Bom dia este é o seu Expresso Curto
Há Zmar e quem não tenha lar, há resistir e alojar
João Pedro Barros | Expresso
Bom dia,
Tem estado instalado o rebuliço à porta do Zmar, na Zambujeira do Mar, concelho
de Odemira. O empreendimento turístico – que está insolvente e de que o
"Estado é o maior credor", como revelou na terça-feira o ministro
Eduardo Cabrita – foi alvo de uma requisição civil. O Governo quer alojar na
parte não privada da estância – composta por casas em madeira, com um
sector destinado ao alojamento turístico e outro a habitação permanente –
trabalhadores das explorações agrícolas da região, maioritariamente migrantes. O
surto de covid-19 fez com que as autoridades e a opinião pública abrissem os
olhos para as condições insalubres em que vivem.
O rebuliço em causa deve-se a uma concentração de proprietários à porta do
empreendimento – garantem
estar de pedra e cal, tendo até testado uma espécie de barricada. Não
querem ali os migrantes, temem pelas condições sanitárias e alegam que o
alojamento destas pessoas vai fazer o Zmar desvalorizar-se ainda mais e perder
a temporada turística que se avizinha. Ontem à noite, pelo menos um dos
proprietários sugeria alojar os migrantes no Parque de Feiras e Exposições de
São Teotónio. Estariam mesmo dispostos a fornecer “beliches”, cobertores, roupa
de cama para que tenham todas as condições.
O executivo já esclareceu que apenas serão alojados trabalhadores – "
Esta madrugada, depois das 4h, a agitação à entrada do Zmar teve um pico: foi realojado o primeiro grupo de migrantes, com cerca de
10 pessoas. Tudo aconteceu debaixo de aparato policial, com homens armados
e cães da unidade de intervenção da GNR. A operação foi considerada
desproporcionada pelos moradores, que se queixam ainda de não existir um plano
de convivência.
Não resisto a citar na íntegra uma declaração
de ontem do Presidente da República sobre o tema: "[Para alguns] É
muito bonito dizer que imigrantes não, mas depois descobrem que imigrantes sim
quando dão jeito para fazer o que os portugueses não fazem. Mas já não dão
jeito para terem os direitos que deviam ter. Temos de apurar se em relação a
essa imigração de maior rotação há legalidade ou não". (Já agora, note-se
que Marcelo interveio na segunda-feira para ajudar a desbloquear o confronto
que se avolumava entre Governo e privados, facilitando
o acesso do advogado dos proprietários.)
Pois é: quase não há portugueses a trabalhar nesta culturas e nesta
reportagem da SIC pode perceber melhor como vivem estas pessoas que podem
ganhar cerca de 650 euros mensais, pagando por cabeça 100 euros de renda por um
T2 onde se podem acumular não sei quantos residentes. