quarta-feira, 12 de maio de 2021

Joe Biden reinventa o racismo

Thierry Meyssan*

Contrariamente a uma ideia feita, o Presidente Biden não pensa garantir « a igualdade face ao Direito » a todos os Norte-Americanos sem distinção de raça. Pelo contrário, ele pretende ser o campeão da «equidade racial», quer dizer de uma forma de igualdade entre, não os indivíduos, mas o que considera como grupos raciais distintos. Neste artigo, Thierry Meyssan empregará o termo «racismo» no seu senso literal e não no mais comum de «comportamento discriminatório». Ele mostrará que ao anunciar a intenção de estender ao mundo inteiro «a equidade racial», o Presidente Biden e o Partido Democrata ameaçam a paz mundial.

A principal prioridade do Presidente Biden é a de impor a ideologia do «1619 Project» à sociedade dos EUA e ao mundo.

Num Estado Federal, algures no mundo, o Ministério da Educação nacional decidiu ensinar nas escolas primárias e secundárias que a humanidade está dividida em raças distintas.

Embora estas raças sejam distintas, é possível acasalá-las e dar origem a crianças. No entanto estes serão estéreis como muares com origem num burro e numa égua. É por isso que as estatísticas do tal Estado Federal contam brancos, negros etc, mas não mestiços.

Como existe uma hierarquia implícita entre estas raças distintas e, infelizmente, os mestiços não são estéreis, eles são automaticamente contados como pertencendo à raça inferior. É preciso, com efeito, preservar a raça superior de qualquer contaminação.

Este Estado Federal era o Reich nazi, mas estes são também os princípios dos Estados Unidos de Joe Biden e do seu Secretário da Educação, Miguel Cardona.

Assistimos ao retorno do «racismo científico» que provocou a Segunda Guerra Mundial e os seus 70 milhões de mortes. Ninguém parece, no entanto, estar ciente do perigo e muitos pensam que os Democratas norte-americanos são exemplo de abertura aos outros.

Lembremos que o racismo dos anos 30 tinha todos os atributos de Ciência. Ele era objecto de pesquisas em inúmeros institutos científicos e era ensinado nas universidades tanto nos Estados Unidos como na Europa Ocidental. Antes da Primeira Guerra Mundial, a fim de preservar a raça superior muitos Estados «modernos» haviam proibido os casamentos inter-raciais.

O racismo não é nem de direita, nem de esquerda

No imaginário colectivo, o racismo desenvolver-se-ia unicamente nos meios de direita nacionalista. É absolutamente falso.

Assim, no fim da Primeira Guerra Mundial, a França ocupou militarmente a região hulhífera do Ruhr. Entre as tropas ali destacadas houve durante dois anos soldados africanos do Senegal e de Madagáscar. Rapidamente se desenvolveu na Alemanha, no Reino Unido, nos Estados Unidos e no Canadá um movimento de protesto para denunciar a “ignomínia” dos Franceses colocarem 20.000 negros para dominar os brancos alemães e violar as suas mulheres. Este movimento racista foi dirigido pela principal personalidade anti-racista do início do século, E. D. Morel [1], e juntou a totalidade das organizações feministas internacionais em grandes manifestações [2].

Na própria França, os socialistas aderiram a este movimento racista, entre os quais o neto de Karl Marx, Jean Longuet, jornalista no L’Humanité e futuro dirigente da SFIO (partido socialista).

Deve admitir-se que em tempos difíceis, como o período entre guerras ou o que vivemos hoje, as pessoas seguem os seus impulsos, quaisquer que sejam as suas ideias. Frequentemente elas estão em plena contradição consigo próprias e não se dão conta.

O passado esclavagista e racista dos Democratas norte-americanos

Nos Estados Unidos a escravatura e o racismo foram sobretudo defendidos pelos Democratas contra os Republicanos.

- Os programas do Partido Democrata de 1840, 1844, 1848, 1852 e de 1856 afirmam que o abolicionismo diminuía a felicidade do povo e punha em perigo a estabilidade e a continuidade da União.

