Paula Ferreira* | Jornal de Notícias | opinião
Um país ressentido e ainda com feridas abertas, quase meio século depois, como se o desfile na Avenida fosse apenas uma metáfora daquilo que somos. Um país que volta a festejar na rua, sinal de liberdade, condicionada devido à pandemia.
O presidente da República, para desilusão de alguns setores, ignorou a crise, a falta de apoios sociais, a necessidade de combate à corrupção, problemas que atravessam os dias dos portugueses. Talvez tenha ido mais fundo ao apelar à consciência coletiva: que faça história da história das últimas décadas. Só ela poderá explicar o presente, impedindo os nascidos depois do 25 de Abril de dizer que não sabiam, apenas por não o terem vivido.
Está muito longe o Portugal que acordou, liberto, em abril de 1974. Um país de trabalhadores à jorna, de analfabetos, poucos chegavam à universidade, muito mais homens que mulheres; um país de filhos criados pelos avós pela fatalidade da emigração, um país onde uma grande fatia dos trabalhadores não usufruía de qualquer proteção social, e no fim da vida apenas lhes continuava a restar a miséria. Um país onde havia filhos de pais incógnitos, um país onde beijar na rua era proibido, um país amordaçado, triste. Muito triste.
O rol de barbaridades da ditadura não termina aqui. E olhando para trás reconheço que este pode ser um país inimaginável para os jovens, com futuro, embora este ainda não sorria a todos.
É este país inimaginável, luminoso, que a história nunca nos deixará apagar, para jamais retrocedermos à noite fascista. Ontem, vinte minutos depois da meia-noite, na minha terra, como sempre cantou-se a "Grândola". Jovens e menos jovens lá estavam no Largo dos Artistas (um carpinteiro, um trolha e um pedreiro), eternizados pelo escultor Sousa Pereira - porque a memória é matéria perecível.
*Editora-Executiva-Adjunta JN
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