terça-feira, 4 de agosto de 2020

Obsessão patológica

Mariana Mortágua | Jornal de Notícias | opinião

Nos últimos 21 anos, o Bloco de Esquerda desenvolveu aquilo a que Ricardo Salgado chamou uma "obsessão patológica" pelos negócios dos "donos de Portugal". Nestes anos, questionámos o poder de banqueiros, denunciámos o rentismo nas empresas privatizadas e fizemos as contas à porta giratória que unia (e une) PS e PSD aos interesses económicos. É essa intransigência na defesa do que é público que hoje dirigimos ao Novo Banco.

Todas as semanas, o tema regressa pelas piores razões. E, sim, "nós avisámos" sobre um desastre que só não anteviu quem não quis, e apresentámos proposta: nacionalizar o banco teria custos, mas garantia o controlo público ao serviço da economia.

No dia 27 de janeiro de 2017, propusemos a "manutenção da propriedade do Novo Banco na esfera pública", que foi rejeitada por PS/PSD/CDS. No dia 13 de abril, propusemos a condenação do Governo pela decisão de venda sem consulta ao Parlamento, rejeitada por PS/PSD. Nesse dia, deu entrada um projeto para a "Nacionalização do capital social do Novo Banco, SA", também rejeitada por PS/PSD/CDS. No dia 5 de maio, marcámos um debate para denunciar as condições de venda, a que se seguiram dezenas de artigos, propostas de orçamento, audições ao Banco de Portugal, ao Fundo de Resolução e à Administração do Novo Banco, pedidos de documentação e outros tantos debates e requerimentos.

A cada novo pedido de injeção de capital, o Novo Banco deu-nos razão. Com a determinação de uma auditoria à gestão privada do Novo Banco, o Governo (empurrado pelo Parlamento) escolheu o caminho mais longo. Mas foi um passo importante para dotar o Estado dos instrumentos que lhe permitam fazer frente ao fundo Lone Star. É por isso que defendemos que fosse impedida uma nova injeção sem conhecer os resultados dessa auditoria. Ao fazer a transferência de 850 milhões contra a palavra do primeiro-ministro, o Governo foi fraco perante os interesses do fundo financeiro internacional. E voltou a sê-lo ao aceitar o atraso da Deloitte, contratada por três milhões de euros para auditar o Novo Banco. O mesmo Governo que não quis esperar para pagar ao Lone Star aceitou o atraso imposto pela consultora financeira.

Seja o que for que a auditoria da Deloitte esconde, o país não tem que aceitar a espera. A consultora e o Governo devem informar o Parlamento de todas as conclusões preliminares, e o Governo, para dar-se ao respeito, deve cancelar o contrato. Depois, o Estado tem uma de duas opções para terminar uma auditoria que defenda o interesse público: ou a IGF ou Mário Centeno mostra o que vale no Banco de Portugal.

PS. Solidarizo-me com os milhares de pessoas que se juntaram para pedir justiça por Bruno Candé. O seu homicídio não será menorizado pelas distrações criadas por André Ventura para disfarçar as suas ligações às offshores e aos vistos gold da corrupção e o financiamento obscuro do seu partido. No Bloco, levamos o combate à corrupção tão a sério como o combate ao racismo.

*Deputada do BE

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