sábado, 1 de agosto de 2020

O novo velho continente e suas contradições: As monarquias - glamour e decadência



Existem atualmente doze monarquias na Europa. No princípio do Século XIX, com exceção da França, todos os países europeus eram governados por monarquias. Excluindo as Américas, era também a forma de governo disseminada pelo mundo. Cinquenta anos depois e duas guerras que mudaram a face de todos os continentes, existem menos de 50, das quais dezesseis dirigidas por Elizabeth II da Inglaterra. Uma delas, a do Vaticano, é uma monarquia teocrática

Celso Japiassu | Carta Maior

A evolução da humanidade não se dá de maneira igual na face do planeta. Tanto que testemunhamos, em qualquer momento da História, a existência de sociedades de civilização contemporânea com outras que ainda vivem na pré-história. Convivem hoje no mundo as experiências interespaciais e da mais avançada ciência com grupamentos que se abrigam nas selvas distantes, bem longe do que se convencionou definir como sociedades civilizadas, que eles desconhecem. Algumas sociedades ainda se encontram na Idade Média. Não surpreende, portanto, a existência em modernos países da Europa de governos que ainda trazem o formato das monarquias geridas por uma classe aristocrática fora do seu tempo. Com hábitos e comportamentos distintos das suas populações e também com a dose periódica de surpreendentes escândalos que pouco se diferenciam dos seus congêneres medievais. Não preciso falar das monarquias absolutas do Médio Oriente com seu rosário de crimes bárbaros pois nosso tema é a Europa.

Depois de vários escândalos financeiros, Juan Carlos I, de nome completo Juan Carlos Alfonso Víctor María de Borbón y Borbón-Dos Sicilias, rei de Espanha, viu-se forçado a abdicar em favor do filho, que assumiu com o nome de Felipe VI. A monarquia espanhola, destituída pela república, foi preservada por Franco desde a guerra civil. O velho ditador, que governou ele mesmo como um monarca absoluto, devolveu o trono à família real pouco antes de morrer e passou a chefia de Estado a Juan Carlos.

As cinco mil amantes

Entre os crimes do rei aparece o de lavagem de dinheiro e recebimento de comissões ilegais pagas pela Arábia Saudita. Seu próprio filho lhe retirou a subvenção que recebia desde que abdicou e também renunciou publicamente de qualquer herança que poderia vir a receber do soberano emérito, que era o título atribuído a Juan Carlos após a abdicação.

Gabriel Rufián, deputado da Esquerda Republicana da Catalunha, disse a propósito da família real que “de uma vez por todas é preciso acabar com a opacidade, e estou a ser generoso, em torno de uma família que, simplesmente pelo seu apelido, cobra oito milhões de dinheiro público e, ainda por cima, faz negócios com os sátrapas da Arábia Saudita”.

Para a delícia da plebe espanhola, o coronel Amadeo Martinez Inglés, que sempre trabalhou nos serviços secretos, publicou um livro a que deu o título ‘Juan Carlos I. El rey de las cinco mil amantes ‘. Ele afirma que "segundo relatórios confidenciais dos Serviços Secretos do Exército e da Segurança de Estado, que sempre vigiaram muito o rei, quer na sua vida íntima, quer na profissional - tanto na época do franquismo como depois na chamada transição democrática, o número exato de amantes do rei é de facto 4786 e não 5000 contando o tempo entre 1954 e 2014”. Apesar dos escândalos, Juan Carlos cumpriu bem o seu papel de chefe de estado. Foi aberto ao diálogo, à democracia e à Europa. Reprimiu a tentativa de um golpe fascista. Evitou a ocorrência de conflitos violentos em seu país. Até que sobrevieram os escândalos.

Os escândalos sexuais vez por outra também assombram a realeza britânica. Há pouco o Príncipe Andrew, filho da Rainha, foi protagonista de um caso que envolvia proxenetas profissionais e prostitutas menores de idade. A realeza da Inglaterra tem uma história de escândalos que povoam o imaginário dos súditos. No século XIX eles eram constantes até a coroação da Rainha Vitória que, junto com o Príncipe Albert, seu marido, constituiu uma família exemplar e recuperou o prestígio da aristocracia inglesa. Seu filho Alberto Eduardo, que reinou depois dela com o nome de Eduardo VII, não se empenhou em honrar o puritanismo da mãe e ficou na história como “o rei libertino”.

Na Noruega, descobriu-se que a família Real, que gosta de exibir uma vida austera, é na verdade bilionária e tem mais de 3 bilhões de euros em paraísos fiscais. O rei Carl XVI Gustav da Suécia teve sua vida posta a nu pelos jornalistas Thomas Sjöberg, Tove Meyer e Deanne Raushcher no livro “O Monarca Relutante”e foi revelada a sua vida de constantes infidelidades, visitas a clubes de stritease e de gastar fortunas com prostitutas e participação em grandes orgias.

Existem atualmente doze monarquias na Europa. No princípio do Século XIX, com exceção da França, todos os países europeus eram governados por monarquias. Excluindo as Américas, era também a forma de governo disseminada pelo mundo. Cinquenta anos depois e duas guerras que mudaram a face de todos os continentes, existem menos de 50, das quais dezesseis dirigidas por Elizabeth II da Inglaterra. Uma delas, a do Vaticano, é uma monarquia teocrática. Sem contar o Vaticano, onde o monarca é eleito, as outras são monarquias hereditárias e constitucionais, em que o poder do chefe de estado é limitado pela constituição.

Em paralelo à fachada de glamour, pompa e tradição, os novos valores adotados pela classe média e a valorização da meritocracia levam à contestação do estilo de vida das monarquias. E também às críticas ao alto custo que representa a manutenção das famílias reais e seus privilégios numa vida ociosa.

Embora não haja nos dias atuais nenhuma grande campanha para abolir as monarquias remanescentes nos países da Europa, muitos apostam que se aproxima o fim de todas elas sem necessidade da aplicação da cruel máxima de Diderot:

(https://pt.wikipedia.org/wiki/Denis_Diderot): “O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre”.

Imagem: ©Família Real britânica

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