Não, mas desencadeou uma
descaracterização do maior partido da oposição moçambicana, entende o analista
Alexandre Chivale, que aponta: pode haver uma instrumentalização da RENAMO
nestas condições.
Passam dois anos desde a morte de
Afonso Dhlakama, o líder do maior partido da oposição em Moçambique, que morreu
a 3 de maio. Desde então a RENAMO tem se metamorfoseado num sentido que
desagrada alguns correligionários e levanta questionamentos por parte da
sociedade, como por exemplo sobre os acordos
de paz de agosto de 2019.
Conversamos com o analista e
jurista Alexandre Chivale sobre a RENAMO sem "o pai da democracia".
DW África: Desde que Afonso
Dhlakama morreu que a RENAMO mostra também estar a perder os seus sinais
vitais. Isso evidencia algum problema estrutural neste partido?
Alexandre Chivale (AC): Efetivamente
desde que Afonso Dhlakama morreu que vemos uma verdadeira descaracterização da
RENAMO. Vai daí que havia quem dizia que a RENAMO confundia-se com Afonso
Dhlakama e Afonso Dhlakama confundia-se com a própria RENAMO. Isto evidencia
efetivamente que a RENAMO sempre foi uma organização à imagem do seu
líder, era efetivamente o coração da RENAMO, era uma espécie de Luis XIV;
queria, podia e mandava. Não havia ao nível da liderança intermédia da RENAMO
quem lhe pudesse fazer frente, portanto, tudo o que Dhlakama dissesse era visto
como norma ao nível da RENAMO, daí que o desaparecer, e porque não há dois
Dhlakamas, efetivamente temos a RENAMO numa verdadeira descaraterização, a
RENAMO de Dhlakama não é esta RENAMO que vemos nos dias de hoje.
DW África: Dhlakama tinha os seus
ideais, que segundo os membros da RENAMO não estariam hoje a ser observados, o
que está a causar uma forte contestação interna. Acha que o resgate
desses ideais seria uma das formas de ressuscitar o partido e manter
satisfeitos os seus correligionários?
AC: A resposta a isso seria
uma espécie de ressuscitar Afonso Dhlakama. Desaparecendo Afonso Dhlakama é
muito complicado achar que podemos ressuscitar os seus ideias, significaria
ressuscitar o próprio Dhlakama. Agora, é verdade que no seio da RENAMO havia
pessoas que tinham certos privilégios que eram dados por Afonso Dhlakama
diretamente sem oposição de quem quer que fosse e que hoje perderam estes
privilégios. Obviamente que estes não se sentem atualmente satisfeitos com o
curso das coisas. Agora, não deixa de ser verdade que, por exemplo, Ossufo
Momade é tudo, menos alguém que pode personificar a RENAMO de Afonso Dhlakama.
A partir da forma como é feita a
oposição política na RENAMO algumas práticas que Momade segue hoje são
claramente as que Dhlakama não estava em condições de seguir. Vou dar dois
exemplos que foram surpreendentes pela positiva: a solução do seu lugar no
Conselho de Estado e também a admissão das mordomias principescas que são
reservadas ao segundo candidato mais votado [nas eleições], pese embora
relativamente a este aspeto há aí uma verdadeira dissonância, quando a própria
RENAMO posiciona-se como sendo o defensor das causas do povo, e numa situação
em que estamos de privações severas, a aparecer a RENAMO a aceitar esse
conjunto de benesses quando temos uma série de médicos, professores e outros
profissionais do aparelho de Estado em situações complicadas e ver Ossufo
Momade a aceitar estes privilégios que são dados pelo Estado, não deixa de ser
algo contraditório.
Em todo o caso, é uma forma
diferente de Ossufo Momade se posicionar relativamente a Dhlakama. Significa
que a partir daí que temos também uma RENAMO diferente. Amanhã se
houver outro líder, certamente, pela forma como este partido foi estruturado
ideologicamente, nos leva a crer que efetivamente ele é comandado com base nas
visões das pessoas. Portanto, até ver, Momade está a fazer o mesmo que Dhlakama
fazia do ponto de vista de gestão do partido, agora tem formas diferentes de
ser e por isso é que temos RENAMOS absolutamente diferentes.
DW África: A aparente crescente
fragilidade da RENAMO está a ser instrumentalizada pelos seus opositores para o
extinguir?
AC: Não acredito que haja
opositores da RENAMO que queiram que ela desapareça. Nós sabemos que para o
partido FRELIMO ter a RENAMO é sempre uma vantagem, justamente porque é uma
RENAMO que mesmo nos tempos de Afonso Dhlakama conseguiu ser manietada, pelo
menos do ponto de vista do jogo político pela FRELIMO, embora a RENAMO sempre
aparecesse em posição de alguma vantagem quando procedia ao recurso às armas,
essa era a linguagem que ela melhor entendia, pelo menos até ao período de
Afonso Dhlakama. Agora, o que pode estar a acontecer é que esta fragilidade da
RENAMO pode ser usada, sim, para continuar a mantê-la dormente como a temos
hoje, isso sim. Agora extinguir, como tal, não me parece que seja esta
pretensão e nem me parece que seja a decisão correta em nome da democracia que
se defende. Portanto, eu não acredito que haja forças opositoras da RENAMO que
possam querer que ela se extinga, agora, que ela continua dormente e mais
dormente ainda. Isso sim, posso sufragar esse tipo de tese.
DW África: Na sua opinião, o que
precisaria a RENAMO para voltar a ser uma oposição consequente e com mais
credibilidade?
AC: Não acredito que a
RENAMO alguma vez foi uma oposição com credibilidade e consequente, o que a
RENAMO sempre soube fazer foi usar a força das armas para poder fazer valer as
suas pretensões. Agora, se quisermos dizer o que precisamos fazer para que a
RENAMO seja uma oposição credível e consequente, aí a própria RENAMO precisa de
se libertar dos seus fantasmas, nomeadamente do fantasma do tribalismo. Paira a
ideia segundo a qual a RENAMO é um partido Ndau, sendo que qualquer outra tribo
que assumir os píncaros do poder na RENAMO é sempre combatida, como aliás se
tem estado a observar hoje com a liderança de um Macua que é o Ossufo Momade.
Outro aspeto, parece que a RENAMO
não seja simplesmente um partido que pensa em fazer oposição, a RENAMO não pode
ser um partido reativo, tem de ser um partido que discute dossiers, um partido
que olha para as prioridades nacionais e ao pode aparecer com esta retórica de
que os outros são corruptos, comunistas, etc. Esta é uma retórica de guerra que
jovens do atual século ja não consomem. É necessário que a RENAMO estude o
dossier e a visão estratégica de num país todo e possa aparecer-nos com
soluções. A RENAMO não se pode posicionar como um partido que às vezes aparece
a dizer que tudo está errado, mas sem dizer o que ela poderia fazer. A RENAMO
tem de começar a pensar em ser oposição para ser um partido credível e
consequente. E a RENAMO tem de chegar a pregar aquilo que prega.
Deutsche Welle
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