Carvalho da Silva | Jornal de Notícias
| opinião
Talvez nunca, como nas próximas
eleições presidenciais, tenha havido um tão grande número de eleitores
embaraçados, face à dimensão de imbróglios que é preciso deslindar até ao
momento do voto.
Em grande medida, da Direita à
Esquerda, as eleitoras e eleitores deste país, porventura a maioria, tenderá a
votar mais para evitar o que considera ser o pior cenário do que para conseguir
resultados verdadeiramente desejados. Exclui-se desta interpretação a clientela
da banda extrema da Direita. Esta terá no ódio à democracia, na raiva
acumulada, na fuga para o campo do contra tudo e contra todos e no desgosto
pela "moleza" da Direita tradicional, as motivações para se
mobilizar.
Vivemos uma situação de
"crise", palavra que significa, como diz Luciano Manicardi, "tempos
maus", tendencialmente de "maldades difusas", e vamos eleger o
mais alto magistrado da nação. O presidente da República e o exercício da
presidência - que depende da sua personalidade, dos valores e compromissos que
assumir e, ainda, da interpretação que fizer da Constituição da República (CR)
- são muito relevantes no nosso regime democrático. O contexto é, pois, bem
difícil e desafia-nos a observar, atentamente, as tendências que se desenham.
À Direita haverá eleitores a
votar em Marcelo Rebelo
de Sousa apesar de um certo desgosto pela "complacência com a governação à
Esquerda", tecla que os partidos desta área têm empolado para justificarem
as suas incapacidades. Marcelo receberá votos vindos do Centro e da Esquerda em
resultado do convite que António Costa e outros altos responsáveis do PS andam
a fazer aos portugueses nesse sentido. Contudo, quem desta área tomar tal
opção, fá-lo-á com justificada desconfiança, pois sabe que aquela pretensa
complacência com a governação de Esquerda tenderá a dar lugar a conspiração
ativa contra ela. Marcelo devia, mas não está em condições de fazer um forte
combate à extrema-direita. Os seus objetivos são, sem surpresa, reduzir danos
na área ideológica e partidária a que pertence e protegê-la, o mais possível,
numa hipotética caminhada para o poder.
No espaço do PS há outros
embaraços em torno da candidatura de Ana Gomes. Espera-se que ainda possam ser
ultrapassados. Muitos dos seus potenciais eleitores estão receosos perante
algumas contradições e apelos com excesso de ambiguidade, por exemplo, entre o
legítimo imperativo do combate à corrupção e o perigo de politização da
justiça. E, ainda, perante vazios de substância em questões fulcrais, como são
a dignidade, a valorização concreta do trabalho e da qualidade do emprego.
Mais à Esquerda, as candidaturas
de Marisa Matias (BE) e de João Ferreira (PCP) estão debaixo de uma campanha
que tenta inculcar na cabeça dos seus potenciais eleitores a ideia redutora de
que os seus objetivos são mera marcação de terreno partidário. É preciso
desmontar tal lamentação. Estas candidaturas apresentam-se a mobilizar os
eleitorados específicos mas não estão restringidas a esses espaços, e trazem
para debate temas importantes e ideias claras sobre o papel do presidente, o
funcionamento da instituição e os seus compromissos com a Constituição da
República.
É difícil, mas não impossível,
reafirmar, nestas presidenciais, a maioria social e política do país, que
pertence e pode continuar a pertencer à Esquerda.
*Investigador e professor universitário