Carvalho da Silva* | Jornal de
Notícias | opinião
Até na maior adversidade existem
notícias positivas
As carências com que nos
deparamos para dar respostas aos problemas gerados pela pandemia estão a
colocar em evidência que dispomos de conhecimento e de capacidades que,
devidamente mobilizadas e orientadas, podem ser postas ao serviço da produção
de bens e serviços essenciais.
Laboratórios do Estado, centros
de investigação que não dependem só do Estado, empresas de dimensão diversa
estão, no seu espaço especializado ou agindo em cooperação quando é caso disso,
a deitar mão dos saberes de cientistas e do saber fazer criativo de outros
trabalhadores. Assim se colmatam dependências externas e se asseguram respostas
a necessidades prementes. Aceleram-se investigações, readaptam-se linhas de
produção e prova-se que, num contexto de normalidade, também será possível, com
políticas e motivações adequadas, produzir nacional muito do que se dava como
inevitável ter de ser feito no exterior.
Este tempo de emergências, de
condicionalismos e sacrifícios que afetam todos (não de forma igual) esbate
divergências e faz-nos convergir no que é fundamental. Isso é bom no imediato,
logo é de valorizar as convergências que se têm observado na ação do Governo e
de outras instituições, nos posicionamentos das forças políticas e no
comportamento das pessoas. Contudo, é preciso começar a pôr a nu que a resposta
aos problemas que estamos a enfrentar e, acima de tudo, àqueles com que nos
vamos deparar, exige o reavivar das ideologias e não a supressão das
diferenças, ou o absolutismo do pragmatismo. As respostas a uma crise social
profunda e a recuperação da estrutura e capacidades da economia reclamam
evidência clara de posições ideológicas sobre, por exemplo, o papel do Estado e
dos setores privado e social, sobre a afirmação e gestão da nossa soberania.
As consequências desta crise
estão a revelar em toda a extensão a insanidade da fragmentação das cadeias
produtivas por múltiplas geografias, a que se deu o nome de globalização das
cadeias de valor. A rutura dessas cadeias está a ocorrer por força de uma crise
sanitária. Mas podia ser por efeito de uma outra qualquer crise.
Numa perspetiva de defesa e
afirmação do interesse comum, ter-se prescindindo de capacidade produtiva -
fruto das privatizações, de negociatas público/privadas, de imposições
comunitárias e de uma utopia globalizadora - em setores produtores de bens e
serviços suporte de vida e outros essenciais foi, porventura, o maior dos erros
das elites governantes em todas as escalas de tomada de decisão. Agora, não só
em Portugal, mas até em países mais avançados, faltam bens tão simples como
máscaras e equipamentos de proteção contra o contágio. Já antes nos tinham
faltado as peças com que se constroem máquinas-ferramentas ou veículos
automóveis, têxteis para as confeções, matérias para a produção de calçado,
produtos farmacêuticos para medicamentos, produtos agrícolas diversificados.
Tudo isso nos continuará a faltar se não travarmos um forte confronto
ideológico, que coloque em realce os fracassos do capitalismo que temos vivido.
Não tem cabimento a ilusão de que
uma redentora abertura ao exterior nos salva do atraso e da pobreza. Que fique
desta crise o imperativo do reforço da capacidade de produção interna.
*Investigador e professor
universitário
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