Nos últimos dias, EDP e Governo desdobram-se em comunicados acerca do negócio da venda de seis barragens ao consórcio Engie. Mas ambos deixam sem resposta a pergunta que mais conta: por que não pagou a EDP os 110 milhões que deve de Imposto de Selo sobre a venda?
Para não pagar, a EDP desenhou um esquema: cindiu as barragens para uma nova empresa dentro do grupo EDP e depois vendeu as participações sociais dessa nova empresa a uma outra, detida pela Engie. Mas este esquema tem as suas dificuldades.
Primeira dificuldade: para estar isenta de impostos, aquela cisão teria de ser alvo de uma reestruturação fiscalmente neutra. É falso que o seja, mas é isso que a empresa alegará.
A EDP preocupou-se então com um segundo obstáculo: mesmo em caso de reestruturação fiscalmente neutra, a lei não isenta de Imposto de Selo a transmissão de concessões de barragens. Aqui chegada, a EDP procura apoio numa Diretiva europeia que permite aos estados isentarem de impostos a "transmissão de estabelecimento". Ora, é claro que um estabelecimento não é igual a uma concessão do Estado, mas a EDP alega que os contratos de concessão, por trazerem associadas estruturas e obrigações, podem ser considerados estabelecimento.
De qualquer modo - terceiro
obstáculo -, essa Diretiva não tem aplicação direta
Agora, perante a indignação gerada pelo caso, o Governo argumenta que a alteração legal não se aplica à venda de concessões de barragens, o que é verdade. O problema é que, se a fictícia reestruturação criada pela EDP for aceite, a alteração legal encaixa que nem uma luva nas suas pretensões.
Pode ser apenas uma infeliz
coincidência. Mas essa coincidência deve ser iluminada por um facto: o ministro
Matos Fernandes estava alertado, desde setembro de 2020, para o risco de
esquema de fuga fiscal neste negócio, que se realizou
O primeiro-ministro diz que não havia nada a fazer, que toda a responsabilidade cabe à Autoridade Tributária na fiscalização a posteriori. Errado. As regras legais para a venda de uma concessão pública permitem que o Estado imponha condições. O Governo só não impediu que o negócio se fizesse assim porque não quis, embora conhecesse em detalhe a fuga fiscal que se preparava.
Agora, bem pode António Costa
mandar a Autoridade Tributária enfrentar o batalhão de advogados da EDP
*Deputada do BE
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