Samuel Pinheiro Guimarães [*] – em Pátria Latina
O fenómeno político, económico e
militar mais importante, anterior à emergência do Coronavírus e que, após o fim
da Pandemia, permanecerá, é a firme disposição dos Estados Unidos de manter sua
hegemonia mundial, seu poder de Império, face à ascensão e à competição
chinesa.
A hegemonia em nível mundial é a
capacidade de elaborar, divulgar e fazer aceitar pela maioria dos Estados uma
visão do mundo em que o país hegemónico é o centro; de organizar a produção, o
comércio e as finanças mundiais de forma a captar para a sede do Império uma
parcela maior do Produto Mundial para uso de sua população, e muito em especial
de suas classes hegemônicas e de seus altos funcionários; a capacidade de impor
a “agenda” da política internacional; a força para punir os Governos das
“Províncias” do Império que se recusem a aceitar ou se desviem das normas
(informais) de seu funcionamento.
As normas (informais) que os
Governos das “Províncias” (que são Estados nacionais) devem seguir são: ter uma
economia capitalista, aberta ao capital estrangeiro, com mínima intervenção
estatal; dar igualdade de tratamento às empresas de capital nacional e às de
capital estrangeiro; não exercer controle sobre os meios de comunicação de
massa; ter um regime político pluripartidário com eleições periódicas; não
celebrar acordos militares com Estados adversários, a saber Rússia e China;
apoiar as iniciativas dos Estados Unidos.
Sempre que conveniente aos
interesses do Império Americano estas normas são “flexibilizadas”, como, a
título de exemplo, no caso de monarquias do Oriente Próximo.
Durante, após e desde a Segunda
Guerra Mundial, os Estados Unidos, ao suceder o combalido Império Britânico,
organizaram, em 1946, o sistema político mundial com as Nações Unidas e suas agências
na Conferência de San Francisco; o sistema econômico, com o FMI, em 1944, para
regular o sistema financeiro internacional, com base em taxas fixas de câmbio e
no padrão ouro-dólar; o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
(BIRD, hoje Banco Mundial) criado em 1944 para financiar a reconstrução
europeia; o Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio (General Agreement on
Tariffs and Trade, o GATT), em 1947, para regular o comércio internacional com
base na cláusula da nação mais favorecida; a Organização Mundial do Comércio
(OMC), em 1994, que administra acordos sobre comércio de bens, de produtos
agrícolas, de serviços, sobre investimentos e propriedade intelectual, e
solução de controvérsias; e o Plano Marshall, em 1948, para, através de doações
e de financiamentos a juros baixos, em valor atual de 100 mil milhões de
dólares; a reconstrução da Europa, conter a influência dos partidos comunistas
e reativar a indústria americana de bens de capital; o sistema militar, com a
OTAN, em 1949, que garantiu a presença de tropas americanas em bases na Europa
Ocidental; os pactos regionais de defesa “mútua” como o TIAR, o Cento, a SEATO,
o acordo com o Japão, o ANZUS (Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos); as
bases militares, que fora do território americano são mais de 700; as sete
Frotas, que patrulham os mares e oceanos; o Tratado de Não Proliferação Nuclear
(TNP), em 1968, que estabelece um oligopólio nuclear que permite aos Estados
Unidos, Grã-Bretanha, Rússia, França e China produzir, exportar, importar,
armas e material nuclear e proíbe aos demais Estados; o sistema de “atração dos
melhores cérebros” (que é o outro lado do “brain drain” ) de todos os países e
de geração de ciência e tecnologia; e o sistema mundial de formação da opinião pública
e de interpretação da realidade, através dos meios audiovisuais e da Internet.
Desde 1945, lograram os Estados
Unidos e suas classes hegemônicas (o establishment?) extraordinárias vitórias.
Executaram uma eficiente política externa bipartidária. Contribuíram para
desmantelar os impérios coloniais francês, britânico, holandês e português,
através da ONU, e por ações de apoio a movimentos de independência; não
objetaram a abertura da China ao capital megamultinacional, em apoio implícito
às políticas de Deng Xiaoping; desintegraram a União Soviética com o auxílio de
M. Gorbachev e Boris Ieltsin; obtiveram a aceitação como “natural”, pelos
países subdesenvolvidos, da divisão de trabalho entre produtores de
matérias-primas e produtores industriais; superaram as crises de 2001 e 2008;
eliminaram (assassinaram ?) Bin Laden e assim vingaram o crime de lesa
majestade cometido em 2001; mantiveram esmagadora supremacia militar e nuclear.
