De Rui Peralta, nosso colaborador
- atualmente não ativo - estamos a recuperar algumas das suas participações no
Página Global até ao ano de 2016. É o caso da que apresentamos em seguida,
subordinada ao título acima exposto. Afinal, um texto sempre atual: empreendedorismo.
(PG)
Rui Peralta,
Luanda
O empreendedorismo é apresentado
como uma solução para a força de trabalho excedente, não absorvida, uma
possível solução para o desemprego. Pelo menos este é o discurso dominante que
promove esta prática e, efectivamente, assim o pode ser. Mas, por debaixo do
discurso promotor das competências empreendedoras, impõe-se uma ideologia
funcional que reproduz culturalmente os processos de acumulação do capital e que
assenta na concorrência como fórmula mágica e no capitalismo como como
fatalidade bíblica. Para trás ficam a solidariedade e a cooperação, distorce-se
o papel do individuo e os seus direitos efectivos e perde-se o sentido do
colectivo.
O grande objectivo deste tipo de
empreendedorismo, desta ferramenta do neoliberalismo, é a criação de uma
economia feita de trabalhadores que adquirem comportamentos de unidade-empresa
e não como colectivos de produtores. A forma empresa integrará toda a
sociedade, tornando-se um princípio vectorial que se infiltra em todas as
relações sociais. Da família ao Estado nada lhe escapa. Quanto ao mercado
tornar-se-á numa imensa fornalha reprodutora de escravos, de mão-de-obra de
baixíssimo custo, isenta de custos sociais e de direitos tanto de produtores
como de consumidores, um imenso aparelho sob controlo directo das oligarquias.
É um imenso processo de colonização que leva os valores do capitalismo a todos
os âmbitos da vida social e a todas as esferas da sociedade humana.
A ética imposta por estes valores
comporta a ideia de que o pobre é pobre porque não é – e não quer ser -
empreendedor, gera uma falsa consciência do sujeito. Os que não empreendem são
“falhados, derrotados”, fogem do “sucesso”, são “indolentes” que fogem da
concorrência permanente. Os que “fracassam” não dispõem dos sinais do
“êxito”, não absorveram os valores empreendedores como o “talento”, a
“inovação”, o “carisma”, a “liderança”, etc. Desta forma ocultam-se os
processos sociais que possibilitam estes valores, escondem-se as relações
sociais no mundo do trabalho, a exploração da força de trabalho, criada através
da invisibilidade dos rendimentos-extra gerados no modo de produção
capitalista. A burguesia possui riqueza porque oculta e explora e essa é a sua
racionalidade. Não há “talento” nas relações sociais de produção. O que há é
uma relação de domínio/submissão, de exploração.
Na ideologia do empreendedorismo
o sujeito passa de assalariado (o que vende a sua força de trabalho, o seu
conhecimento, no mercado de trabalho) a um “empresário de si próprio”. E é aqui
que consiste a armadilha que gera uma falsa consciência da realidade. Ele desce
no escalão social, efectivamente, porque perde direitos e adquire uma
actividade precária, que o irá fazer arrastar-se por toda uma vida a pagar
dividas á banca, a bajular o aparelho de Estado em troca de uns trocos, e o
partido como centro de negócios.
Empreender sim, mas de forma
consciente e não como processo de alienação. Empreendedorismo sim, mas no
sentido de potenciar a criatividade, a inteligência, a inovação, a excelência
do serviço e da produção. Empreender no sentido da cooperação e da
solidariedade e não em exclusivo nos processos de concorrência. Criar processos
de empreendedorismo que fomentem transformações de atitude dos produtores e
operadores que gerem dinamização económica local, potenciando as articulações
com o meio envolvente. Empreendedorismo sim, mas no sentido dos empreendedores
criarem os seus próprios circuitos financeiros solidários e as suas redes
logísticas colectivas. Empreendedorismo sim, mas no sentido da partilha de
conhecimento, saberes e tecnologias.
Empreender sim. De verdade, como
processo de socialização. Nunca como alienação.
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