quinta-feira, 6 de maio de 2021

Portugal | Há Zmar e quem não tenha lar, há resistir e alojar

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Há Zmar e quem não tenha lar, há resistir e alojar

João Pedro Barros | Expresso

Bom dia,

Tem estado instalado o rebuliço à porta do Zmar, na Zambujeira do Mar, concelho de Odemira. O empreendimento turístico – que está insolvente e de que o "Estado é o maior credor", como revelou na terça-feira o ministro Eduardo Cabrita – foi alvo de uma requisição civil. O Governo quer alojar na parte não privada da estância – composta por casas em madeira, com um sector destinado ao alojamento turístico e outro a habitação permanente – trabalhadores das explorações agrícolas da região, maioritariamente migrantes. O surto de covid-19 fez com que as autoridades e a opinião pública abrissem os olhos para as condições insalubres em que vivem.

O rebuliço em causa deve-se a uma concentração de proprietários à porta do empreendimento – garantem estar de pedra e cal, tendo até testado uma espécie de barricada. Não querem ali os migrantes, temem pelas condições sanitárias e alegam que o alojamento destas pessoas vai fazer o Zmar desvalorizar-se ainda mais e perder a temporada turística que se avizinha. Ontem à noite, pelo menos um dos proprietários sugeria alojar os migrantes no Parque de Feiras e Exposições de São Teotónio. Estariam mesmo dispostos a fornecer “beliches”, cobertores, roupa de cama para que tenham todas as condições.

O executivo já esclareceu que apenas serão alojados trabalhadores – "90 a 120", sem condições no seu alojamento para cumprir isolamento profilático – com resultado negativo no teste à covid. Há ainda outros dois locais que vão ser utilizados: a Pousada da Juventude de Almograve e a Residência de Estudantes de Odemira. Reconheço que certamente os proprietários terão questões relevantes (nomeadamente uma comunicação no mínimo trapalhona do Governo), mas no fundo o que querem dizer é que se importam muito com aquelas pessoas que ganham miseravelmente e vivem em condições insalubres, desde que não as ponham muito perto da porta de casa, se faz favor.

Esta madrugada, depois das 4h, a agitação à entrada do Zmar teve um pico: foi realojado o primeiro grupo de migrantes, com cerca de 10 pessoas. Tudo aconteceu debaixo de aparato policial, com homens armados e cães da unidade de intervenção da GNR. A operação foi considerada desproporcionada pelos moradores, que se queixam ainda de não existir um plano de convivência.

Não resisto a citar na íntegra uma declaração de ontem do Presidente da República sobre o tema: "[Para alguns] É muito bonito dizer que imigrantes não, mas depois descobrem que imigrantes sim quando dão jeito para fazer o que os portugueses não fazem. Mas já não dão jeito para terem os direitos que deviam ter. Temos de apurar se em relação a essa imigração de maior rotação há legalidade ou não". (Já agora, note-se que Marcelo interveio na segunda-feira para ajudar a desbloquear o confronto que se avolumava entre Governo e privados, facilitando o acesso do advogado dos proprietários.)

Pois é: quase não há portugueses a trabalhar nesta culturas e nesta reportagem da SIC pode perceber melhor como vivem estas pessoas que podem ganhar cerca de 650 euros mensais, pagando por cabeça 100 euros de renda por um T2 onde se podem acumular não sei quantos residentes. Na edição do Expresso de há duas semanas, o Hugo Franco já contava como a tensão entre locais e migrantes estava a aumentar, ainda antes de o tema disparar na agenda mediática.

“A covid-19 fez aumentar a desconfiança entre uns e outros. É mais fácil apontar o dedo a quem não é da mesma cor de pele. Mas é muito perigoso entrar-se por generalizações. Todos prevaricam”, explicava então Dário Guerreiro, presidente da Junta de Freguesia de S. Teotónio, ao jornalista Hugo Franco.

As últimas sobre este caso são as seguintes: o advogado dos donos das casas interpôs uma providência cautelar contra a requisição civil; o SEF não detetou qualquer migrante em situação irregular na inspeção realizada ontem; e Rui Rio aponta o dedo a Eduardo Cabrita.

Odemira não será caso único deste trabalho por vezes quase escravo, pelo menos desumano. Sobre isto, pode ouvir o podcast Expresso da Manhã de ontem, que se mantém bem atual, ou recordar a reportagem “Escravos do Rio”, de Raquel Moleiro, sobre os migrantes de origem asiática que trabalhavam de forma ilegal na apanha da amêijoa no Tejo. Há pelo menos uma coisa que é certa: todos ou quase todos (Governo, partidos, comunicação social) andámos preocupados com tantas coisas menores até uma pandemia nos mostrar que estávamos a assobiar para o lado.

