Marcela Uchôa* | Carta Maior
Em “Aspetos do Novo Radicalismo de Direita” - publicado recentemente em português pelas edições 70 com tradução de Marian Toldy e Teresa Toldy – Theodor Adorno problematizou como o ressurgimento do nacional-socialismo na democracia é ainda mais perigoso do que a sobrevivência de tendências fascistas contra a democracia.
O pathos do nacionalismo, os truques da propaganda subvertidos em discursos supostamente democráticos que engendram nossas estruturas sociais e políticas em pleno século XXI - fazem-nos refletir se fenómenos históricos se repetem... A preocupação em banir termos e símbolos são importantes, mas não só, o cuidado deve se estender à necessidade de superar as ideias que estruturam esse tipo de ideologia.
O nacionalismo - que tem ganhado espaço em debates públicos - sucumbe a forma
obtusa como o racismo encontra seu lugar comum nas estruturas sociais que
resguardam heranças fascistas. Esse tipo de ordenamento pode ser observado
desde a estrutura de algumas instituições públicas até a violência policial
como braço do Estado.
Mas, as raízes que estruturam o discurso fascista são ainda mais profundas,
elas remetem a própria crise do capitalismo e de pouco adianta que tentemos
combater o fascismo como expressão formal de um conteúdo de ódio, como é apanágio
do discurso liberal, se não combatermos o capitalismo. A alternância entre o
bem-estar social e pequenos avanços económicos fazem parte desse processo. São
concedidos à uma parcela pequena da população que envolta pela alienação social
em vez de lutar pelos seus direitos, fomentam uma competitividade entre a
própria classe trabalhadora que fragmentada começa a lutar contra ela mesma,
como num processo de autofagia que garante a manutenção do grande capital.
É essa a classe trabalhadora que acha que é elite, ou que um dia vai ser.
Naturalizam a corrupção, o machismo, o racismo, a xenofobia e se autoflagelam
nesse ciclo lancinante em que se autoconsumem, há algumas centenas de anos, em
um processo repetitivo e degradante que tem dissipado o nosso próprio sentido
de humanidade.
Esse processo não seria possível sem a ajuda de partidos, movimentos, que se
desenvolvem de forma calculista - com uma estrutura maleável jogam de forma
hábil com a inércia e a cumplicidade daqueles que deveriam ser seus opositores.
Nessa armadilha os limites democráticos e legais ficam sob a chancela da
comunicação social que comummente é gerida e fomentada pelos donos do capital.
Para os conformistas é salutar reencontrar Bertold Brecht, quem nos lembra que
o fascismo não é uma catástrofe natural. É possível resistir mesmo nas
condições mais terríveis, especialmente se compreendermos esses processos como
cicatrizes abertas geradas pelo capitalismo, que faz com que agora tenhamos
chegado à um momento histórico particular. O surgimento do neoliberalismo e
suas condições de regulação tornam o recrudescimento do fascismo muito mais
expectável do que noutros períodos históricos do capitalismo. Também essas
condições alteram as bases de legitimidade do capitalismo, e ao que parece têm
se tornado mais robustas do que nunca... Nesse sentido, quem se diz
antifascista, antirracista e não é anticapitalista; não é contra as relações de
produção que produzem a barbárie, é apenas contra a barbárie.
*Marcela Uchôa é doutoranda
*Adaptado pela autora a partir de seu artigo publicado em 'O Público'
Imagem: Ilustração: Lézio Júnior
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