A China realizou extraordinários
feitos desde 1945. O Exército de Libertação Popular e o Partido Comunista
Chinês venceram e expulsaram os exércitos invasores japoneses; derrotaram e
puseram em fuga Chiang
Kai Shek, o Kuomintang (Partido Nacionalista Chinês), junto
com seu exército de dois milhões de soldados para Taiwan; estruturaram o Estado
socialista chinês; enfrentaram os Estados Unidos na Guerra da Coréia sem serem
derrotados (1950 a
1953); detonaram sua primeira bomba atômica em 1964; obtiveram o reconhecimento
diplomático americano; em 1971 ingressaram no Conselho de Segurança e nas
agências da ONU no lugar de Taiwan; fizeram a reforma agrária e com amplos
movimentos populares romperam as estruturas elitistas herdadas da China
imperial e que tinham permanecido durante a China republicana (1911-49);
superaram os efeitos do cisma com a URSS, em 1960; auxiliaram o Vietnam em sua
vitória final contra os Estados Unidos, em 1975; expandiram os sistemas de
educação e saúde e reduziram a pobreza de forma eficaz e significativa, sendo
hoje os chineses em situação de extrema pobreza menos de 1% de sua população. O
seu míssil Dongfeng-41 desenvolve velocidade de 8.500 m/segundo superior em 25
vezes a velocidade do som que é de 340 m/segundo e pode atingir alvos a 13.000 km , sem que haja
arma comparável no arsenal americano.
A China se recusou a fazer parte
do Pacto de Varsóvia, assinado em 1955 entre os países do leste europeu, e
rejeitou a política de coexistência pacífica de Kruschov (1953-1964) anunciada
em 1955, a
qual a China denunciou como “revisionista”. Em 1958, a China recusou
solicitação soviética de uso de portos. A confrontação ideológica fez com que a
União Soviética, em 1958, após a Segunda Crise do Estreito de Taiwan, temendo o
confronto entre China e EUA, suspendesse a cooperação nuclear; revogasse a
promessa de fornecer tecnologia para a construção de bomba atômica pela China
e, em 1960, ordenasse a saída de todos os especialistas russos. A aproximação
da China dos Estados Unidos, em 1972, fez com que as relações com a URSS se
mantivessem distantes até a década de 1980 quando Gorbachev iniciou processo de
aproximação que levaria a sua visita à China em 1989.
No Império Americano os sistemas
políticos, econômicos e militares estão em reformulação permanente para atender
às suas necessidades internas e externas. Assim ocorreu nos episódios de
abandono unilateral pelos Estados Unidos da paridade ouro-dólar; de tornar
indefinida a vigência do TNP; da aceitação da Índia como potência nuclear; da
reformulação da política externa desde 2016 pelo Governo de Donald Trump, com
base nos conceitos de America First, de anti-multilateralismo, de desrespeito
às decisões do Conselho de Segurança, de unilateralismo, de uso da violência,
de negação da mudança climática.
Desde o remoto ano de 1607,
quando foi fundada a vila de Jamestown, na Virginia, e depois, com a fundação
de cada uma das Treze Colônias, os Estados Unidos da América têm a convicção de
que cabe a eles liderar o mundo (e não apenas o Ocidente) como nação
“indispensável” e “excepcional” por serem a mais antiga democracia, a mais rica
e dinâmica economia, a mais poderosa potência militar, a mais benevolente e
generosa nação, e aquela que organizou o sistema internacional depois dos
desastres da Grande Depressão: os desemprego que chegou a 30% nos EUA; o
nazismo com seus campos de extermínio e experiência humana, e trabalho escravo
e sua doutrina de superioridade racial ariana; e a Guerra Mundial, quando
morreram 50 milhões de pessoas.
Os Estados Unidos da América,
desde a Guerra da Independência em 1776 sempre estiveram em conflitos com
outros Estados, numa longa prática de intervenção militar ao redor do mundo.
