Pedro Ivo Carvalho |
Jornal de Notícias | opinião
É a frase final numa reportagem
televisiva. Um murro impetuoso no estômago. A jornalista questiona: "Não
me leva a mal se lhe perguntar quanto é que ganha?". Patrícia Brilhante
Dias, assistente operacional nos Cuidados Intensivos do Hospital Curry Cabral,
em Lisboa, esboça um sorriso constrangido: "Tiro à volta de 640 euros,
650, anda à volta disso".
Um salário que anda à volta disto
é tudo menos honroso para uma classe profissional que, em plena pandemia, foi
justamente alcandorada pelos portugueses ao patamar da heroicidade. Um herói
nacional não pode ganhar 650 euros. É indigno em qualquer contexto, é
vergonhoso no atual.
Nem sempre os cidadãos entendem
as reivindicações de médicos e de enfermeiros - não falo dos assistentes
operacionais nem dos técnicos de diagnóstico e terapêutica, porque esses, sendo
vitais, não têm ascendente mediático. E essa circunstância faz com que os
debates sobre saúde nasçam e morram muitas vezes no regaço desse maniqueísmo.
Mas a crueza dos números é inabalável: o nosso sistema de saúde é globalmente
eficiente na resposta, mas terrivelmente mal pago.
O salário médio anual dos
profissionais de saúde em Portugal ronda os 29 mil euros, o que nos atira para
a cauda da Europa. Os gregos recebem 32 mil euros, os espanhóis 54 mil euros,
os franceses 95 mil euros. Os norte-americanos quase multiplicam por dez as
remunerações médias: 250 mil euros. O desequilíbrio na balança (esforço versus
recompensa) pode, consequentemente, vir a revelar-se desastroso a médio e a
longo prazo, em particular junto dos elementos mais frágeis da cadeia de
responsabilidade.
Por isso, de pouco valem os
vídeos-tributo nas redes sociais ou as palmas à varanda depois do jantar. Só
homenageamos verdadeiramente os profissionais de saúde em Portugal pagando-lhes
melhor. Decentemente. Aprendendo alguma coisa com o que eles valem hoje e com o
que poderão valer no futuro. Melhorando as condições em que servem o país.
Vendo no seu exemplo de
abnegação, a que não devemos dissociar a tremenda exposição ao risco num contexto
de falta de material de proteção, um sinal categórico de que exorbitaram em
larga medida o alcance das suas funções. Urge, por isso, converter o critério
do nosso reconhecimento. A dívida de gratidão não chega. As palmas diluem-se no
esquecimento. Depois disto, não podemos continuar a viver abaixo das nossas
possibilidades.
*Diretor-adjunto
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