segunda-feira, 26 de abril de 2021

Perder um filho

Sobreviver à morte de um filho é um sofrimento insuportável que carrega mil perguntas sem respostas

Vera Ramalho | Público | opinião

É sempre cedo demais para ver um filho partir. Na verdade, não há hora certa, nem nunca haverá. Talvez, se tivesse tido mais tempo para compreender que todos nós chegamos e partimos... Deixou tanto por fazer, por conhecer, por amar e, no seu lugar, ficou a dor e um caos emocional que não cabe no coração de um pai ou de uma mãe. Haverá algum sentido para tamanho desgosto? A dor espalha-se pela sala, pela cozinha, pelo quarto e pelas coisas dele que teimam em ficar ali muito tempo, porque retirá-las, apesar de não o ser, pode parecer o mesmo que esquecê-lo e isso ninguém quer.

Um filho é para os seus pais reflexo de felicidade e de afecto que alimenta as suas vidas. Sobreviver à morte de um filho é um sofrimento insuportável que carrega mil perguntas sem respostas. De repente, a alegria transforma-se em silêncio e fica um vazio difícil de lidar, sem a presença, sem a voz, sem o choro e o barulho.

Quem estiver ao lado deve ouvir, mesmo que ache que já ouviu tudo e que já não consegue dizer mais nada. Há sempre coisas que ficam por dizer e por ouvir e é reconfortante saber que está alguém “ali” para ouvir tudo de novo.

Parece insensível sugerir que os pais procurem algum significado perante uma tragédia como esta. Nunca se deve subestimar a dor de uma mãe e de um pai que perderam um filho, seja ele um bebé ou um adulto; todas as dores são diferentes, e, se com uma criança mais crescida ou com um adulto há um vínculo bem estabelecido, com um bebé podemos dizer que há a amargura dos pais de nunca terem tido a oportunidade de o desenvolver.

Então, como continuar?

Aceitando que a vida tem esse movimento de chegada, de partida e de recomeço, com a certeza de que nada termina ali, embora a vida nunca mais seja a mesma. A dor pede uma pausa para podermos prosseguir para o apaziguamento, encontrando espaço ao que traz alento ao coração, depois de passada a revolta, o medo e a culpa.

Quem amamos passa a viver dentro de nós, só temos de encontrar outra forma de comunicar, acolhendo a saudade e o choro sempre que quisermos. Um dia, acorda-se sem vontade de falar; mas noutro, já dá para lembrar, chorar e rir ao mesmo tempo.

Aos poucos, e cada um a seu tempo, começa-se a fazer as pazes com a vida através das histórias que foram partilhadas, dos lugares, dos cheiros, dos sabores ou daquela música que traz saudade e ajuda a continuar um dia atrás do outro.

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