A China que, com cinco mil anos,
é a mais antiga civilização, sempre foi a maior economia e o mais poderoso
Estado, ainda que humilhada pelas Potências ocidentais entre 1840 e 1949, com
um amplo e pioneiro legado de inovações tecnológicas, sempre se manteve um
Estado com economia e instituições organizadas, e uma sociedade de grande
criatividade filosófica, artística e literária. Hoje, como República Popular,
ostenta grande pujança econômica e tecnológica.
A China raramente esteve em
conflito militar com outros Estados e quando esteve foi como resultado de
agressão externa, como o caso das agressões ocidentais e a invasão japonesa.
Deng Xiaoping definiu os
requisitos indispensáveis para o desenvolvimento da China: estabilidade interna
e ambiente de paz internacional.
Os dirigentes da República
Popular reiteram em todas as ocasiões que seu desenvolvimento é pacífico e
cooperativo e a China se apresenta como um Estado que deseja participar das
instituições internacionais e não destruí-las ou substituí-las, procurando,
todavia, reformá-las.
A China procura se apresentar
como um parceiro confiável, pacífico, cooperativo em especial em relação aos
países de sua vizinhança mais próxima. É importante mencionar que entre os
principais investidores na China se encontram empresas de Taiwan e Hong Kong e
as comunidades, prósperas e influentes, da Diáspora chinesa em vários países da
Ásia, que somam cerca de 10 milhões de descendentes de chineses.
A partir de 1978, a reorientação
radical, porém gradual e experimental, comandada por Deng Xiaoping da política
econômica da República Popular da China com base na abertura externa, na
atração do capital multinacional e na economia de mercado, foi possível graças
à destruição (ou pelo menos ao forte abalo) das estruturas feudais e elitistas
do Império chinês no período de Mao Zedong (1949-1976), quando o PIB da China
cresceu à taxa anual de 4-5%.
A China atrai anualmente, após os
Estados Unidos, o segundo maior fluxo de investimento estrangeiro direto,
promove intensa transferência de tecnologia, expande e diversifica suas
exportações, cresceu à média de 10% ao ano entre 1978 e 2008 (trinta anos) e
continua a crescer a taxas elevadas. Tornou-se a segunda maior economia do
mundo, o maior país exportador e o segundo maior importador, detentor das
maiores reservas internacionais (três milhões de milhões de dólares), o maior
investidor em títulos do Tesouro americano e grande gerador de tecnologia.
Xi Jinping tem insistido que o
grande sonho chinês é a revitalização da cultura, do Estado e da civilização
chinesa e a unidade do território, com a reincorporação de Taiwan e a
realização do socialismo com características chinesas.
A China tem duas metas temporais:
a do centenário de fundação do Partido Comunista Chinês, em 2020, e a do
centenário da Revolução Comunista, em 2049. A meta estabelecida para o centenário de
2020 era criar uma economia moderadamente próspera e a meta para o centenário
de 2049 é atingir uma economia próspera e poderosa.
A China executa uma estratégia de
política externa com as seguintes características e objetivos:
manter relações de
não-confrontação em geral e, acima de tudo, evitar a confrontação militar com
os Estados Unidos;
assegurar fontes diversificadas
de matérias primas para a economia chinesa;
abrir mercados para as
exportações e para os investimentos chineses;
não interferir em assuntos
internos políticos ou econômicos dos países;
não impor condicionalidades
políticas ou econômicas para a cooperação econômica nem fazer críticas sobre a
situação de direitos humanos ou sobre o regime político de terceiros países;
fortalecer seus laços com os
países vizinhos através da Organização de Cooperação de Shangai (SCO), do
acordo com a ASEAN (Associação de Países do Sudeste Asiático) integrada por
Brunei; Camboja; Indonésia; Laos; Malásia; Mianmar; Filipinas; Singapura; Tailândia;
Vietnam; de acordos bilaterais com a Rússia e das obras de infraestrutura do
Cinturão e Rota da Seda.
A China desenvolve iniciativas de
aproximação e programas de cooperação com os países africanos, com os países
latino-americanos, com os países árabes e com os países que se encontram no que
se chamou de Cinturão e Rota da Seda.
Três iniciativas chinesas tiveram
grande importância. A primeira foi a criação dos BRICS, em companhia da Rússia,
da Índia, do Brasil e África do Sul. No âmbito dos BRICS foi criado, em 2014, o
Novo Banco de Desenvolvimento para financiar projetos de infraestrutura e os
Acordos de Reserva Contingente, para fazer face a dificuldades de balanço de
pagamentos.
