sexta-feira, 17 de julho de 2020

Portugal | O reforço que vai para o banco


Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião

O salvador pode aparecer de fininho, usando as portas entreabertas e o olhar de soslaio. Instala-se, mede o ambiente com o termómetro emocional, saca dos números e faz pela vida.

Há quem tenha feito algo semelhante há 35 anos, a rodar um Citroën em Congresso. Da Figueira da Foz até ao banco do poder que lhe foi entregue em longos e sucessivos anos, vai uma história que só acaba com o arquivamento de todos os crimes que lhe poderiam ser imputados no âmbito do principal inquérito à queda do BES. Cavaco Silva - então presidente da República - e o Banco de Portugal (BdP) acabam ilibados pelo Ministério Público e chega o momento de todos repetirmos peremptoriamente, enquanto portugueses, que podíamos confiar no BES mas não naqueles que nos diziam que podíamos confiar no BES. Elementar. A saída do governador Carlos Costa do BdP, uma boa notícia que peca por tardia, confirma a ideia de que é só uma questão de tempo. O optimismo dos reguladores só encontra paralelo e verdadeira competição na suposta ignorância de alguns responsáveis políticos.

É mesmo um caso em que o reforço vai para o banco. Substituir Carlos Costa por Mário Centeno é uma história escrita que o PS quis fazer render para caucionamento democrático. Como se perante uma porta giratória se desligasse a energia. A porta existe, está lá mas, pese embora imóvel, continua a ser uma porta giratória e continua a dar entrada. É difícil entender como a indiscutível capacidade de Centeno para o exercício do cargo pode secar toda e qualquer questão de ética política relativamente à sua nomeação para governador do BdP. Mal da democracia quando toda a ética política tem de ser vertida para leis e não convocada a viver por si. A legalidade não esgota o estado democrático.

Já tudo é diferente quando se trata de salvar a pele. Em queda nas sondagens e com diferenças de dois dígitos em relação ao Joe Biden, Donald Trump não se limita a ser bloqueado em redes sociais. Ele mesmo bloqueia e devolve Brad Parscale ao banco das redes sociais que comandou na eleição presidencial de 2016 e muda de director de campanha, promovendo o até agora conselheiro político, Bill Stepien. A miragem de um salvador é, agora, absoluta "realpolitik". 

No momento em que o Reino Unido acusa a Rússia de tentativa de roubo dos estudos sobre vacinas para a epidemia e de aquisição ilícita de documentos confidenciais, será melhor usar e abusar de cautela. Até 3 de Novembro, o dia das eleições, ou muda a direcção do vento ou só mesmo a descoberta de uma vacina americana para a covid-19 pode inverter os acontecimentos, evitando a previsível derrota republicana. Irónico como o destino político de um presidente como Trump acaba por estar nas mãos da ciência.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

*Músico e jurista

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