- O programa de 1856 declara que os Estados membros da União podem ou não instituir a escravidão doméstica e inscrevê-la nas suas constituições.

- O programa de 1860 descreve os esforços dos Estados abolicionistas que se recusavam a prender os escravos em fuga como subversivos e revolucionários.

- A 14ª Emenda que outorga a cidadania plena aos escravos libertos foi adoptada em 1868 com os votos de 94% dos parlamentares do Partido Republicano e 0% de parlamentares do Partido Democrata.

- A 15ª emenda que outorga o direito de voto aos escravos libertos foi adoptada em 1870 com votos de 100% dos parlamentares do Partido Republicano e 0% de parlamentares do Partido Democrata.

- Em 1902, o Partido Democrata aprovou uma lei na Virgínia suprimindo o direito de voto de mais de 90% dos Afro-americanos.

- O Presidente Democrata Woodrow Wilson instituiu a segregação racial dos funcionários federais e tornou obrigatória a aposição de uma foto em qualquer formulário de emprego.

- A Convenção Nacional do Partido Democrata em 1924, no Madison Square Garden de Nova Iorque, foi chamada de «Klan-Bake» devido à influência da Ku Klux Klan no Partido.

As coisas só mudaram realmente em 1964, quando, logo após os esforços de Kennedy, o Presidente Lyndon Johnson fez aprovar o Civil Rights Act (Lei dos Direitos Civis-ndT). Mas, a mudança foi dolorosa com deputados Democratas a conseguir bloquear a lei por 75 dias.

O «1619 Project»

A Administração Biden proclama-se anti-racista e ninguém duvida da sua boa fé. Mas é à maneira do Partido Democrata dos anos de 1840-a-1961. Quer dizer na prática: de forma alguma. Muito pelo contrário.

As suas decisões em matéria de ensino visam promover a ideologia do «Projecto 1619». Segundo esta, os Estados Unidos não foram fundados pela Guerra da Independência contra a Coroa britânica, mas mais de dois séculos antes, em 1619, com a ideia de reduzir os negros à escravidão.

O «Projeto 1619» foi marcado por uma série de suplementos, depois artigos dedicados do New York Times, desde 2019. Com isso, este diário deixou de procurar relatar a verdade para se tornar num instrumento de propaganda da ideologia Puritana. Segundo ele, os Ameríndios eram esclavagistas como os Europeus. Entretanto, os Espanhóis libertavam os escravos ameríndios que fugiam dos seus amos na condição de que se convertessem à verdadeira fé, o catolicismo. Em resumo, as colónias europeias das Américas só se desenvolveram realmente depois da chegada de escravos negros de Angola ao território dos EUA actual, em 1619. Segundo esta versão, a Guerra da Independência não foi uma rebelião contra os impostos injustos da Coroa Britânica, mas, sim para preservar o sistema esclavagista. É por isso que os Estados Unidos são por sistema racistas. Por conseguinte, cada homem branco deve tomar consciência do privilégio indevido de que goza e reparar hoje os crimes do patriarcado branco.

Esta teoria nada têm a ver com a História [3]. Ela mistura a escravatura e o racismo (por exemplo, os Ameríndios reduziam os seus inimigos a escravos, mas nem por isso eram racistas). Ela esquece-se dos escravos brancos (entre os primeiros escravos da América do Norte, havia Ingleses condenados pela justiça). Despreza também o desejo de emancipação dos colonos face à Inglaterra. Por fim, não foram os Norte-Americanos, mas os Portugueses que trouxeram os escravos até aos colonos e fizeram disso comércio. Além disso, esta teoria é americano-centrada e ignora a escravatura de negros e a sua castração sistemática pelos Árabes durante um milénio.

Esta teoria é religiosa. Ela retoma o mito do pecado original que transforma, e pelo qual torna o homem branco culpado. Tal como os iconoclastas, os puritanos ou os wahabitas, os partidários desta destroem, como “impuras” as representações daqueles que pecaram, a começar pelas dos Generais sulistas.

