quarta-feira, 21 de abril de 2021

GEORGES E VALENTINAS

Bom dia este é o seu Expresso Curto

George e Valentina. A vida dele importou. E a dela?

Rui Gustavo | Expresso

O suspiro de alívio sentiu-se deste lado do Atlântico: um júri do tribunal de Minneapolis, nos Estados Unidos, considerou o agente Derek Chauvin culpado de três crimes de homicídio em segundo e terceiro grau e por negligência. Onze horas de deliberação chegaram para que “12 angry man” ( na verdade, seis pessoas brancas, quatro negras e duas de “origem variada”, segundo descrição dos próprios) decidissem por unanimidade que o ex-agente da polícia daquela cidade americana, que estava em liberdade, é o responsável pela morte de George Floyd, um afro-americano asfixiado quando era detido depois de ter comprado um maço de tabaco com uma nota de 20 dólares falsa.

As imagens do agente Chauvin com o joelho no pescoço de Floyd durante nove minutos e oito segundos, enquanto a vítima gritava que não conseguia respirar "I can't breath" (27 vezes) e chamava pela mãe (já morta), foram vistas em todo o lado do mundo onde há um televisor, um telemóvel ou um computador, e provocaram mais uma onda de tensão racial nos Estados Unidos onde os negros são, em termos comparativos, as maiores vítimas da violência policial.

A morte ocorreu em maio do ano passado e foi filmada pelo telemóvel de um adolescente que foi uma das testemunhas do processo. Ainda antes do veredito, o presidente americano Joe Biden considerou que as provas eram “esmagadoras” e uma senadora democrata, Maxine Waters, apelou a que os manifestantes fossem “mais confrontacionais “ caso Chauvin fosse absolvido, o que dará um excelente argumento para a defesa recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça com a alegação de que não teve direito a um julgamento justo.

pena só deverá ser conhecida dentro de oito semanas e Chauvin arrisca uma pena que pode chegar aos 40 anos de prisão. Ouviu o veredito impassível e saiu da sala algemado porque, ao contrário do que acontece em Portugal, terá de esperar o resultado de um eventual recurso preso. Durante o julgamento, alegou que agiu como foi treinado, o que foi desmentido pelo chefe da polícia, e tentou demonstrar que a morte de Floyd se deveu a problemas de saúde provocados pelo abuso de drogas.

Desta vez, ao contrário do que aconteceu em 1992 depois de vários agentes da polícia terem sido absolvidos depois de espancarem quase até à morte Rodney King, não houve violência nas ruas e Joe Biden voltou a fazer uma intervenção pública para garantir que irá fazer tudo para aprovar uma “lei George Floyd” para regular a intervenção policial e impedir, por exemplo, que agentes já condenados por abuso de poder possam ser transferidos. Talvez alguma coisa mude.

."A vida dele importou", admitiu um dos advogados da família Floyd que recebeu uma indemnização de 27 milhões de dólares, a maior de sempre paga pela morte de um afro americano.


Dez dias antes da morte de George Floyd, o corpo de Valentina, uma criança de nove anos que tinha sido dada como desaparecida pelo pai, foi encontrado num eucaliptal a seis quilómetros da casa do pai e da madrasta, em Atouguia da Baleia. Sandro acabou por confessar que tinha sido ele a matar a filha à pancada, porque desconfiava que tinha sido abusada sexualmente.

A rapariga, que já tinha sido sinalizada pelos serviços sociais mas pôde continuar a viver com pai, foi deixada a agonizar num sofá durante 12 horas e foi vista pelo irmão, testemunha fundamental no processo que hoje tem um desfecho. O coletivo de juízes vai decidir esta quarta-feira, às 14h00, qual a pena a aplicar ao pai e à madrasta de Valentina.

George e Valentina morreram inutilmente, vítimas de uma violência absurda. Só a justiça os pode vingar. Melhor: fazer-lhes justiça.

OUTRAS NOTÍCIAS

Ainda antes de começar, a Superliga Europeia parece estar prestes a acabar. Sete dos 12 clubes fundadores – todos os ingleses envolvidos e o Inter de Milão – já terão decidido saltar fora desta super péssima ideia que teve o condão de fazer parecer a UEFA e a FIFA agremiações benfeitoras cujo único objetivo é evitar que a ganância estrague um jogo que já foi do povo.

