A esperança aberta com a previsível chegada de vacinas eficazes contra a COVID-19, durante o mês de janeiro, corre o risco de criar uma enorme frustração nas populações. Há múltiplas razões para isso e, com o poder político debaixo de enorme pressão, parece não haver ninguém capaz de lançar medidas preventivas que impeçam a chegada desse perigoso anticlimax emocional.
Pedro Tadeu | Diário de Notícias | opinião
A primeira causa para o eventual desânimo provocado pelas vacinas contra a COVID-19 é a sua distribuição internacional. Assim que as primeiras vacinas começarem a ser dadas em qualquer parte do mundo (provavelmente nos Estados Unidos), as populações dos outros países começarão imediata e legitimamente a exigir a distribuição do medicamento nos seus países.
Se isso não for resolvido em dois ou três dias, se se atrasar uma semana ou duas, com grupos populacionais muito grandes obrigados a manterem-se em confinamento ou com graves limitações à sua liberdade de movimentos, o clima de protesto e descontentamento já prevalecente em muitos países vai subir de temperatura.
A segunda causa para o possível desalento coletivo está na distribuição nacional. Quando as primeiras vacinas chegarem a cada país e as primeiras doses forem dadas a enfermeiros e médicos, muitas pessoas não vão aceitar que só irão ter acesso a elas três ou quatro meses depois desses primeiros dias.
Quanto mais tempo passar e quanto mais medidas restritivas para a atividade humana (social, laboral, empresarial, recriativa, cultural, religiosa ou familiar) persistirem, impostas pelos governos para combaterem a propagação do vírus, mais a tensão social vai aumentar.
A terceira causa para o provável aumento de insatisfação popular após a chegada das vacinas é a capacidade de resposta do Estado. Distribuir vacinas em massa, quando houver quantidades suficientes para isso, não é uma operação fácil. O fracasso da coordenação e aplicação dessa operação derrubará governos e ameaçará provocar o caos: desde assaltos a depósitos de vacinas, até vendas de vacinas em mercado negro, tudo pode acontecer.
A quarta causa para a hipótese de a chegada das vacinas poder criar uma nova crise é o seu custo. Os preços das vacinas que aí vêm tanto podem custar 3 dólares a dose como podem custar cinco ou seis vezes esse valor. Foi uma melhoria: em abril a previsão era de 150 dólares a dose.
Mesmo assim, se pensarmos que queremos dar vacinas a, pelo menos, 70% a 90% da população, tal significa um custo para um país como Portugal que pode variar dos 30 milhões até aos 150 milhões de euros por cada vaga de vacinação. Em princípio, mais dívida pública, menos dívida pública, poderemos pagar isso e meter o remédio no Serviço Nacional de Saúde.
Mas, em muitos outros países, a vacina não poderá ser comprada nas quantidades necessárias para erradicar o vírus, nem chegará a uma quantidade significativa de gente. Para além da revolta local que essa situação provocará, tal facto significa que a propagação mundial do vírus continuará pois a COVID-19 não será eliminada nesses locais e, por isso, a pandemia não desaparecerá. Mais: voltará a atingir os países que massificaram a vacinação assim que a imunidade dada pelo novo medicamento passar e acontecer o contágio vindo desses países que não conseguiram vacinas suficientes.
A quinta razão para provavelmente ocorrer uma enorme desilusão com as vacinas é a dessincronização temporal das vagas pandémicas a nível global: por exemplo, é provável que ao mesmo tempo que nos Estados Unidos e na Europa o número de infeções por COVID-19 comece a baixar no princípio do ano, à medida que sobem os índices de vacinação, em países como a Austrália ou a Coreia do Sul essa vacinação poderá não conseguir baixar imediatamente os números porque nessas zonas do planeta, segundo alguns especialistas, poderá iniciar-se uma nova vaga da pandemia antes da vacinação em massa funcionar. Este facto fará, igualmente, que as condições de propagação do contágio se estendam ao longo de todo o ano de 2021.
A questão é, portanto, esta: a vacina para a COVID-19 não vai resultar no fim imediato da pandemia e ninguém está a preparar as populações, cansadas desde março, para esse choque, o que é politicamente suicida.
Por outro lado, pouca gente se consciencializou do facto de que muito provavelmente teremos de viver muito tempo - pelo menos mais um ano - com esta pandemia e que estão criadas condições para que outras pandemias surjam frequentemente.
Ainda há dias o milionário Bill Gates, que há anos andava a anunciar a chegada deste flagelo, arriscou prever outra pandemia para um período daqui a três a 10 anos.
Não podemos viver mais um ano socialmente catatónicos, com confinamentos de três em três meses. Temos de aprender a viver como se houvesse uma pandemia permanente, sem restrições absurdas, mas com permanente qualidade social, com pedagogia dos comportamentos individuais e coletivos, com melhorias estruturais e estáveis nos serviços de saúde e nos transportes, com capacidade para rotinar uma segurança sanitária quotidiana, com eficácia na proteção dos indivíduos dos grupos de risco.
É tempo de os governos trabalharem nas melhorias substanciais e estruturadas da proteção da saúde pública e deixarem-se de confinamentos - as pessoas, depois da chegada das vacinas, não os vão, simplesmente, aceitar.
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