Carvalho da Silva | Jornal de Notícias
| opinião
Os portugueses e o país
beneficiarão muito se, no quadro da discussão do Orçamento do Estado para 2021
e para um horizonte mais amplo, o Partido Socialista (PS) e os partidos à sua
Esquerda forem capazes de fixar, com respeito recíproco, as linhas vermelhas do
posicionamento de cada um e, a partir daí, trabalharem propostas geradoras de
esperança.
A responsabilidade por tal
empreitada reparte-se por todos, mas ao PS, que é maioritário e Governo, cabe a
fatia maior. E não haverá exercício de ilusionismo, encenação de ruturas, ou
sacudidela de água do capote que o possa isentar dessa obrigação.
Escrevi, neste espaço, no dia 4
de outubro de 2015, dia das eleições para a Assembleia da República donde
emergiu a tão importante solução política e de Governo da anterior legislatura:
"Não tenhamos medo dos debates, do conflito de posições, da necessidade de
mais negociação e da criação de compromissos novos". Nessa altura esse
exercício impunha-se porque eram precisos "passos inovadores para
corresponder aos apelos dos cidadãos", submetidos a uma austeridade
injusta e estéril. Porém, os problemas com que Portugal se depara hoje e as
dificuldades com que a maioria das pessoas se debate são, infelizmente, de
maior dimensão que em finais de 2015.
No plano mundial as dinâmicas em
marcha aceleram desigualdades e aumentam a especulação financeira. Da União
Europeia não virão apoios que correspondam à imensidão das necessidades de que
o país carece. Por outro lado, nos últimos cinco anos a matriz da nossa
economia não evoluiu. O desemprego vai ser tão ou mais grave que na anterior
crise e é enorme o número de trabalhadores sem acesso a subsídio de desemprego.
Estes factos e a continuação de uma proteção social frágil farão disparar a
pobreza. No plano político nacional, a extrema-direita foi penetrando na
sociedade e arrasta a Direita, no seu todo, para políticas mais conservadoras e
retrógradas. Marcelo Rebelo de Sousa, que tem largas possibilidades de ser
eleito para um segundo mandato, já iniciou as guinadas que por certo o situarão
bem na Direita.
Um Governo de centrão, agindo
concertado com uma Presidência dos afetos, constituiria, no quadro em que
estamos e vamos viver, a solução política perfeita (porque adocicada) para
impor brutais políticas de austeridade, de submissão das pessoas, de
retrocesso, de enfraquecimento da democracia. É, pois, imperioso aumentar-se a
exigência de convergências e compromissos entre as forças da Esquerda.
Espera-se, com confiança e para
bem dos nossos interesses coletivos e da democracia, que a festa do Avante
corra bem e se possa esvair, a partir de amanhã, a histeria (em grande parte
anticomunista primária) que se desencadeou a pretexto da sua realização e que,
entre outros efeitos, tem servido para secundarizar o debate dos temas
políticos prementes. Para se proteger as pessoas e implementar a atividade
económica urge reajustar condições e capacidades das escolas, reajustar e
reforçar o Serviço Nacional de Saúde, estruturar garantias para as pequenas e
médias empresas e gerar-lhes confiança, pôr em marcha políticas laborais e
salariais que travem oportunismos de redução de salários ou de eliminação de
direitos fundamentais.
Como se provou na anterior
legislatura é pela Esquerda que se pode gerar esperança e confiança no futuro.
* Investigador e professor
universitário
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