Miguel Guedes* | Jornal de Notícias
| opinião
O salvador pode aparecer de
fininho, usando as portas entreabertas e o olhar de soslaio. Instala-se, mede o
ambiente com o termómetro emocional, saca dos números e faz pela vida.
Há quem tenha feito algo
semelhante há 35 anos, a rodar um Citroën em Congresso. Da Figueira
da Foz até ao banco do poder que lhe foi entregue em longos e sucessivos anos,
vai uma história que só acaba com o arquivamento de todos os crimes que lhe
poderiam ser imputados no âmbito do principal inquérito à queda do BES. Cavaco
Silva - então presidente da República - e o Banco de Portugal (BdP) acabam
ilibados pelo Ministério Público e chega o momento de todos repetirmos
peremptoriamente, enquanto portugueses, que podíamos confiar no BES mas não
naqueles que nos diziam que podíamos confiar no BES. Elementar. A saída do
governador Carlos Costa do BdP, uma boa notícia que peca por tardia, confirma a
ideia de que é só uma questão de tempo. O optimismo dos reguladores só encontra
paralelo e verdadeira competição na suposta ignorância de alguns responsáveis
políticos.
É mesmo um caso em que o reforço
vai para o banco. Substituir Carlos Costa por Mário Centeno é uma história
escrita que o PS quis fazer render para caucionamento democrático. Como se
perante uma porta giratória se desligasse a energia. A porta existe, está lá
mas, pese embora imóvel, continua a ser uma porta giratória e continua a dar
entrada. É difícil entender como a indiscutível capacidade de Centeno para o
exercício do cargo pode secar toda e qualquer questão de ética política
relativamente à sua nomeação para governador do BdP. Mal da democracia quando
toda a ética política tem de ser vertida para leis e não convocada a viver por
si. A legalidade não esgota o estado democrático.
Já tudo é diferente quando se
trata de salvar a pele. Em queda nas sondagens e com diferenças de dois dígitos
em relação ao Joe Biden, Donald Trump não se limita a ser bloqueado em redes
sociais. Ele mesmo bloqueia e devolve Brad Parscale ao banco das redes sociais
que comandou na eleição presidencial de 2016 e muda de director de campanha,
promovendo o até agora conselheiro político, Bill Stepien. A miragem de um
salvador é, agora, absoluta "realpolitik".
No momento em que o Reino
Unido acusa a Rússia de tentativa de roubo dos estudos sobre vacinas para a
epidemia e de aquisição ilícita de documentos confidenciais, será melhor usar e
abusar de cautela. Até 3 de Novembro, o dia das eleições, ou muda a direcção do
vento ou só mesmo a descoberta de uma vacina americana para a covid-19 pode
inverter os acontecimentos, evitando a previsível derrota republicana. Irónico
como o destino político de um presidente como Trump acaba por estar nas mãos da
ciência.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
*Músico e jurista
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