Cada mentira engendra uma nova. Com efeito, os Sulistas não defendiam a escravidão (que aboliram antes do fim da Guerra da Secessão), mas o direito de cada Estado confederado dispor de sua própria alfândega.

Os partidários do «Projeto 1619» agem exactamente como aquilo que pretendem combater: os homens já não são culpados pelo que fazem, mas nascem culpados, culpados por hereditariedade.

A institucionalização do racismo por Joe Biden

Assim que o Secretário da Educação da Administração Biden, Miguel Cardona, decidiu promover o « 1619 Project » nas escolas primárias e secundárias, um movimento de contestação espalhou-se pela totalidade do país.

A reacção mais notável foi no Oklahoma. O Congresso local adoptou uma lei, imediatamente assinada pelo Governador Kevin Stitt. Ele é um índio Cherokee e um jacksoniano como Donald Trump [4]. Esta lei, HB 1775 (para descarrega o texto no fundo desta página), proibiu, seja a quem for, o ensino das oito proposições racistas seguintes:

-- 1. uma raça ou um sexo é intrinsecamente superior a uma outra raça ou sexo.

-- 2. um indivíduo, em razão da sua raça ou sexo, é intrinsecamente racista, sexista ou opressor, consciente ou inconscientemente.

-- 3. uma pessoa poderá ser vítima de discriminação ou sofrer um tratamento desfavorável unicamente ou em parte devido à sua raça ou sexo,

-- 4. os membros de uma raça ou de um sexo não podem e não devem tentar tratar os outros sem levar em conta a sua raça ou o sexo.

-- 5. o carácter moral de um indivíduo é necessariamente determinado pela sua raça ou sexo.

-- 6. um indivíduo, devido à sua raça ou ao sexo, carrega a responsabilidade dos actos cometidos no passado por outros membros da mesma raça ou sexo.

-- 7. todo o indivíduo deve sentir desconforto, culpabilidade, angústia ou qualquer outra forma de perturbação psicológica devido à sua raça ou sexo.

-- 8. a meritocracia ou traços tais como uma ética de trabalho afincado são racistas ou sexistas ou foram criados por membros de uma raça em particular para oprimir membros de outra raça.

O texto de Lei proibindo ensinar todas ou parte destas oito proposições nas escolas do Oklahoma foi adoptado por 100 % dos deputados republicanos e por 0 % dos parlamentares democratas.

Devemos pesar bem as consequências da ideologia do « 1619 Project »» promovida pelo Partido Democrata e pela Administração Biden. Ela não poderá levar a nada mais do que a violências de proporções gigantescas.

Thierry Meyssan* | Voltairenet.org | Tradução Alva

*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyableimposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación ydesinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).

Documentos anexados

Texto da lei HB1775 de 7 Maio de 2021 de Oklahoma (versão original em inglês) - (PDF - 56 kb)

Notas:  

[1] E.D. Morel denunciou o tratamento cruel dos Congoleses pelo Rei dos Belgas, Leopoldo II.

[2] “Black Horror on the Rhine”: Idealism, Pacifism, and Racism in Feminism and the Left in the Aftermath of the First World War, Peter Campbell, Histoire sociale/Social history, Volume 47, Number 94, Juin/June 2014. DOI: https://doi.org/10.1353/his.2014.0034.

[3] The New York Times’ 1619 Project: A racialist falsification of American and world history, Niles Niemuth & Tom Mackaman & David North, World Socialist Web Site (2020). 1620: A Critical Response to the 1619 Project, Peter W. Wood, Encounter Books (2020).

[4] A historiografia Democrata considera que o Presidente Jackson é responsável pelo genocídio dos índios Cherokees « no Trilho das Lágrimas »(The Trail of Tears-ndT). Manifestamente não é assim que pensa o Cherokee Kevin Stitt.

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