A segunda, a Organização de
Cooperação de Shangai (SCO), que foi fundada em 2001, com a Rússia, o
Cazaquistão, o Tadjiquistão, Quirquistão e Uzbequistão, e da qual, em 2017, a Índia e o Paquistão
se tornaram membros. Sua finalidade principal é a cooperação em matéria de
segurança e de combate ao terrorismo, ao separatismo e ao extremismo.
A terceira iniciativa foi a
criação, em 2014, do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura. A
criação do Banco atraiu grande interesse europeu e suscitou a oposição
americana. Todavia, metade dos países da OTAN e os grandes países asiáticos
assinaram, à exceção do Japão. Seus membros fundadores mais importantes foram a
Áustria, Reino Unido, Itália, Alemanha, Holanda, Nova Zelândia, Noruega,
Austrália, China, Coréia do Sul, Paquistão, Rússia, Índia, África do Sul e
Brasil.
Oito presidentes americanos, de
Nixon a Obama, executaram uma estratégia de engajamento, baseada na convicção
de que abraçando a China política e economicamente fariam com que ela se
tornasse gradualmente mais capitalista e liberal.
Essa estratégia criou a maior
relação comercial entre dois países. Há cerca de 70 mil companhias americanas
na China e, em 2005, iniciou-se um grande fluxo de estudantes chineses para os
Estados Unidos, que são o maior grupo nacional de estudantes nos Estados
Unidos.
Assim, até a presidência de
Barack Obama (2007-2015), a estratégia americana se fundava na visão de que o
crescimento econômico chinês levaria à abertura política e à democracia e a uma
convergência chinesa com as políticas ocidentais.
Obama se proclamou o “primeiro
presidente americano do Pacífico” (America’s First Pacific President). Sua
política tinha como objetivo conter a ascensão da China que viria, em 2010, a ultrapassar o Japão
e a se tornar a segunda maior economia do mundo.
O fato de a China ter superado os
Estados Unidos em produção industrial causou grave preocupação aos
estrategistas americanos, pois estes consideram que a manufatura é a base da
indústria e que uma manufatura forte permite um poder militar forte e, com ele,
a capacidade de competir pela hegemonia global.
A ênfase na Ásia (rebalance to
Asia-Pacific), slogan da política externa de Obama, era sustentada por quatro
pilares: a alocação de 60% da força naval e aérea americana para a Ásia; a
negociação da Trans-Pacific Partnership, com exclusão da China; a exploração
das disputas da China com seus vizinhos; a manutenção do contato com a China.
Em termos de paridade de poder de
compra (PPP) a China superou os Estados Unidos como maior economia do mundo em
2014; em 2016 o Produto real (GDP) chinês era 12% maior que o americano e, em
2015, o produto manufatureiro chinês foi 150% maior. Em cada um dos cinco anos
até 2016, a
China foi o primeiro país em pedidos de patentes.
Os Estados Unidos negociaram
acordos militares com países da região como o Japão, a Coréia do Sul, a
Austrália, as Filipinas. Na área econômica negociaram, sigilosamente e fora da
OMC, o TransPacífic Partnership Agreement (TPP), entre 12 países, entre os
quais se destacam EUA, Japão, Canadá, Austrália, México e Vietnam, amplo acordo
de livre comércio e de normas em muitas áreas, em um esquema de normas OMC-Plus
e mesmo KAFUS-Plus, (acordo Coréia do Sul-Estados Unidos).
A negociação do TPP procurava
isolar a China de seus vizinhos próximos. Os Estados Unidos, ademais, insistiam
em suas críticas à situação de direitos humanos e ao regime político chinês,
acusado de ditatorial, provocando irritação nas autoridades chinesas enquanto
sua política de venda de armas a Taiwan e estímulo à sua independência contrariava
seus compromissos.
A estratégia de Obama de ênfase
na Ásia não só fracassou como fez aumentar as desconfianças do Governo da China
e o estimulou a tentar contrabalançar a ação americana com iniciativas tais
como a Parceria Econômica Abrangente; a Área de Livre Comércio da
Ásia-Pacifico; o projeto de Um Cinturão, uma Rota, e a criação do Banco dos
BRICS e do Banco Asiático de Infraestrutura. De outro lado, a China tem
continuado a expandir sua presença em altos cargos de organismos como o FMI, o
Banco Mundial e as Nações Unidas.
