Manuel Carvalho Da Silva
| Jornal de Notícias | opinião
Portugal carece de indústria. A
indústria é garante de criação de emprego e, sem dúvida, o setor que mais
positivamente puxa pela sua qualidade e melhor o consegue fixar. Precisamos de
implementar reestruturações e reconversões de empresas e setores económicos, de
desenvolver produtos com maior valor acrescentado e de criar novas componentes
de economia industrial. O problema não se resolve apenas com atração de
investimento estrangeiro. É indispensável planificação que favoreça a
utilização de infraestruturas públicas, as potencialidades regionais e locais,
e o pleno aproveitamento das formações e qualificações que somos capazes de
desenvolver. É possível e indispensável derrubar barreiras que oneram os
investimentos e, em particular, reduzir custos energéticos.
A Estratégia Nacional para o
Hidrogénio (EN-H2) aprovada por resolução do Conselho de Ministros de 30 de
julho, tem por objetivo a criação de um cluster económico em torno do
hidrogénio verde. Trata-se, como é do conhecimento público, de uma iniciativa
de política industrial lançada pela União Europeia (UE) que pretende mobilizar
€430 mil milhões, dos quais €145 mil milhões com origem em instituições
públicas. Mas, como sabemos, os incentivos aos privados, para que estes se
mobilizem, por vezes subvertem as contabilidades de partida e geram processos
de saque ao Estado, aos bolsos dos contribuintes.
Ao colocar o nosso país no
projeto, o Governo assume o objetivo de aumentar o peso da energia de fontes
renováveis incorporada no consumo final, reduzindo a dependência energética e
toma três desafios significativos: coloca a reconversão da central
termoeléctrica de Sines como o projeto-âncora da EN-H2; propõe-se proceder à
descarbonização do setor dos transportes pesados e da indústria; avança com a
criação de um laboratório colaborativo do hidrogénio virado para consórcios
internacionais de investigação e para a formação de quadros altamente
qualificados.
Para que a EN-H2 se converta numa
oportunidade e caso de sucesso, o Governo tem, entretanto, de assumir sérias
precauções: i) não se deixar capturar pelos interesses definidos pela Comissão
Europeia, assumindo as nossas necessidades socioeconómicas, a agenda e os
interesses nacionais; ii) o Estado não pode ficar remetido a um papel de mero
intermediário e promotor da iniciativa privada; iii) é preciso assegurar que os
objetivos de lucro imediato de privados não acabem por favorecer a produção
para mercados externos, pois assim os consumidores e contribuintes portugueses
seriam postos a pagar a transição energética dos países importadores do nosso
hidrogénio verde e não a nossa; iv) criar mecanismos de remuneração justa de
capitais e condicionar o acesso a fundos públicos ao respeito por uma ética
social que impeça o recurso a paraísos fiscais, a especulação e a elisão
fiscal, bem como fossos salariais desmesurados, ou desigualdade salarial entre
géneros.
O trabalho precário e a
existência de rendas desmedidas que hoje se praticam no setor energético não
podem ter cabimento nestes novos projetos. Os compromissos têm de ser com a
criação de emprego qualificado e de qualidade. No imediato, há que garantir o
emprego, e a adequada requalificação, de todos os trabalhadores que têm vínculo
com a central de Sines.
*Investigador e professor
universitário
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