
quando o senhor Dijsselbloem se lembrou de acusar os países do sul da Europa de
gastarem o dinheiro todo em copos e mulheres, numa espécie de haraquiri
político, tamanha foi a derrota eleitoral que o seu partido tinha sofrido nas
eleições internas. Mas Dijsselbloem, de quem a história já pouco guarda, para
além desta frase, deixou sucessores.
Depois de ter defendido que
Espanha fosse investigada por não ter capacidade financeira para fazer frente à
maior pandemia das nossas vidas, o atual ministro das Finanças holandês voltou
esta semana à carga. No fim de 16 horas de reunião do Eurogrupo, veio a correr
para o Twitter dizer que a Holanda não está disposta a garantir as dívidas de
outros Estados-membros. Como se esta pandemia fosse responsabilidade de algum
país em particular ou os efeitos colaterais na economia não atingissem todos.
Como se a Holanda não precisasse de Espanha, de Itália, de todos os membros da
União Europeia para, ela própria, responder a esta crise.
Que o ministro das Finanças
holandês não saiba distinguir a beira da estrada da estrada da beira, eu ainda
dou o desconto. Com dificuldade, mas dou. O que não deixa de ser curioso é que,
entre os que tentam explicar - ou desculpabilizar - as saídas infelizes dos
governantes holandeses, esteja sempre o contexto político interno do crescimento
da extrema-direita e do populismo. Como se a melhor estratégia para combater o
populismo fosse tornarmo-nos todos populistas. Como se as palavras em política
não tivessem todas um significado e não representassem um posicionamento.
E é sobre o posicionamento
holandês - e de mais dois ou três que países - que eu acho que o debate tem de
ser feito. Porque se é para estar no projeto europeu apenas em função dos
interesses políticos momentâneos, ou dependentes das convicções de cada
Governo, há aqui algo de muito errado. Se é para termos países que estão com um
pé dentro e outro fora, em função das circunstâncias, sem qualquer visão
estratégica ou solidária, talvez esta pandemia seja mesmo o momento para
discutir quem fica e quem já não deve pertencer a esta união. Desse ponto de
vista, os populistas no Reino Unido foram mais honestos: assumiram o Brexit
como batalha política, tomaram o poder de assalto - ao fim de vários rounds - e
agora terão de responder pelos resultados.
O que o Governo holandês parece
não compreender é que, enquanto o seu ministro das Finanças nos vai brindando
com as suas opiniões sobre a forma como outros países deviam gerir as contas
públicas, há milhares de pessoas a morrer. Enquanto nos ensina como se fazem
contas, há milhões de empresas a fechar e milhões de postos de trabalho que se
estão a perder. Como houve na crise de 2008, na Grécia, em Portugal, em Espanha
e um pouco por toda a Europa, sem que isso pareça ter pesado grande coisa no
ombros do senhor Dijsselbloem.
Se há sempre uma oportunidade em
qualquer crise, a União Europeia tem nesta pandemia uma porta escancarada. Para
responder ao euroceticismo crescente, para mostrar ao mundo o poder que o Velho
Continente ainda tem, mas, sobretudo, para se clarificar internamente. De nada
adianta ter instituições europeias colegiais, se quem continua a mandar na
Europa são dois ou três países. De nada adianta um Parlamento Europeu com poder
democrático, se é a "ditadura" imposta por alguns Estados-membros que
prevalece. De nada adiantam os discursos da presidente da Comissão Europeia, se
um mero ministro das Finanças os consegue destruir nos cinco minutos em que
abre a boca.
Bem sei que já se preanunciou
várias vezes a morte do projeto europeu e não serei eu mais um a fazê-lo. Mas estou
firmemente convicto de que a Europa não sairá desta crise da mesma forma que
entrou e isso talvez não seja necessariamente mau. Por isso, sejamos frontais:
vamos mesmo continuar a brincar à União Europeia?
*Legendas PG
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