Um conceito estratégico foi
proposto por Xi Jinping a Obama em 2013: não ao conflito e não à confrontação;
respeito mútuo; cooperação ganha-ganha (win-win). Os Estados Unidos não
aceitaram nem rejeitaram este conceito de Xi Jinping para reger as relações
China/Estados Unidos.
Barack Obama foi sucedido em 2016
por Donald Trump, assumidamente um “outsider” (estranho) em relação à política
e ao próprio Partido Republicano, e que provocou uma reviravolta, inclusive
emocional e voluntarista, na condução da política externa americana e, em
especial, quanto à China.
Seu lema America First resume sua
visão antagônica em relação a compromissos e organismos internacionais, às
negociações multilaterais, em relação à não intervenção política. Trump tende a
considerar que a política externa é, em realidade, uma negociação comercial em
que ele, Trump, acredita que prevalecerá por ter maior experiência como homem
de negócios.
Donald Trump identificou a China
não só como competidora, mas também como a principal adversária econômica,
política e militar dos Estados Unidos e que tem de ser tratada com firmeza.
A abordagem de confrontação de
Trump atraiu surpreendente apoio bipartidário. Os empresários americanos
passaram a se queixar do roubo de segredos comerciais, de transferência forçada
de tecnologia e dos subsídios às empresas chinesas que tornavam a competição
impossível. E os políticos denunciaram as prisões de ativistas de direitos
humanos e de lideranças de minorias étnicas.
A estratégia de Donald Trump de
decoupling (desconexão) da China para contenção do crescimento econômico e
político chinês tem como objetivos:
eliminar o déficit comercial
bilateral dos EUA, de cerca de US$360 mil milhões anuais;
impedir a transferência, por
empresas americanas e europeias, de tecnologia avançada; reduzir a presença de
estudantes chineses nos EUA, que seriam 370 mil em 2019, dez vezes o número de
2009;
impedir a adoção da tecnologia 5G
da Huawei;
promover o retorno da produção
industrial e de empregos para os Estados Unidos;
expandir o orçamento e a presença
militar na Ásia;
alinhar os países europeus com os
Estados Unidos contra a China.
Em março de 2018, Trump declarou
que “guerras comerciais são boas e fáceis de vencer” e aumentou tarifas sobre
aço e alumínio importados da China. Beijing retaliou com tarifas sobre
exportações americanas.
Em setembro de 2018, um navio de
guerra chinês e um navio americano chegaram a 50 metros um do outro no
Mar do Sul da China e quase colidiram.
Em outubro de 2019 os Estados Unidos
colocaram em “lista negra” empresas de tecnologia e dirigentes do Partido
Comunista Chinês pelo seu envolvimento na prisão de muçulmanos em Xinjiang.
O secretário de Estado Mike
Pompeo declarou que a América e seus Aliados deveriam assegurar que a “China
mantivesse apenas seu lugar próprio no mundo”. Pompeo declarou que a “China
quer ser a potência econômica e militar dominante no mundo, disseminando sua
visão autoritária da sociedade e suas práticas corruptas”.
Em março de 2019, o Comitê do
Perigo Presente, dos anos 50, foi reativado e um de seus integrantes, Newt
Gingrich, que foi Presidente da Câmara de Representantes, republicano e
conservador, publicou o livro Trump vs. China e apontou a China como a maior
ameaça aos Estados Unidos, muito maior do que fora a Alemanha nazista ou a
União Soviética.
Donald Trump:
taxou em 100% as importações
chinesas, usando o argumento de segurança nacional, em violação dos
compromissos assumidos pelos EUA na OMC;
bloqueou o funcionamento do
mecanismo de solução de controvérsias da OMC;
retirou os EUA da Trans Pacífic
Partnership;
proibiu a venda de empresas
americanas de alta tecnologia;
pressionou os países europeus a
se alinhar com sua política anti-China;
denunciou as despesas militares
chinesas como exageradas e provocativas;
renovou os tratados de aliança
militar com o Japão e a Austrália;
retirou os EUA do Acordo de Paris
sobre mudança climática;
publicou uma lista de dezenas de
empresas chinesas, entre elas a Huawei, com as quais as empresas americanas não
podem fazer negócios. A China, em retaliação, fez uma lista semelhante de
empresas americanas.
