Pedro Tadeu | TSF | opinião
O Fundo de Resolução da banca vai
dar este ano, mais uma vez, cerca de mil milhões de euros ao Novo Banco?
As empresas portuguesas que mais
faturam e mais lucros obtêm, e que fazem parte do PSI 20, o índice de topo da
bolsa nacional, podem manter as suas sedes fiscais em países estrangeiros para
não pagar impostos em Portugal?
A Brisa e as outras
concessionárias das autoestradas portuguesas vão mesmo receber milhões de euros
de indemnização pela falta de circulação de automóveis?
Alguém vai construir um aeroporto
no Montijo?
Uma empresa que coloque uma parte
dos trabalhadores no novo lay-off simplificado pode, livremente, despedir os
restantes trabalhadores?
Os trabalhadores sem contrato, os
milhões que vivem do recibo verde, vão mesmo ficar desprotegidos e sem medidas
concretas e fáceis de requisitar, que os ajudem a sobreviver nos tempos mais
próximos?
Os médicos do Serviço Nacional de
Saúde, que com os enfermeiros e o pessoal auxiliar dos hospitais, são os nossos
heróis nesta guerra ao novo coronavírus, vão poder continuar a trabalhar para o
Privado e a angariar clientes do Público?
Vamos continuar a não produzir,
dentro do país, bens estrategicamente essenciais na agricultura, na saúde ou na
indústria, continuando dependentes de importações que podem ser mais baratas
mas que, em tempos de crise, nos deixam, de um dia para o outro, paralisados, à
míngua?
Com o preço do petróleo
baixíssimo vamos continuar a aceitar que o o consumidor continue a pagar pelos
combustíveis valores elevados, que não acompanham essa descida?
Vamos aceitar a exigência de
Donald Trump e destinar, como estava previsto, 2% do orçamento do Estado para a
Defesa, o que quer dizer dispor de mais dinheiro para servir os interesses
internacionais da NATO?
E, a propósito, vamos, atrás de
Trump, invadir a Venezuela, como o Presidente dos Estados Unidos da América
parece estar a preparar-se para fazer?
Vamos continuar a aumentar a
nossa dívida de Estado para níveis brutais, provavelmente chegando acima dos
200 por cento do PIB nacional, por causa da desvalorização da economia
portuguesa, a que se somará a aceitação de nova dívida, seja em forma de
coronabonds, seja através de qualquer outro tipo de empréstimo com juros dependentes
das flutuações dos mercados? E isso não desemboca na falência do país e em mais
miséria para todos?
E quando voltarem a aumentar os
impostos, vão buscar dinheiro a quem? A quem trabalha ou investe no setor
produtivo ou a quem vive da especulação financeira?
A Comissão da União Europeia,
quando tomou posição pela primeira vez sobre o coronavírus, já Portugal estava,
desde a véspera, sob Estado de Emergência e já a Itália tinha, 13 dias antes,
contado 366 mortos e decretada quarentena em 14 províncias. Vamos continuar a
entregar o nosso futuro a esta incrível incapacidade de ler a realidade?
A classe política, os banqueiros
e os líderes patronais não param de nos avisar: quando voltarmos à atividade,
depois da paragem forçada pelo Covid-19, vamos entrar em recessão e, por isso,
todos temos de fazer sacrifícios.
"Isto é como se fosse uma
guerra", não param de dizer, tentando preparar todos para aceitar
pacificamente mais perda de rendimentos, mais desemprego e, para quem o tiver,
piores condições de trabalho.
Eu até estou disponível para
aceitar a argumentação, de sabor moralista, do sacrifício dos dias de hoje e,
também, aquele que aí vem mas, primeiro, antes de me sacrificar tanto, gostava
de ouvir as respostas a, vá lá, pelo menos, metade daquelas perguntas para ver
se podia ficar descansado com o que vão fazer com tanto sacrifício.
Li este fim de semana a seguinte
reflexão sobre o futuro:
"Será necessário pôr em cima
da mesa reformas radicais - invertendo a orientação política prevalecente nas
últimas quatro décadas. Os Estados terão de ter um papel mais ativo na
economia. Devem encarar os serviços públicos como investimentos e não como um peso,
e procurar formas de tornar os mercados de trabalho menos inseguros. A
redistribuição estará novamente na ordem do dia; os privilégios dos mais velhos
e dos mais ricos serão postos em causa. Políticas consideradas excêntricas,
como um rendimento garantido e impostos sobre a riqueza, terão de fazer parte
do menu".
Esta reivindicação não é feita
por um perigoso comunista ou por um tresloucado radical de esquerda. Esta
reivindicação está escrita num editorial do Financial Times, o jornal inglês
que desde 1888 alimenta a alma do capitalismo ocidental.
Se até o Financial Times quer
acabar com os excessos do liberalismo económico, porque é que as respostas às
perguntas que fiz, pelo que leio e oiço, escrito e dito pelas elites
portuguesas e europeias que nos governam e nos doutrinam, parecem ser
exatamente as mesmas do costume?
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