OUTRAS NOTÍCIAS

⚽ – Já há euforia entre os sportinguistas, porque o clube está muito perto do título que escapa há 19 anos, após a vitória de ontem à noite no terreno do Rio Ave, por 2-0 (golos de Pedro Gonçalves e Paulinho). Hoje, a partir das 18h30 (um horário no mínimo curioso para um dia de semana), há um Benfica-FC Porto (com Sérgio Conceição no banco) que pode fechar ou reabrir a questão do segundo lugar.

🏆 – Segue mais uma Liga dos Campeões para Inglaterra. A final, a 29 de maio, em Istambul, vai ser entre Manchester City e Chelsea, que ontem bateu o Real Madrid por 2-0.

📞 – Rui Rio contra-ataca e a temperatura política sobe. O líder do PSD usou o caso Casa Pia para acusar Costa de interferir na Justiça e, em entrevista à RTP3, disse ainda que vai entregar "uma exposição" sobre o Novo Banco na Procuradoria-Geral da República. Revelou também que o partido não vai apoiar Isaltino Morais em Oeiras, mas antes lançar como candidato à autarquia o líder da JSD, Alexandre Poço.

🏦 – O Estado está “condenado” a ficar com cerca de 13% do capital do Novo Banco, enquanto a banca, através do Fundo de Resolução, deve ver a sua posição reduzida a metade. O Diogo Cavaleiro explica-lhe tudo, isto enquanto continua nas bocas do mundo a questão dos prémios atribuídos à equipa de gestão. Marcelo já deu a dica: "Os portugueses estão atentos".

💸 – O governador Mário Centeno garante que a crise pandémica é “exógena, temporária e não deixa marcas na economia além da queda da atividade”. A atividade económica no final de abril já ficou acima da de 2019.

🤝 – A cimeira europeia de amanhã e sábado também já está a fazer aquecer o Porto. Hoje de manhã a PSP vai dar a conhecer os detalhes da operação montada para o ponto alto da presidência portuguesa da UE; António Costa já vai estar na cidade para participar na cimeira promovida pela Confederação Europeia de Sindicatos; e o Bloco de Esquerda dá início a uma contra-cimeira da resistência, do inconformismo e da solidariedade.

💻 – A discussão sobre a regulamentação do teletrabalho está para durar. Ontem houve debate na Assembleia da República, mas os vários projetos de lei sobre o tema baixaram à comissão sem votação. O pagamento das despesas aos profissionais é o ponto mais crítico da discussão.

🦠 – A situação pandémica em Portugal continua estável. Ontem houve duas mortes e menos de 400 casos, o R(t) e a incidência baixaram. Entretanto, o sector do turismo quer ser prioritário na vacinação e a Fenprof pede mais um fim de semana para imunizar os professores.

😷 – Os portugueses têm dores de cabeça mais fortes e frequentes após uso prolongado de máscara. Pequenas pausas podem ser solução.

✈️ – Polícia impediu a descolagem: descoberta droga em avião da TAP que se dirigia para Lisboa.

🌉 – É a maior ponte pedonal do mundo e está em Arouca. Veja as imagens, mas não olhe para baixo.

FRASES

Não podemos querer tornar permanente o que sempre foi temporário
Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, a sublinhar que as medidas de apoio à economia devido à pandemia vão ter de terminar a breve prazo

Ainda não está na altura de levantar o pé. Vamos ter um bocadinho mais de calma
Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, a pedir prudência e contenção face aos números moderados da pandemia em Portugal

Acho
que há um clima de impunidade no futebol português
Jorge Jesus, treinador do Benfica, na antevisão do jogo de hoje frente ao FC Porto

EUROPA E A PRESIDÊNCIA PORTUGUESA

Cimeira Social do Porto. Faltas de peso devido à pandemia – Angela Merkel não vai estar presente. A falta foi justificada com a situação pandémica na Alemanha, pelo que Merkel acompanhará os trabalhos digitalmente e far-se-á representar presencialmente pelo ministro do Trabalho e Assuntos Sociais, Hubertus Heil. Outra baixa já confirmada é a do primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, que igualmente relacionou a sua ausência com a situação da pandemia na Holanda.

A Cimeira Bilateral UE/Índia, outro dos pontos altos na agenda da presidência portuguesa, foi entretanto adiada, com o primeiro-ministro indiano Narendra Modi a evocar também a gravidade da pandemia no país.

