Manuel Carvalho Da Silva
| Jornal de Notícias | opinião
Escrevo
este texto (sábado) quando está a decorrer, em Bruxelas, o Conselho Europeu que, em
princípio, há de definir o montante e o enquadramento da execução do Fundo de
Recuperação e Resiliência para os países membros da União Europeia (UE).
Se
tal objetivo não for atingido agrava-se a ferida da desunião. Em caso de
aprovação, há que ver se são confirmados os tais 750 mil milhões de euros, bem
como o volume disponibilizado sem encargos e o que será concedido como
empréstimo. Acima de tudo, analisem-se as condições em que os países poderão
aceder aos fundos.
Os
detalhes podem fazer toda a diferença. Mesmo no cenário mais favorável para o
nosso país, poderá haver "critérios muito apertados": a imposição de
condicionalismos ao plano que Portugal apresentar para a utilização dos
recursos; um rol de "reformas" distanciadas daquilo que os
portugueses mais necessitam; avaliações e imposições semelhantes às que
sofremos com a troika. O primeiro- -ministro tem dito, com verdade, que vivemos
uma crise económica e social "dramática". E é claro, o Governo
precisa urgentemente de saber com que meios pode contar para a recuperação da
economia, do emprego e das condições de vida de muitas centenas de milhares de
portugueses que estão ou caminham para a pobreza.
A
realidade que vivemos é muito delicada. A UE quer que apresentemos um plano do
seu agrado, o Governo quer tomar como prioridade agradar-lhe. Tudo indica,
assim, que entraremos num tempo de grandes exigências sem se pensar o país de
forma consistente.
A
encomenda que António Costa fez, de um plano de recuperação económica, a uma só
pessoa - independentemente da experiência e qualificações da personalidade
escolhida - não é efetivo planeamento. Um plano para sustentar o rumo de um
país é construído num processo marcado pela participação da pluralidade de
interesses e visões presentes na sociedade. Além disso, implica, em todo o seu
desenvolvimento, a construção de escolhas e prioridades. Ora, o documento posto
a circular na Comunicação Social é apenas um rol de propostas em que cada ator
social e político encontra sempre uma, ou várias, em que se pode rever.
Algumas
das propostas são muito consensuais, como é o caso da reindustrialização ou da
aposta no mar. Esses aparentes chãos comuns pouco significam, porque não estão
acompanhados de um diagnóstico das vulnerabilidades do país e surgem carregados
de contradições. Por exemplo, como explorar o fundo do mar à procura de
minérios, sem avaliar os impactos ambientais e outros? Uma concessão a
"empresas privadas especializadas" resolve o problema?
No
plano do emprego, o documento é de enorme pobreza. Perspetiva criação de
emprego e pontualmente expressa a necessidade de formação, mas jamais se
executarão os objetivos das principais propostas de desenvolvimento formuladas,
e se robustecerão as estruturas socioeconómicas, sem compromissos claros quanto
à qualidade do emprego: mais segurança e estabilidade, melhores salários,
trabalhadores mais dignificados, Direito do Trabalho efetivado.
O
Governo deixe-se de planeamento para europeu ver e faça-o com rigor e
responsabilidade, deitando mão da inteligência coletiva, da participação dos
portugueses e das suas organizações, das capacidades do Estado. Pode ter
presente o inventário, entretanto feito.
*Investigador
e professor universitário
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