Em janeiro de 2020, foi assinada
a Fase 1 do acordo comercial entre China e Estados Unidos que prevê:
cancelamento de tarifas que
passariam a vigorar em 15/12/19 e incidiriam sobre US$160 mil milhões de
produtos chineses; redução de 15% para 7,5% das taxas sobre outros produtos no
valor total de US$120 mil milhões importados da China;
foram mantidas as tarifas
americanas de 25% sobre US$250 mil milhões em produtos importados da China;
a China assumiu o compromisso de
comprar US$200 mil milhões de produtos agrícolas, de energia e manufaturas
americanas até 2021; o acordo inclui seções sobre propriedade intelectual,
transferência forçada de tecnologia, alimentos, finanças, moeda, câmbio e
solução de disputas.
Estão em curso as negociações da
Fase 2 do acordo comercial.
Em 2018, a China superou a
duração da URSS (1917-1991) e se tornou o mais antigo Estado comunista
sobrevivente.
A comunidade de inteligência
americana espiona governos estrangeiros desde a organização na Segunda Guerra
do Office of Strategic Services (OSS), precursor da CIA. Hoje, a China faz o
mesmo, sob veementes protestos americanos.
O governo chinês tem condicionado
a presença de companhias americanas a programas de transferência de tecnologia.
Empresários, inicialmente entusiastas das relações com a China, vieram a se
tornar críticos veementes.
A principal área de competição
entre China e Estados Unidos é pela liderança da próxima geração de
tecnologias. Inicialmente os executivos do Silicon Valley minimizaram o desafio
chinês em tecnologia, argumentando que controles rígidos na política e na
educação na China iriam impedir inovações radicais. Mas esta sua visão não mais
prevalece.
No plano “Made in China 2025” foram destinados
milhares de milhões de dólares em subsídios à pesquisa para ajudar as
companhias chinesas a superar seus competidores em áreas de fronteira como
veículos elétricos e robótica. De seu lado, como percentagem da economia, o
investimento federal nos Estados Unidos em pesquisa caiu a seu menor nível
desde 1955.
Em maio de 2019, o Departamento
do Comércio proibiu a Huawei de comprar microchips americanos o que prejudicou
sua capacidade de produzir smartphones e equipamentos de rede (networking). Os
Estados Unidos solicitaram a 61 países que proibissem o uso de equipamento da
Huawei, mas somente três atenderam ao seu pedido: Austrália, Nova Zelândia e
Japão.
O sistema 5G é a futura geração
de telecomunicação móvel. Cinco empresas vendem equipamentos e sistemas 5G para
operadoras: Huawei, ZTE, Nokia, Samsung e Ericsson. Diante da forte campanha
contrária americana, que alega riscos para a segurança nacional dos Estados, a
China tem desenvolvido intensos esforços diplomáticos para fazer com que o
sistema da Huawei de 5G para telefonia venha a ser adotado em especial pelos
países europeus.
Os Estados Unidos não dispõem de
uma tecnologia alternativa 5G para competir com a China.
A imprevista Pandemia do
Coronavírus criou uma oportunidade para a China prestar auxílio aos países
europeus atingidos, em especial à Itália e à Espanha e demonstrar sua
eficiência, como Estado, pela capacidade de controlar a Pandemia com medidas
eficazes e rápidas, sofrendo a China relativamente poucos contágios e mortes,
suscitando uma comparação com os Estados Unidos, a esses desfavorável.
Dificilmente a estratégia de
“decoupling” de Donald Trump poderia ser bem sucedida. A renda [NR] total das
companhias americanas na China, em 2017, foi de US$544 mil milhões. Algumas
companhias estão construindo fabricas na Índia, no Vietnam e no México, mas a
maioria das companhias americanas deseja mais acesso ao mercado chinês. Em
plena “guerra comercial” Starbucks anunciou planos para abrir 3.000 lojas na
China e a Tesla, companhia de carros automáticos, abriu uma fábrica em Shangai
para construir 150.000 carros por ano. A China é o mais lucrativo mercado, com
um valor de 4 mil milhões de dólares, para a National Basketball Association
(NBA) e a Nike fez mais de 1,5 mil milhões de dólares por ano na China.
