Júlio Machado Vaz* |
Jornal de Notícias | opinião
Se o primeiro-ministro puxou as
orelhas à ministra da Saúde, teria certamente razão". A candura menineira
e risonha de Marta Temido enternece. Há nela uma fé absoluta na justeza da
apreciação do Outro; Deus falou. Bom, talvez seja exagero convocar o Senhor,
fico-me pela infalibilidade papal.
Risonho não estava um dos
"papabili" do PS. ("Papabile" a longo prazo, não creio
que António Costa se inspire em Bento XVI nos anos mais
próximos.) Fernando Medina zurziu as chefias da Saúde, salientou a
escassez de efectivos e pediu avaliação, leia-se, cabeças. Marta
Temido não comentou, mas foi dizendo que o Ministério da
Saúde não se pode deixar capturar por crítica fácil e má-língua. Sabe-se
lá de quem!
António "Francisco"
Costa, não em S. Pedro mas na raia, ladeado pelo presidente
da República e o rei de Espanha, arengou, conciliador, aos fiéis -
o Governo está bem consciente dos problemas e entende a frustração
dos autarcas. Fernando Medina recuou em boa ordem. Os visados são de
nível regional, o que deixa de fora a ministra, e há convergência total com
o Governo no combate à pandemia.
Incidente sanado ou contagem
decrescente para duelo no Largo do Rato? Não sei. Mas lembremos o pano de
fundo. Dos ralhetes de algumas nações do Norte da
Europa aos latinos, que desbaratam dinheiro na boa vida e não merecem
solidariedade, passámos a uma luta feroz entre os países do Sul, competindo
pelas receitas turísticas. No nosso caso, foi dito que a transparência seria
total quanto à pandemia e colocado na mesa o ás de trunfo - a Liga dos
Campeões.
Uma jogada de mestre em termos de
promoção do país. (Já a cerimónia correspondente foi uma ode ao deslumbramento
provinciano... na capital). O primeiro-ministro debitou uma nova teoria
do oásis, não a nível nacional e económico, como a cavaquista dos anos noventa,
mas distrital e sanitária. Nem um grão de areia vírico conspurcaria a limpidez
de estádios, hotéis e restaurantes lisboetas; fica a dúvida sobre os novos
destinos dos transportes suburbanos e o exílio solidário dos vírus que habitam
a cidade.
Repito - de mestre. Mas também
aposta arriscada à luz da realidade actual; na linguagem do póquer, espero que
o vírus não pague para ver. O estatuto de "milagrosos" já lá vai.
Atentemos nas palavras da comissária europeia para a Saúde - "O exemplo de
Portugal na covid-19 mostra como a situação é frágil" - ou no muito
discutível fechar de portas dos nossos mais antigos aliados.
Penso em frase do Zé
Gameiro - "se dá asneira, ainda descobrem que a culpa foi da
Saúde". Jesus o disse - a Fé move montanhas. Mas não comove
políticos. Marta Temido sabe-o...
*Psiquiatra
(O autor escreve ao abrigo do
antigo acordo ortográfico)
1 comentário:
Legal, true
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