Marisa Matias* | Diário de Notícias
| opinião
Há quase duas semanas foi
publicado o relatório anual do Instituto Variedades da Democracia, da
Universidade de Gotemburgo, que mostra o declínio das instituições
democráticas. Pela primeira vez no século XXI, há mais autocracias do que
democracias no mundo. Se há dez anos as democracias atingiam o seu pico em
termos globais, agora podemos falar de democracia em apenas 48% dos países, o
que corresponde a 46% da população. Estes dados não esmiúçam, contudo, a
qualidade das democracias em causa, englobando também os países que avançam de
forma galopante no sentido da imposição de limitações de liberdades ou ataques
aos media. O facto de países como os Estados Unidos ou o Brasil estarem a
resvalar nos seus valores democráticos é um dos sinais mais evidentes deste
declínio global. Estes dados são de 2019 e é inevitável perguntar agora: poderá
a crise pandémica que vivemos agravar esta situação? Parece que sim.
Com efeito, vários autores têm-se
dedicado a estudar os impactos do confinamento e dos mecanismos de exceção
aprovados em tempos de pandemia para refletir sobre os seus impactos na forma
como nos organizamos coletivamente. Se é verdade que a crise despertou várias
manifestações de solidariedade, também é verdade que outras reações coletivas
encontram-se em formação.
Falo da maior aceitação das
"lideranças fortes", da maior propensão para autoritarismos e da
maior propagação de posições racistas e xenófobas. Falo também do despontar de
mecanismos de controlo social que antes seriam considerados inaceitáveis. É por
tudo isto que Wilhelm Heitmeyer nos pede para evitarmos "romanticismos
sociais", sob pena de sermos confrontados com uma desilusão a curto prazo.
Esse risco é agravado quando sentimentos desta natureza se associam a regimes e
a líderes autocratas. Veja-se o que se passa na Hungria, com um
primeiro-ministro agora cheio de poderes; em Israel, com o encerramento dos
tribunais; na Polónia, no Brasil, nos Estados Unidos, no Chile... Enfim, um
pouco por todo o mundo, a situação de exceção que vivemos está a ser usada para
impor medidas que não são excecionais e que correspondem tão-somente a um claro
aproveitamento político dessa mesma situação de exceção.
Em Portugal, celebramos hoje o 25
de Abril. Polémicas à parte, a importância deste dia enche-se ainda de mais
significado nos tempos estranhos que enfrentamos. Hoje, como sempre, a
generosidade e a solidariedade demonstradas para proteger o coletivo têm de
prevalecer, lado a lado, com a liberdade e a convicção de escolhermos a
democracia todos os dias com a mesma vontade de há 46 anos.
*Eurodeputada do BE
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