O mercado chinês se tornou tão
importante para as companhias americanas que estas estão aceitando pressões
para realizar adaptações culturais. Hollywood aceitou editar filmes, como o
filme sobre Freddie Mercury, para poder ter acesso ao mercado chinês.
Em 2019, dez Faculdades
americanas fecharam Institutos Confúcio. Em Beijing, o governo determinou que
as instituições públicas removessem todo equipamento de computador e programas
de software estrangeiros.
Os Estados Unidos tem enormes
vantagens militares sobre a China, mais de 20 vezes armas nucleares, força
aérea muito superior, e orçamentos de defesa três vezes maiores que os da
China, aliados como Japão e Coréia do Sul e potenciais aliados, como Índia e
Vietnam, com capacidades militares próprias. A China não desfruta de situação
sequer semelhante no Hemisfério Ocidental.
Em 2012, a China lançou seu
primeiro porta-aviões e, em 2019, o segundo, e está construindo seis porta-aviões
convencionais de natureza defensiva. A China também desenvolveu misseis,
equipamento de defesa aérea e submarinos. Os Estados Unidos tem doze
porta-aviões nucleares
.
Beijing considera importante
controlar o Mar do Sul da China devido aos recursos naturais e a sua
localização estratégica. Em 2012,
a China ocupou um banco de areia perto das Filipinas
chamado Scarborough Shoal ato ao qual os EUA não reagiram. Em 2014, a China começou a
construir ilhas artificiais em cima de sete recifes no Mar do Sul, que
considera como necessárias à sua defesa.
A mais perigosa fronteira entre
os Estados Unidos e a China se encontra em territórios contestados no Pacífico
Ocidental: Taiwan, o Mar do Sul da China e uma série de recifes e bancos de
areia. Desde 2016, ocorreram 18 encontros inseguros, de quase colisão no ar ou
no mar, entre a China e os EUA.
Taiwan se encontra a 130 km do Continente chinês.
Há 23 milhões de taiwaneses, sendo que 850 mil moram na China Continental e
outros 404 mil lá trabalham. Em 2019, 2,71 milhão de chineses visitaram Taiwan.
Em janeiro de 2019, Xi Jinping
declarou que, eventualmente, Taiwan deverá e será reunida à República Popular
da China e que a China se reserva o direito de usar de força contra qualquer
intervenção de forças estrangeiras.
A competição entre China e
Estados Unidos também envolve pequenas ilhas e rochedos no Mar do Sul da China,
sobre os quais diversos Estados reivindicam soberania. Os Estados Unidos tem se
colocado do lado desses Estados contra a China, em uma questão importante para
a navegação da Sétima Frota americana designada para operar na região oeste do
Oceano Pacífico e no Oceano Índico, com base em Yokosuka no Japão.
Em 2017, Xi Jinping afirmou que a
China oferece um novo caminho para países subdesenvolvidos que desejam acelerar
seu desenvolvimento e preservar sua independência.
Nas últimas décadas a balança de
poder na Ásia Oriental se inclinou em favor da China. A China tem mísseis,
aeronaves, navios de tal forma que pode afirmar que atingiu superioridade
militar na região, enquanto Washington não consegue afirmar sua supremacia na
região. As capacidades navais da China e o desenvolvimento de lasers, drones,
ciber operações, e espaço exterior estão alcançando as dos Estados Unidos.
Os Estados Unidos e a China
parecem estar se movendo em direção a uma separação que é menos econômica do
que política e psicológica. Haverá uma decisão de “lutar, mas não esmagar” e
tudo indica que a coexistência não será nem decoupling (desconexão) nem
appeasement (apaziguamento), já que as economias destes dois países estão hoje,
e estarão no futuro previsível, ligadas.
A luta pela hegemonia está, em
grande parte, em suspenso pela Pandemia. Vencida esta, a luta voltará e será um
processo importante para o Brasil devido aos seus importantes vínculos com os
Estados Unidos e com a China.
[NR] No Brasil chamam de renda a
qualquer espécie de rendimento.
[*] Diplomata brasileiro. Foi
secretário-geral do Itamaraty (2003-09) e ministro de Assuntos Estratégicos
(2009-10).
O original encontra-se em
jornalggn.com.br/artigos/a-luta-pela-hegemonia-por-samuel-pinheiro-guimaraes/
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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