Sem se rir, o presidente do Real Madrid, Florentino Perez, defendeu que esta – uma liga de clubes ricos e não necessariamente bons em que se entra por convite tipo clube do bolinha e se ganha tanto dinheiro que torna ainda maior o fosso para os outros cubes – era a melhor maneira de voltar a atrair os jovens para o futebol e de pôr fim aos problemas económicos provocados pela pandemia de covid 19.

As reações da UEFA, dos jogadores (os do Liverpool estão contra e já o anunciaram aos donos do clube), dos treinadores e dos fãs (estou a ser ingénuo, mas é de propósito) poderão provocar um recuo dos “dirty 12”, como alguém lhes chamou. Os dois finalistas da Liga dos Campeões da última época, PSG e Bayern, não quiseram entrar nesta aventura. Ainda assim, os 4 mil milhões que a JP Morgan pretende investir na competição podem falar mais alto. Money talks, bullshit walks.

Em 2024 a Liga dos Campeões vai mudar e tornar-se numa espécie de Liga em que os clubes jogam entre si e os melhores apuram-se para uma fase final. Nada vai ficar como dantes no futebol europeu.

O Ministério Público já pediu a nulidade da decisão instrutória de Ivo Rosa na Operação Marquês considerando que houve uma “alteração substancial dos factos”, mais especificamente o facto de Carlos Santos Silva passar a ser o corruptor de José Sócrates na versão de Ivo Rosa dos acontecimentos. Problema: a reclamação vai ser avaliada pelo próprio Ivo Rosa, mas é possível recorrer para a Relação de Lisboa.

Os deputados da oposição de um grupo de trabalho parlamentar aprovaram mais uma medida contra o PS e contra o Governo: mudaram a carreira dos Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica e aumentaram a tabela salarial. O Governo diz que o Parlamento legislou fora da sua competência e que tem de haver negociação com os sindicatos. A medida tem um custo de € 46.5 milhões.

A Câmara Municipal de Lisboa foi alvo de buscas que, de acordo com o presidente Fernando Medina, tiveram como principal alvo Manuel Salgado, ex-vereador do urbanismo. Noutro lindo gesto de solidariedade, o rival nas eleições autárquicas comparou Medina a Sócrates e falou de corrosão da democracia. Leia para decidir se exagerou.

Hoje há um "Velório pelos Profissionais da Cultura, das Artes e dos Eventos", uma iniciativa do Grupo Informal Vigília Cultura e Artes que quer “velar todos os profissionais do sector da cultura que ficam deixados para trás pelas parcas medidas de emergência programadas pelo Governo". A cerimónia fúnebre passa por Angra do Heroísmo, Ponta Delgada, Faro, Lisboa, Porto e Évora.

Nem de propósito (aposto que é), hoje também é o último dia para os artistas se candidatarem ao apoio social extraordinário aos trabalhadores da Cultura promovido pelo Governo.

O Sporting recebe o Belenenses no Alvalade XXI às 21h15 e pode alargar para nove pontos a distância para o segundo classificado FC Porto que joga amanhã com o Vitória. O Benfica já deitou a toalha ao chão e os leões, apesar da tremedeira dos últimos jogos, têm tudo para pôr fim a um jejum de 19 anos.

número de pessoas mortas por execução de pena de morte é o mais baixo em pelo menos dez anos.

Quase que acabava este curto sem falar de Covid 19: Portugal passou o teste da Páscoa, a vacina da vacina Jonhson & Johnson vai continuar a ser inoculada apesar dos casos residuais de efeitos secundários mortais; mais de metade da população com mais de 80 anos já recebeu as duas doses da vacina.

Ontem, de acordo com os últimos dados, morreram cinco pessoas em Portugal vítimas do novo coronavírus. E as filas para as lojas de pronto a vestir no Spazio, em Lisboa, não ultrapassavam os dez, onze apressados. Talvez tudo acabe antes do meu corretor de texto passar a reconhecer a palavra Covid.

Portugal e a presidência da UE

Vacina da J&J. Regulador mantém que benefícios superam riscos

O comité de segurança (PRAC) da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) mantém a confiança na administração da vacina da J&J, reiterando os benefícios. No entanto, confirmou na terça-feira que existe uma "possível ligação" entre os casos raros de coágulos sanguíneos e a vacina. Por isso, determina que “um aviso sobre coágulos sanguíneos incomuns associados a um baixo nível de plaquetas deve ser adicionado à informação do produto” e que estes eventos devem ser incluídos como efeitos secundários muito raros da vacina. A EMA lembrou ainda que os casos analisados são "muito semelhantes aos casos que ocorreram com a vacina desenvolvida pela AstraZeneca", mas que tal como para essa vacina, a avaliação mantém -se “positiva”. As duas vacinas estão recomendadas na União Europeia para maiores de 18 anos.

