A
narrativa soa convincente: um fundo de recuperação conferirá novas forças à
União Europeia em dificuldades econômicas devido à epidemia de covid-19, além
de emitir um sinal de solidariedade. Os ombros fortes ajudam os mais fracos.
Uma vez que essa solidariedade teoricamente suscita gratidão, o programa também
freará os populistas: mais dinheiro de Bruxelas é igual a menos votos para
Matteo Salvini e companhia.
Essa
é a equação simplista, que no passado infelizmente nunca deu resultado. Em
contrapartida, o modelo histórico é eloquente: após a Segunda Guerra Mundial,
os Estados Unidos organizaram o Plano Marshall, um fundo de reconstrução para a
Europa que virou lenda.
Só que no momento pouco há para reconstruir na UE, não há carência de gêneros alimentícios para aplacar. O que existe, acima de tudo, são cobranças a financiar: seguro-desemprego e jornadas reduzidas, aposentadorias, mensalidades do seguro-saúde. A seguridade social é ainda mais cara em épocas de crise, e a maioria dos orçamentos estatais já está sobrecarregada. Mas para fechar esses buracos orçamentários, no momento a UE é o endereço menos apropriado que se possa imaginar.
Não
se pode falar de apoio aos desempregados sem discutir a duração e valor das
subvenções; não se pode falar de pensões sem discutir a idade de aposentadoria.
Mas nenhum Estado-membro da UE quer conceder a eleitores estrangeiros poder de
ingerência sobre as questões de orçamento nacional – muito menos partindo dos
países que gritam mais alto por socorro.
Os
políticos envolvidos no pacote sabem que não há como defender, perante os
cidadãos, o financiamento estatal através da comunidade europeia, e frisam: não
se trata de "más velhas dívidas", mas sim de "boas novas
dívidas". E assim se definem projetos futuros visando fortalecer a Europa.
É
claro que ninguém está pensando numa nova edição dos aeroportos-fantasmas da
Espanha construídos com verbas da UE. Mas quem garante que desta vez a coisa
andará melhor? – afinal de contas, trata-se de gastar mais num prazo menor. Os
próprios cidadãos já identificaram os pontos de fissura: na Bulgária eles vão
às ruas pelo medo de que o dinheiro de Bruxelas volte a sumir por canais
escusos.
Quem
vai pagar por esta chuva de ouro da UE será a geração jovem, em algum momento.
Num estudo minucioso, o sociólogo grego Michael Kelpanides mediu o grau de
consciência europeia dessa geração. Para tal, foi aonde a sensibilidade para as
vicissitudes alheias deveria ser especialmente desenvolvida: à mais antiga
escola europeia do continente, em Luxemburgo.
Sua
decepcionante conclusão: "A confluência de grupos nacionais muito
heterogêneos, que só se conheciam superficialmente, os faz finalmente se
conscientizarem de quão diferentes são. E essa constatação pode ter como
consequência, em vez de coesão, uma decidida separação recíproca."
A
pesquisa de Kelpanides é apenas uma pedra do mosaico, mas mostra que quem
acredita na maravilhosa ideia da Integração Europeia não deve sobrecarregar os cidadãos.
Mas
agora que os dados já foram lançados, é hora de a UE direcionar as verbas para
onde, no futuro, os europeus realmente terão que ser mais fortes juntos. Para a
defesa europeia conjunta, por exemplo – à qual, contudo, não coube uma fatia
especialmente generosa nas negociações sobre o pacote de recuperação, com apenas
7 bilhões de euros.
A
UE também poderia continuar lá onde se viram os mais belos sinais de
solidariedade europeia durante a crise. Diversos países-membros (e a Suíça!)
receberam pacientes graves de covid-19 dos hospitais do Norte da Itália e do
Leste da França.
Um
registro comum europeu dos leitos de tratamento intensivo; a garantia de que em
tempos de crise todos os países europeus se apoiarão mutuamente, sem
burocracia, na assistência de saúde, partilhando leitos e medicamentos, não
estocando máscaras: esse seria um sinal histórico.
Um sinal para o qual nem seria necessário exibir cartazes com o aviso "financiado com recursos da União Europeia".
Andreas Noll | Deutsche Welle | opinião
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