sábado, 10 de outubro de 2020

Moçambique | Elias Dhlakama: "RENAMO tornou-se uma formiga"

Em entrevista à DW África, Elias Dhlakama diz que a situação na RENAMO vai de mal a pior. Confirma a sua recandidatura à presidência do partido, porque pretende que partido "volte a ser forte".

Há pouco mais de um ano e meio, Elias Dhlakama – irmão mais novo do falecido líder da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), Afonso Dhlakama - concorreu à presidência do partido, no quarto congresso que aprovou Ossufo Momade como presidente daquela formação política.

Elias Dhlakama diz que a situação atual do partido vai de mal a pior. E reafirma em entrevista à DW África que vai recandidatar-se à liderança da RENAMO, por entender que o partido deve voltar a tornar-se forte.

Elias Dhlakama acusa a atual liderança do partido de ter afastado todos os delegados mais próximos do líder histórico, Afonso Dhlakama, assim como aqueles que apoiaram a sua candidatura no último congresso. Para este poolítico uma clara "caça às bruxas”.

DW África: Em janeiro de 2019, poucos meses depois de ter passado à reserva nas Forças de Defesa de Moçambique, aparece como candidato à presidência da RENAMO. Depois de um ano, como é que avalia a situação do partido?

Elias Dhlakama (ED): Vai de de mal a pior.

DW África: A que se deve?

ED:  Tenho em conta as eleições gerais de 2019, nas quais contávamos com uma vitória folgada, mas perdemos em todos os sítios onde sempre ganhámos. Se estivéssemos agora em 2024, quero acreditar que nem sequer íamos conseguir ver eleito em algum distrito um administrador. E os membros devem entender que nos devemos unir, para que o partido volte a ser como antes, Quando  falar da RENAMO era falar de um elefante, mas hoje falamos de uma formiga.

DW África: Há dias disse que vai recandidatar-se à presidência da RENAMO. Porque razões?

ED: Eu quero trazer inovações. Tenho apoio dentro do partido RENAMO. A minha ambição não é feita do facto de Afonso Dhlakama ser meu irmão. Nós não queremos travar os jovens que querem afluir à RENAMO. Há muita gente que quer vir para a RENAMO, mas está de fora a assistir ao que está acontecer na RENAMO. Não é este o partido que esperavam, não é esta RENAMO.

DW África: Esta sua intenção é uma espécie de salvação dos ideais de Afonso Dhlakama?

ED: Sim. Mas não como meu irmão. Como legado do Presidente Dhlakama que era o meu presidente. Esta intenção não é apenas do Elias Dhlakama, é de todos os membros da RENAMO que querem ver o partido voltar a ser forte.

Hoje fala-se do processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) dos homens da RENAMO. Mas aqueles que passaram para a disponibilidade [vida civil], estão a viver nas matas. Estão a ser perseguidos e estão a ser mortos.

DW África: Disse que há uma tentativa de fazer desaparecer a RENAMO. Porquê?

ED: Em 2018, a RENAMO ganhou em oito municípios, nomeadamente a cidade de Nampula, Quelimane, Nacala, Cuamba, Angoche, Malema, Ilha de Mocambique e Chiúre. Mas um ano depois, isto é, em 2019, nas eleições gerais, perdemos nestes municípios. O que se pergunta é: "Aqueles que votaram em nós em 2018, para onde é que foram? O que é que aconteceu?” Significa que nós não conseguimos catalisar e consolidar os ganhos que tivemos nas eleições municipais.

DW África: Acha que atual liderança do partido não está saber gerir os processos?

ED: Claro. Isso é evidente. 

Caça às bruxas

DW África: Há vozes que dizem que no partido há uma tentativa de afastar todas as pessoas que tinham ligações próximas a Afonso Dhlakama. Também partilha desta visão?

ED: De facto está acontecer. E aconteceram muitas situações de destituições de delegados provinciais, distritais, e isto contrariou aquilo que foram os manifestos eleitorais no congresso do partido realizado na Gorongosa em janeiro de 2019. Até porque a RENAMO já era chamada nessa altura de [RENAMO UNIDA]. Significa que o partido devia voltar a encontrar-se. Mas não é o que se assistiu no concreto. Depois do congresso vimos muitas destituições de delegados que não apoiaram o candidato vencedor. Nós dissemos que isso era uma caça às bruxas.

DW África: Há meses, o seu nome apareceu através de uma notificação da Procuradoria da República de Moçambique como um apoiante da Junta Militar da RENAMO, liderada pelo general Mariano Nhongo. O que tem a dizer sobre isto?

ED: O Elias Dhlakama não tem nada a ver. Eu não quero guerra. Cresci na guerra. Estou cansado da guerra, por isso saí do exército. E também não estou em condições de financiar uma guerra.

DW África: E no seu entender, porque é que foi associado ao general Nhongo?

ED: Isto é para me cortar as pernas politicamente. Porque as pessoas têm muito receio do nome Dhlakama. Pensam que o espírito político de Afonso Dhlakama encarnou em alguém, e essa pessoa é o Elias. E porque eles não querem voltar a ouvir este nome na vida política moçambicana.

DW África: Sente ser isso uma perseguição política?

ED: É uma intimidação total e completa.

DW África: Recentemente o seu sobrinho, Henriques Dhlakama, anunciou a intenção de se candidatar à presidência da República de Moçambique. Como é que a família Dhlakama acolheu este anúncio?

ED:  O Henriques é um cidadão moçambicano. É maior de idade. É responsável pelo que faz e deixa de fazer. Como família nunca tivemos um fórum, uma sentada, onde ele apresentasse esta sua intenção. Mas ele é livre de o fazer, desde que esteja dentro do que as leis moçambicanas estabelecem.

DW África: Como é que avalia a situação de guerra em Cabo Delgado?

ED: É um desleixo total. Em Moçambique nós temos os Serviços de Informação e Segurança de Estado (SISE). Onde é que estavam estes serviços para acontecer aquela situação? Quando começou aquele conflito em Cabo Delgado, as pessoas chamaram muita atenção. O material que abastecia aqueles grupos vinha dos quartéis, eram bazucas que eram apanhadas nos fardos de roupa. Mas nunca ouvi que foram tomadas medidas contra os indivíduos daqueles quartéis . Deixaram a situação crescer, e hoje já está até ao pescoço. Daqui a pouco poderemos ouvir que aqueles terroristas estão a reivindicar a independência de Cabo Delgado. O que será de Moçambique?

Amós Fernando | Deutsche Welle

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