O QUE EU ANDO A LER

Gosto de livros sobre desporto. Gosto de grandes personalidades. Sir Alex Ferguson é uma grande personalidade do desporto, mas não me parece que "Liderança" (publicado em 2015 e editado em português pela Actual em 2016) seja um livro excecional. Mas é interessante o suficiente para me ter entretido algumas horas nos últimos dias – e descobri ontem mesmo que, no final do mês, estreia-se um filme biográfico sobre o treinador escocês, que se notabilizou à frente do Manchester United (após levar o modesto Aberdeen à glória europeia).

Um dos grandes problemas do livro chama-se precisamente “versão portuguesa”. A tradução é sofrível, presa ao inglês e claramente a necessitar de mais bagagem futebolística. Exemplos: Sir Alex tinha que ser “muito clínico quanto às capacidades de cada jogador”; num dado jogo “Gary Pallister chegava pelo centro da caixa” (em vez de “coração da área”); o pior castigo era deixar os não convocados assistir ao jogo “nas bancadas com as roupas civis”.

Abstraindo-nos disto (o que não é fácil), sobra um punhado de boas histórias do treinador que durante quase 30 anos colocou o United no topo do futebol mundial, gerindo os humores de vedetas como Cantona, Schmeichel, Keane, Beckham, Tévez ou Ronaldo com mão de ferro. Não por caso, o pior tratamento que dedicava aos jogadores era conhecido como o modo “secador de cabelo”: Ferguson a gritar com a cara colada à dos futebolistas que repreendia.

O ex-treinador descreve vários momentos-charneira que foram moldando o seu estilo de gestão: por exemplo, houve um dia em que se apercebeu de que poderia ser muito mais eficaz observando o treino à distância e passando a orientação aos seus adjuntos (Carlos Queiroz ocupou esse cargo por duas vezes); algures nos anos 70, deram-lhe a preciosa dica de não deixar os contratos dos jogadores terminarem todos ao mesmo tempo (para não permitir que tivessem condições para fazer uma “panelinha” contra o treinador e o clube); um treino da seleção alemã que observou no final dos anos 60 fez com que olhasse de maneira completamente diferente para a posse de bola. Para além disso, há inúmeras menções a mind games que farão a delícia de quem gosta de futebol e se recorda do grande Manchester United dos anos 90 e 00.

Nos momentos menos conseguidos, o livro parece uma tentativa tecnocrática de casar conceitos de gestão – é escrito a meias com Sir Michael Moritz, um investidor de risco e ex-diretor da Google – com episódios de futebol profissional. Resultado: talvez seja demasiado simples para quem quer absorver lições de gestão e, às vezes, demasiado técnico para quem só quer as histórias da bola.

O meu conselho: se estiver interessado, procure a versão inglesa e tenha o YouTube ao lado para rever alguns jogos míticos que são mencionados.

O QUE EU ANDO A OUVIR

Volto a confessar-me admirador de David Bruno – ou não tivesse sido habitante de Vila Nova de Gaia durante uns bons 30 anos. Após “Raiashopping”, editado o ano passado, o regresso é agora feito com Mike El Nite em “Palavras Cruzadas”: o duo batizou-se como David & Miguel, a “dupla mais desejada de Portugal a seguir ao queijo e marmelada”

A paródia às duplas românticas começa na capa do disco e perpassa as oito canções – de “Passadiços do Paiva” a “Rosa”, passando pelo single “Inatel” e pela sugestiva “Dias de Varão”. Se leva a vida e a música muito a sério este disco não é para si.

O olhar irónico de David Bruno sobre a chico-espertice portuguesa já não é tão fresco como em “O Último Tango em Mafamude” ou no delicioso “Miramar Confidencial", mas David & Miguel ainda nos apresentam um bom par de samples e batidas.

E é difícil não sorrir e não encontrar poesia urbana em versos como os de “Sónia”, a minha canção favorita do álbum: “Em Atouguia da Baleia, no meu Citroën/ Banco desportivo revestido a terylene/ Pirilampo mágico no tabliê/ Um par de copos e uma de Mateus Rosé/ Nada se perde, tipo Lavoisier/ Confia em mim, eu domino o metier/ Tudo se perde, tipo Lavoisier/ Já não me lembro, 'tava a dizer o quê?”.

Daqui a uma semana, no Tivoli, em Lisboa, há apresentação ao vivo do álbum. Os bilhetes já estão esgotados.

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