quarta-feira, 8 de abril de 2020

O coronavírus e a China. Carta aberta a "Repórteres Sem Fronteiras"


Quem esteja atento aos media portugueses tem agora um guia seguro para identificar jornalistas que são a voz do dono norte-americano: são os que todos os dias escrevem qualquer coisa a denegrir a República Popular da China. Os EUA estão manifestamente alarmados com o dramático contraste entre a sua desastrosa abordagem da pandemia e a forma como a China a enfrentou. “Repórteres sem Fronteiras” há muito que desempenha esse servil e anti-jornalístico papel.


Em 24 de Março recebi um email de Daniel Bastard contendo um comunicado de imprensa de RSF intitulado “Se a imprensa chinesa fosse livre, talvez o coronavírus não se tivesse tornado uma pandemia”. Em 25 e 26 de Março, recebi de Cédric Alviani outro texto da RSF intitulado “Esses heróis da informação que a China sufocou”.

Caros senhores Bastard e Alviani,

Que as autoridades chinesas tenham cometido erros quando o surgimento inopinado de um novo vírus, ninguém contesta, em particular o governo de Pequim, que decidiu já responsabilizar as autoridades da metrópole de Wuhan e da província de Hubei.

Vocês aproveitam esses acontecimentos dramáticos para condenar sem apelo um regime que não vos agrada. A indignação de geometria variável é uma constante em RSF.

São bem os herdeiros do vosso fundador e ex-secretário-geral, o pouco recomendável Robert Ménard, cujo compromisso com RSF foi seguido pelo acesso à prefeitura de Béziers graças ao apoio de Marine Le Pen.

Que o novo secretário-geral de RSF, Christophe Deloire, tenha declarado em 2006 dessolidarizar-se de Ménard, isso não o impediu, em 2019, de ir buscar o Prémio Dan David a Tel Aviv, num país que se pode dar ao luxo de assassinar jornalistas palestinianos.

Quanto ao inefável Pierre Haski, vosso presidente, cujos sentimentos anti-chineses são bem conhecidos, conseguiu uma vez a proeza de numa só frase enunciar três mentiras sobre a China.

Nestes momentos talvez decisivos para o futuro de vivermos juntos no planeta Terra, há melhores coisas a fazer do que brincar a reescrever a história com “ses”. “Se China, etc. e, por que não: “se os Estados Unidos respeitassem o direito internacional”, “se as multinacionais não dominassem a política” ou “se o Irão não fosse vítima de sanções”, etc.

Quanto aos heróis da informação sufocados, penso em particular em Julian Assange, o fundador de Wikileaks: se ele desfruta agora de um apoio mediático que se generaliza, não esqueço que, segundo Marc Rees, redactor em chefe do Next INpact, RSF começou por denunciar “as divulgações irresponsáveis ​​de Wikileaks”, que RSF questionou a metodologia de Wikileaks “prejudicando a sua credibilidade” e acusou-a mesmo de ser “um media por oportunismo”, o que sem dúvida retardou a onda de solidariedade para com Julian Assange. Essas reservas da parte de RSF são bastante compreensíveis, porque os documentos de Wikileaks denunciavam explicitamente crimes de guerra cometidos pelos Estados Unidos, que são, recordemos, o seu grande protector (ver Maxime Vivas, La face cachée de Reporters sans Frontières, ed. Aden, 2007).

No que diz respeito à expulsão de jornalistas norte-americanos pela China, a medida foi tomada “duas semanas após uma decisão que restringia o trabalho das agências de notícias chinesas em solo norte-americano”. O jornal Les Échos escreve sobre este tema: “Sem precedentes, este golpe de força visa responder a Donald Trump. O Ministério das Relações Exteriores disse em comunicado que suas decisões são contramedidas necessárias que a China é forçada a tomar em resposta à disparatada opressão que sofrem os media chineses nos Estados Unidos “. Um detalhe que vocês “esquecem” de mencionar.

À sua prosa preconceituosa - sem todavia ser um incondicional da China - prefiro o discurso aberto e moderado do embaixador da RPC em Paris.

Queiram receber, queridos senhores Bastard e Alviani, os meus melhores cumprimentos.

André LACROIX
(Cidadão belga)

Adendas de “Le Grand Soir”:

Quando a RSF tentou em vão censurar um administrador de Le Grand Soir, por Maxime Vivas

Trecho do meu livro sobre RSF citado por André Lacroix:

“Em Setembro de 2008, fui informado de um estudo sobre RSF realizado pelo Observatório de Acção Humanitária, trabalhando com o Instituto de Estudos de Desenvolvimento Económico e Social (IEDES) da Universidade de Paris I Sorbonne. Sou aí muito citado, mas qualificado de “castrista”. É o argumento recorrente de RSF contra mim. Um argumento estreito que ignora a minha simpatia por Evo Morales, Rafaël Correa, Daniel Ortega, Hugo Chávez, o Che, Simon Bolivar, Robespierre, Spartacus, Martin Luther King e Jean Moulin. Devo esquecer alguns, incluindo De Gaulle, quando fala do “direito dos povos a escolherem o seu próprio caminho”. Entro em contacto com o responsável pelo estudo, que gentilmente corrigirá e publicará o meu email como anexo, e que me revela o seguinte: Robert Ménard foi consultado para a redacção de uma parte (a histórica) do estudo. Em Maio de 2008, o Observatório trabalhou na atualização dessa parte com Vincent Brossel, responsável do gabinete Ásia de RSF. Tentou então remover as referências ao meu trabalho e ao de Jean-Guy Allard (o autor do primeiro livro que expôs o RSF). Bem entendido, especifica o meu interlocutor do Observatório: “De qualquer modo, mantivemos e usamos essas referências bibliográficas e recusámos eliminá-las”.

Para bem se apreciar a coisa, deve lembrar-se que no mesmo momento (Maio de 2008) em que RSF interveio desse modo para censurar parte de um estudo universitário, Ménard conduzia uma vigorosa campanha contra os Jogos Olímpicos de Pequim em nome da liberdade de expressão na China.

A RSF mexia-se para que as bocas se abrissem na Ásia e se fechassem em França.

Maxime Vivas


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