Manuel Carvalho Da Silva | Jornal de Notícias | opinião
O designado trabalho remoto, que a Organização Internacional do Trabalho define, ainda não de forma convencional, como "trabalho prestado à distância, fora da estrutura organizativa física do empregador, na qual o trabalhador se encontra privado do contacto físico com os colegas, por prestar serviço através de novas tecnologias que facilitam esse contacto remoto", inclui o teletrabalho e outras formas de organização do trabalho à distância (a chamada "economia colaborativa"), com realce para as plataformas digitais.
Tudo indica que estas formas de
trabalhar tendem a aumentar, mas não sabemos exatamente em que dimensão e em
que moldes. Por exemplo, um estudo em curso no CoLABOR sobre a utilização do
teletrabalho no contexto da pandemia mostra-nos que dois terços dos
trabalhadores portugueses não tiveram nem têm possibilidade de desempenhar,
total ou parcialmente, as suas atividades
Sabemos muito bem que grande parte dos trabalhadores envolvidos nas prestações do trabalho à distância estão desprotegidos e que essa desproteção impulsiona o aumento geral das precariedades e da exploração no trabalho; que não se faz a aplicação de disposições legais existentes nem se avança na produção de legislação adequada; que grande parte da "economia colaborativa" tem pouco de colaborativo mas imenso de exploração; que as grandes plataformas digitais fazem brutais acumulações de riqueza pagando mal a imensas pessoas que para elas trabalham e fugindo ao Fisco; que falta proteção social para estes trabalhadores e que uma proteção mal concebida mina os sistemas da Segurança Social e aumenta a precariedade.
Exige-se estudo e reflexão rigorosos - de caráter sociológico, político e jurídico - sobre a extensão e os contornos deste fenómeno nos países, na União Europeia (UE) e no plano global. Esse conhecimento travará a apresentação sistemática de cenários apocalíticos para o trabalho no futuro.
Em qualquer prestação de trabalho (remoto ou não) é obrigatório observar se o trabalho prestado é ou não dependente. Há muito trabalho dependente camuflado de prestação de serviços. Bastava deitar mão do Direito do Trabalho existente e de valores éticos para, em grande parte dos casos, garantir uma relação laboral com vínculo claro. Contudo, também é necessário criar novos instrumentos jurídicos.
É verdade que o tempo e o espaço que estruturavam muitas relações de trabalho estão a ser esbatidos em várias destas novas formas de trabalho, e que a natureza hierárquica existente nessas relações está a ser dissimulada. Mas há outros indícios de laboralidade: em geral, as plataformas digitais, e outras formas de organização do trabalho à distância, são os centros organizativos das atividades prestadas pelos trabalhadores, logo, havendo novos instrumentos políticos e jurídicos, não haverá dúvidas na definição das relações laborais a estabelecer.
No âmbito da Presidência portuguesa da UE realiza-se, na próxima terça-feira, uma "Conferência de alto nível" sobre "Trabalho remoto: Desafios, riscos e oportunidades". Oxalá haja um mínimo de coragem para uma abordagem séria destes problemas e compromissos para travar os caminhos da precariedade e da desregulação.
*Investigador e professor universitário
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