Bruxelas exorta Estados-membros a seguirem recomendação

"Exorto os Estados-membros a seguirem a opinião dos nossos especialistas. A vacinação salva vidas", tuitou a comissária europeia da Saúde após ser conhecida a conclusão do comité de segurança da EMA. No entanto, não é certo que os Estados-membros venham de facto a seguir na íntegra a recomendação do regulador, tal como não o fizeram no caso da AstraZeneca. O vice-presidente da Comissão Europeia, Maroš Šefčovič, apelou à "boa coordenação" dos Estados-membros deixando claro que a decisão final está nas mãos dos Governos e não de Bruxelas. As próximas horas e dias devem demonstrar se a abordagem portuguesa à vacina da Johnson & Johnson vai ser a mesma que a dada à AstraZeneca, tendo em conta que há semelhanças entre os eventos adversos reportados. Portugal, Itália ou Alemanha só a administram a maiores de 60 anos.

Frases

"Hoje podemos respirar outra vez"
Philonise Floyd, irmão de George, depois de saber da decisão dos jurados

"A verdadeira justiça exige muito mais"
Barack Obama, ex-presidente dos EUA, sempre preclaro

“A Superliga Europeia vai trazer excitação e drama nunca vistos no futebol”
O premonitório anúncio dos fundadores da Superliga Europeia

“Vamos com a ambição de tirar a virgindade ao Sporting"
Petit, treinador do Belenenses, criando uma imagem muito elegante sobre a possibilidade de provocar a primeira derrota do Sporting no campeonato

"Isso foi confirmado pela própria Polícia Judiciária, no comunicado que fez".
Fernando Medina, sobre o envolvimento de Manuel Salgado na Operação Olissipus. O comunicado era omisso em relação ao envolvimento do ex-vereador do urbanismo

"Não são apenas os comportamentos do ex-primeiro-ministro José Sócrates que corroem o funcionamento da democracia"
Carlos Moedas, a surfar a onda

O que eu ando a ler

“O Crime do Padre Amaro”

Eça de Queirós

Primeiro romance do grande prosador, começou por ser publicado em folhetins e foi sendo melhorado pelo autor até uma terceira versão que se tornou definitiva e que estou agora a acabar de ler numa edição antiga e bonita do Circulo de Leitores. O alegado racista (em os “Maias”, segundo uma professora cabo-verdiana) espanca com muita fineza e evidente fineza tanto o clero como a burguesia provinciana do final do século XIX que – imaginem – se preocupavam mais com a forma do que com o conteúdo da religião e da sua moral.

Algo impensável, 14 anos depois. História de beatice e intriga, tem um vilão espetacular – Amaro, o falinhas mansas que seduz a ingénua Ameliazinha com a palavra de Deus – e uma galeria de personagens pérfidas ou ridículas que o autor exploraria nas obras seguintes, como o “Primo Basílio”, mais um misógino miserável e “Os Mais”, o retrato definitivo e impiedoso da burguesia de então.

Graças ao espetacular sistema de ensino do Português, li partes deste livro no 9º ano, apreciei moderadamente da versão cinematográfica do mexicano Carlos Carrera (nomeado para um Óscar de melhor filme estrangeiro) e achei de fugir a versão portuguesa com Soraia Chaves e um frigorífico aberto a derramar luz sobre uma versão menos cândida da Amélia. Mas como disse Pulido Valente, “voltamos sempre ao Eça”.

Por hoje é tudo.

Se puder, aproveite para ir a um museu (o de arte antiga, por exemplo), ver um filme (talvez Nomadland, o grande candidato aos Óscares) ou uma peça de teatro (Eunice Muñoz está a despedir-se dos palcos em “A Margem do Tempo”, com a neta Lídia no auditório com o seu nome, em Oeiras. Ou então vá ver os Luta Livre, de Luís Varatojo, no Luísa Todi, em Setúbal.

A agenda (e o resto da vida) está toda nos sites da Blitz e do Expresso. E da Tribuna.

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