O sistema público universal e
solidário de segurança social vem de Abril e dos seus valores, projectando-se
como um pilar fundamental da qualidade de vida dos trabalhadores portugueses.
Manuel Guerreiro | AbrilAbril |
opinião
É preciso saber-se de onde se vem
para se ir para onde se quer. Pode parecer uma daquelas afirmações próprias de
«dinossauros» a que, nos tempos em que vivemos, muitos poucos ligarão alguma
coisa. Na verdade, o que está a dar é exigir tudo para receber muito,
pouco interessa de onde vem, quem pagou ou vai pagar.
As televisões, rádios e jornais
estão, a toda a hora, cheias de gente que reclama contribuições a fundo
perdido, para compensar as empresas dos prejuízos pela quebra da actividade ou
encerramento durante o confinamento; mais a dispensa das contribuições sociais;
a redução do IVA; o alargamento dos prazos para pagarem os impostos e
empréstimos vencidos; mais e mais lay-off para os trabalhadores
receberem menos um terço do salário e a segurança social pagar 70% dos
restantes dois terços, e mais, e mais… tudo quanto vier é ganho.
Os capitalistas são os «donos
privados»: do título de propriedade; da transferência e realização de mais
valias; de negócios rendosos; lucros e benesses e, através dos governos
socializam – põem-nos todos a pagar – os eventuais prejuízos e os investimentos
de capital necessários à recuperação das empresas, de que são exemplos mais
badalados o Novo Banco e a TAP.
Entretanto, cresce o desemprego
promovido pelas empresas que, nos intervalos das leis, mandam embora os
precários e todos os outros que podem descartar sem custos, como por exemplo na
Petrogal, para os voltarem a recrutar quando deles precisarem para aumentar a
produção e os lucros.
Ao mesmo tempo, milhões de euros
da segurança social vão para as empresas, ao abrigo do lay-off simplificado,
para financiar 70% dos dois terços do salário dos cerca de 1,2 milhões de
trabalhadores, as vítimas colaterais da COVID-19.
Muita gente se interrogará sobre
a capacidade da Segurança Social, que muitos há várias décadas anunciam como
falida, de desembolsar tantos milhões de milhões para financiar empresas, se
não é essa tampouco a sua função.
Na verdade, a Segurança Social
pública, universal e solidária não está nem nunca esteve falida, apesar de há
muitos anos estar alternadamente entregue à «digestão» de «boys e girls»
do «bloco central». Aliás, ainda recentemente ouvimos, na televisão pública, o
presidente da instituição anunciar que a segurança social tinha fechado o ano
de 2019 com um saldo positivo de 2,6 mil milhões de euros e que o primeiro
trimestre de 2020 apresentava igualmente um saldo largamente positivo. A
solidez da estrutura deste sistema público tem resistido estoicamente a toda a
sua delapidação gestionária, com os seus principais interessados, as
organizações sindicais e os trabalhadores das instituições, afastados da
gestão.
Quem, como eu, naquele Maio de
1974 de todas as esperanças, reclamou as primeiras medidas para a Segurança
Social, em nome dos utentes contribuintes trabalhadores, tem, apesar de tudo,
de se sentir recompensado e confortado com o resultado que está a frente dos
«olhos de todos».
Segurança Social nasce com o DL
n.º 222/74
Depois de algumas reuniões e
reclamações sindicais (CGTP-IN), ancoradas nas reclamações preparadas para o
chamado Congresso da Previdência de 1973 e nas posições e reclamações sindicais
então formuladas, com reflexos nas teses do Congresso Oposicionista de Aveiro, Avelino Gonçalves,
ministro do Trabalho, Mário Murteira, ministro dos Assuntos Sociais e o
primeiro-ministro Palma Carlos, assinam a 27 de Maio de 1974 o decreto-lei n.º
222/74, que cria a Comissão Coordenadora e as Subcomissões que irão avançar
para a criação da nova Segurança Social.
Aliás, o decreto, na sua
simplicidade, própria dum tempo em que era pouca a experiência e preciso fazer
tudo bem e depressa, começa por afirmar a necessidade de «dispor de um quadro
tão correcto quanto possível da actual situação financeira da Previdência
Social, condição prévia para o desenvolvimento da nova política se Segurança
Social que se pretende levar a cabo», considerando «muito positiva a
participação dos beneficiários e do pessoal das instituições de previdencia
social na formulação dessa mesma politica”.
A Comissão Coordenadora,
presidida por um representante do ministro dos Assuntos Socais, integra dois
representantes de cada um dos ministérios – dos Assuntos Sociais e do Trabalho
–, dois das organizações sindicais (CGTP-IN), em representação dos utentes, e
dois dos trabalhadores das instituições de Previdência.
As Subcomissões eram constituídas
por um representante do Ministério dos Assuntos Sociais, do Ministério do
Trabalho, das organizações sindicais (CGTP-IN) e dos trabalhadores da instituição.
Os representantes sindicais
assumiram um papel determinante para fazer avançar o processo, com a bagagem
que traziam dos debates dos congressos da Previdência e da Oposição em Aveiro. Com o apoio e
participação activa dos trabalhadores beneficiários, a contribuição dos
representantes dos trabalhadores das instituições e, nalguns casos, dos
representantes dos ministérios, avançaram para a transformação do sistema de
Caixas de Previdência, por profissão ou empresa, para a estruturação do sistema
público, universal e solidário, em cuja «teta» hoje todos querem mamar,
incluindo os seus inimigos figadais.
Isso permitiu aumentar os
benefícios e melhorar substancialmente as prestações, integrar todos os
trabalhadores, combater a fraude e a evasão contributiva, promover a inscrição
dos trabalhadores e valorizar a segurança social, sob a palavra de ordem «A
Segurança Social é nossa, não é do capital».
O sistema público universal e
solidário de segurança social vem de Abril, dos seus valores e projecta-se como
um pilar fundamental da qualidade de vida em comunidade dos trabalhadores e
portugueses, no presente e no futuro de Portugal.
Imagem: Estela Silva
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