segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

EUA | O impeachment acabou. Comecem as investigações criminais

Publicado em português do Brasil

Depois do discurso cínico de Mitch McConnell, os Republicanos não podem reclamar

Michelle Goldberg* | Carta Maior

Algumas horas depois de o Senado votar o julgamento do impeachment de Donald Trump no final de semana, eu conversei com o gestor principal do impeachment, Jamie Raskin. Ele estava extremamente desapontado. Mesmo com a tolerância dos Republicanos com Trump nos últimos cinco anos, mesmo com o fato de que três senadores Republicanos se encontraram com os advogados de Trump antes de apresentarem sua defesa, Raskin tinha tanta fé no caso esmagador que ele e seus colegas trouxeram que, até o final, ele tinha esperança da condenação.

“Eu sempre fui visto como um cara muito otimista”, ele disse. A crença franca de que os Republicanos no Senado haviam mantido um resquício de solidariedade patriótica com seus colegas cidadãos é parte do motivo que tornou sua apresentação tão efetiva; ele se jogou nisso sem fatalismo ou cinismo.

Os representantes da Câmara forçaram o Senado a reconhecer a escala de terror que Trump desencadeou no Congresso. “Eu vi muitos Republicanos que votaram contra nós, incluindo Mitch McConnell, chorando em diferentes momentos”, disse Raskin. O caso era forte o suficiente para ganhar até mesmo dois senadores Republicanos, Richard Burr e Bill Cassidy, que haviam votado inicialmente contra a realização do julgamento.

Mas quando o assunto é McConnell e seu partido, o cinismo sempre prevalece.

Pelo fato de eu ser menos otimista que Raskin, eu fiquei menos desapontado. O veredito 57 a 43 contra Trump foi a maior maioria bipartidária para uma condenação em um julgamento de impeachment presidencial. E me parece que porque McConnell não podia se comportar dignamente, ele fez a próxima melhor coisa que pensou com o discurso que concedeu depois de absolver Trump.

“Não há dúvida, nenhuma, de que o Presidente Trump é moralmente e praticamente responsável por provocar os eventos” de 6 de janeiro, disse McConnell. O ataque ao Capitólio, ele argumentou, foi um efeito da “intensificação das teorias conspiratórias, orquestrado por um presidente não reeleito que parecia determinado a anular a decisão dos eleitores ou incendiar nossas instituições no caminho de volta”. Quando começou, disse McConnell, Trump “assistiu muito feliz à TV enquanto o caos se desenrolava”.

A escoriação do senador pode ter dobrado com o resumo final dos representantes da Câmara.

Para Raskin e os outros oito gestores, o discurso de McConnell foi de uma só vez um insulto e uma defesa, mostrando que haviam justificado seu caso e que não importava. McConnell votou pela absolvição por uma tecnicalidade manufaturada, argumentando que um ex-presidente “constitucionalmente não é elegível para condenação”.

Sua má fé é inspiradora; foi ele quem recusou ir adiante com um julgamento enquanto Trump ainda estava no cargo. Com sua solução de divisão para a culpa evidente de Trump, McConnell pareceu tentar ficar do lado direito do seu partido enquanto acalmava doadores corporativos que se desligaram de políticos que apoiaram os rebeldes.

Mas – e essa é a parte importante – McConnell assinalou uma abertura para a acusação de Trump em outros fóruns. “Ele não se safou com nada até agora – até agora”, ele disse. “Temos um sistema de justiça criminal nesse país. Temos processos judiciais civis. E ex-presidentes não estão imunes de responsabilização.”

Para Raskin, ex-professor de direito constitucional, isso não é conforto. “Temos que rebobinar para os dias pré-Trump”, ele disse. “Político não deveriam dizer aos promotores como condenar.” O impeachment foi uma maneira do nosso sistema político se defender, e falhou. “Tivemos uma oportunidade de lidar com o perigo claro e presente que é Donald Trump de um jeito bipartidário através do nosso sistema constitucional”, ele disse. “O Partido Republicano não se uniu aos esforços em quantidade suficiente para torná-los completamente bem-sucedidos, então agora eles terão que lutar contra ele internamente ou, mais provavelmente, se tornarão um partido político autocrático que realmente opera como um culto religioso.”

Isso é verdade. Mas se não conseguimos restaurar normas pré-Trump, McConnell pelo menos despiu parte do tabu que paira sobre condenações de ex-presidentes. Além das investigações sobre as práticas de negócio de Trump em Nova Iorque, promotores na Georgia abriram uma investigação criminal sobre suas tentativas de subverter a eleição lá. O advogado geral de Washington estaria supostamente considerando denunciar Trump por violação de uma lei do Distrito de Columbia contra provocação de violência. O Departamento de Justiça de Joe Biden poderia analisar os inúmeros crimes federais que Trump aparentemente cometeu enquanto estava no cargo.

Decisões sobre a condução das denúncias não deveriam ser tomadas por políticos, mas deveriam ser bloqueadas por eles, também.

No passado, os Republicanos pareciam prontos para impedir qualquer investigação federal de Trump. Como reportou o Financial Times em dezembro, antes dos Democratas ganharem duas cadeiras importantes no Senado na Georgia, “os Republicanos deixaram claro que se eles controlarem o Senado, eles buscariam proteção para o Sr. Trump antes de aprovar qualquer nomeação para advogado geral apresentada pelo Sr. Biden”.

Se Trump realmente enfrentar um risco legal, muitos Republicanos ainda vão gritar sobre uma caça às bruxas. McConnell pode até se juntar a eles. Mas suas palavras não podem ser retiradas facilmente.

“Deve haver um reconhecimento nacional sobre a gravidade e horror desses eventos”, disse Raskin sobre a tentativa de golpe de Trump. “Eu espero que o julgamento de impeachment tenha iniciado esse processo educacional.” Iniciou e os Republicanos não podem mais fingir que o julgamento deveria ser o final dele.

*Publicado originalmente em 'The New York Times' | Tradução de Isabela Palhares

Imagem: Erin Schaff/The New York Times

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