Carvalho
da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
O
tempo para se adotarem políticas eficazes com vista à saída da crise escasseia
e Portugal surge cada vez mais enredado em dois complicados bloqueios:
primeiro, as anunciadas bazucas da União Europeia (UE) vão perdendo atualidade
e correm o risco de se tornarem tiros de pólvora seca; segundo, a eficácia das
bazucas nacionais depende das europeias e de se conseguir deslindar imbróglios
que enredam algumas grandes empresas e setores da economia.
As
ditas bazucas foram concebidas a partir de um cenário que nos apresentava uma
recessão que batia no fundo, mas de que recuperávamos rapidamente com o
regresso pleno ao trabalho. A partir dessa conceção, bastava "manter
as luzes da economia acesas" durante o confinamento, através da
continuidade da produção dos setores essenciais, da garantia de liquidez às
empresas e de algum rendimento de substituição aos trabalhadores desempregados
ou em regime de lay-off.
O
que se está agora a desenhar é algo bem diferente. O regresso ao trabalho
reacendeu o rastilho da pandemia, por razões que a semana passada aqui
identifiquei. Configura-se, portanto, uma situação prolongada de confinamento
parcial alimentado por picos de contágio mais ou menos ocasionais e
localizados, e pelas múltiplas cautelas das pessoas. Daí resultam impactos
socioeconómicos diversos, supressão prolongada de parte da capacidade produtiva
e contínua perda de emprego.
As
chamadas injeções de liquidez nas empresas e as garantias de rendimento de
substituição não são sustentáveis durante muito tempo e, mesmo que fossem, a
prazo confrontar-se-iam com limites à capacidade de oferta. Se somarmos a isto
a pressão crescente para se reverter o financiamento público em nome da
sustentabilidade das dívidas, temos o cenário montado para a tempestade
perfeita: supressão de capacidade produtiva combinada com retração da procura.
Face
a isto, os pacotes financeiros prometidos pela UE, que ainda nem sequer estão
definidos nem aprovados, deixam de parecer tão avultados. Precisamos de modos
de financiamento que não envolvam endividamento, e medidas que garantam o
aprovisionamento, sobretudo em bens e serviços essenciais. As bazucas europeias
não são uma coisa nem outra.
A
armadura europeia vem tolhendo Portugal no seu processo geral de
desenvolvimento. Essa armadura ajudou a enfraquecer serviços públicos
fundamentais, mas é também fonte de condicionalismos impostos a algumas
grandes empresas e setores da economia.
Hoje,
quando se observa o que se passa na TAP, vemos que está ali um vespeiro onde é
urgente, mas muito difícil, meter as mãos. As opções políticas e de gestão
erradas, quando não criminosas, adotadas ao longo do tempo respaldaram-se,
tantas vezes, em determinações da UE. Aconteceu o mesmo no vespeiro-mor que é o
setor financeiro.
Há
urgência na resolução de complicados imbróglios. O setor da saúde vem dando
respostas no limite. Em breve bastantes empresas grandes e médias necessitarão
de resgastes e imensas pequenas estão dolorosamente entregues à sua sorte. E
não nos esqueçamos da Banca, setor onde, provavelmente, as desgraças irão
culminar.
É
inquietante ver o Governo demasiado sensível ao comentário mediático,
técnica e politicamente muito pobre, a desvalorizar a inteligência coletiva e a
continuar à espera, quando são já tão visíveis nuvens negras.
*
Investigador e professor universitário
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