Entre 2007 e 2019, 279 crianças morreram enquanto trabalhavam. Com a iniciativa, o Ministério Público do Trabalho pretende vincar que «viver a infância plenamente não é um privilégio, mas um direito».
Nos últimos 12 anos (2017-2019), o Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério brasileiro da Saúde (Sinan) registou 46 507 acidentes de trabalho entre crianças e adolescentes (5-17 anos). Desses, 27 924 foram acidentes considerados graves e 279 foram fatais, revela o Ministério Público do Trabalho (MPT) no seu portal.
Para combater esta realidade e alertar para as graves consequências do trabalho infantil, o MPT lançou esta semana uma campanha nas redes sociais e nas rádios brasileiras, no âmbito do Dia da Criança, que no país sul-americano se celebra a 12 de Outubro.
A iniciativa, com a qual se pretende vincar a noção de que «viver a infância plenamente não é um privilégio, mas, sim, um direito», conta com histórias verídicas de adultos que guardam sequelas físicas e psicológicas decorrentes de acidentes ocorridos enquanto trabalhavam na infância e na adolescência.
A procuradora Ana Maria Villa Real, coordenadora nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância), do MPT, destaca que, «para garantir o direito ao desenvolvimento pleno e sadio, é preciso intensificar a conscientização da sociedade», nomeadamente no que respeita à «importância de se dar concretude à doutrina da protecção integral».
A protecção integral à infância está consagrada no artigo 227 da Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, «existe um abismo entre o direito prescrito e a realidade experimentada por milhares de crianças e adolescentes em todo o país», explica a procuradora.
«Impactos no futuro as crianças são imensos»
Os dados do Sinan apontam para uma média anual de 2333 acidentes de trabalho graves e de 23,25 mortes em decorrência do trabalho infantil, mas, segundo o MPT, o número pode ser ainda maior, uma vez que existe muita subnotificação.
Villa Real sublinha que a ausência do Estado e de políticas públicas sérias e eficazes incentiva um ambiente favorável à permissividade do trabalho infantil, num contexto de aparente falta de alternativas para crianças e adolescentes, na sua maioria pobres e pretos. Em entrevista ao programa «Bem Viver», da rádio Brasil de Fato, a procuradora afirmou que os «os impactos no futuro dessas crianças, na sua maioria em situação de vulnerabilidade social, são imensos».
«O adolescente que trabalha vai ter o rendimento escolar pior, vai ter chances menores de qualificação, de escolarização, e com isso, no futuro, pode se tornar um adulto com menos qualificação e sujeito a empregos mal remunerados. A partir daí, a história repete-se no âmbito da sua família. É aquilo a que chamamos ciclo intergeracional de pobreza».
Os efeitos da crise socioeconómica agravada pela pandemia do novo coronavírus, o desemprego, a informalidade e a possibilidade de aumento da evasão escolar anunciam, no entender de Ana Maria Villa Real, índices ainda mais graves do que os actuais.
«Teremos uma explosão do trabalho infantil. Para se ter uma ideia, estamos com níveis de emprego próximos a 1992, quando o trabalho infantil era altíssimo no Brasil. É um alerta para a sociedade, mas sobretudo para o Estado, para a adopção de políticas públicas. Estamos num momento crucial. Ou tomamos medidas agora no sentido de fomentar a protecção social, a promoção de direitos, ou teremos um Brasil assolado pelo trabalho infantil», alertou.
Imagem: A campanha do MPT conta histórias verídicas de adultos vítimas do trabalho infantil e que sofrem sequelas físicas e mentais até hoje // Marcelo Casall / Agência Brasil
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