A vaga de protestos anti-racismo e contra a violência policial que marcou grande parte dos últimos dois meses nos Estados Unidos começou a transformar-se, nos últimos dias, numa onda de manifestações contra o envio de agentes de forças federais para cidades como Portland e Chicago, por ordem do Presidente Donald Trump. Na noite de sábado para domingo, 145 pessoas foram detidas em confrontos com a polícia um pouco por todo o país, um homem foi morto a tiro no Texas e um automobilista tentou atropelar um grupo de manifestantes no Colorado.
O
principal palco dos confrontos deste fim-de-semana nos Estados Unidos foi
Seattle, a cidade mais populosa do estado de Washington, na costa Oeste do
país.
Foi
lá que milhares de pessoas – entre 2000 e 5000, consoante as fontes – começaram
a juntar-se ao início da tarde de sábado para protestarem contra as
cargas de agentes federais em Portland, no estado vizinho do Oregon.
Ao início da noite de sábado, um grupo de manifestantes ateou fogo a um contentor na área onde está a ser construído o futuro centro de detenção de menores de Seattle – uma construção muito contestada nos meios mais progressistas, que defendem o fim da punição de crianças e adolescentes com penas de prisão.
A
caminho da Baixa da cidade, onde os manifestantes se têm concentrado em frente
à esquadra da polícia local, algumas pessoas vandalizaram edifícios e partiram
as montras de uma loja da cadeia Starbucks, alvo de protestos pelo seu apoio
financeiro à polícia de Seattle.
Pouco
depois da chegada dos manifestantes às imediações da esquadra, que está
encerrada e protegida por um cordão de segurança, a polícia declarou que estava
em curso um motim e carregou contra os manifestantes com gás lacrimogéneo e gás
pimenta.
Segundo
a polícia, a declaração de motim (que autoriza o uso do gás e de armamento de
controlo de multidões considerado não-letal) foi activada após o lançamento de
pedras e garrafas contra os agentes. Ao fim da noite, a
polícia de Seattle anunciou que foram detidas 45 pessoas.
Em
Austin, no estado do Texas, um manifestante foi morto por um automobilista que
buzinou à passagem do protesto. Segundo a polícia, o manifestante ter-se-á
aproximado do veículo armado com uma espingarda, e terá sido morto a tiro pelo
automobilista.
Ao
longo da noite houve também cenas de violência entre manifestantes e a polícia
Operação
Legend
No
início de Julho, a Casa Branca enviou para Portland um contingente de agentes
federais requisitados a várias agências do Departamento de Segurança Interna,
principalmente aos guardas que patrulham a fronteira com o México.
O
objectivo, segundo a Administração Trump, é proteger a propriedade do Governo norte-americano,
em particular estátuas e outros monumentos e o edifício em que funciona o
tribunal distrital do Oregon.
Quase
ao mesmo tempo, o Presidente Trump anunciou o início de uma operação de
policiamento federal em vários estados, a
que chamou Operação Legend, distinta da que está em curso em Portland.
Segundo
a Casa Branca, essa operação tem como objectivo ajudar as polícias de várias
cidades de média e grande dimensão a reporem a ordem perante um aumento da
criminalidade nos últimos meses.
Até
ao momento foram enviados agentes federais para Chicago (Illinois), Albuquerque
(Novo México) e Kansas City (Missouri), e há planos para estender a Operação
Legend a Baltimore (Maryland), Filadélfia (Pensilvânia), Cleveland (Ohio),
Detroit (Michigan), Milwaukee (Wisconsin) e Seattle (Washington).
Tal
como Portland, todas elas têm como presidentes de câmara políticos do Partido
Democrata, que o Presidente Trump acusa de não conseguirem controlar os
protestos. Uma delas, a cidade de Milwaukee, vai ser o palco da convenção
nacional do Partido Democrata entre 17 e 20 de Agosto, onde Joe Biden vai ser
confirmado como candidato à Casa Branca nas eleições de Novembro.
Os
governantes de todas as cidades incluídas na Operação Legend rejeitam a
intervenção dos agentes federais e acusam o Presidente Trump de estar a
encobrir o falhanço do seu combate à pandemia da covid-19 com uma postura
agressiva, apresentando-se
como “o Presidente da lei e da ordem”.
“Vamos
falar a sério: Trump não quer reprimir a violência em Portland”, diz o
jornalista e comentador político Nicholas Kristof na sua coluna de opinião no New York Times. “Ele
quer provocar a violência para desviar a atenção de 140 mil mortes por
covid-19 nos Estados Unidos. Mais uma vez, está a lançar gás lacrimogéneo
contra manifestações pacíficas para ter uma fotografia – e está a fazer isto
todas as noites em Portland.”
Para alguns críticos do Presidente norte-americano, o país corre o risco de ir a eleições, em Novembro, debaixo de uma lei marcial que poderia limitar o acesso dos cidadãos ao voto.
Apesar
de o Presidente dos Estados Unidos não ter poder para adiar eleições
presidenciais, que são marcadas por uma lei federal que só o Congresso pode
alterar, os especialistas em Direito dizem que tem ao seu dispor várias formas
de limitar a afluência às urnas – um cenário que, segundo a generalidade dos
analistas, seria favorável ao Presidente Trump.
“O
menu de opções inclui interromper ou controlar de forma selectiva as
comunicações através da Internet, enviar tropas para reprimir supostos motins,
deter ‘subversivos’ e impor o recolher obrigatório – cada uma destas opções
pode, pelo menos, ser suficiente para reduzir a afluência a números históricos
e dar-lhe a vitória”, dizem Mark Medish e Joel McCleary, dois veteranos dos
governos de Bill Clinton e Jimmy Carter, no site do fórum Just Security, onde se analisam
matérias de segurança nacional norte-americana.
Alexandre Martins | Público
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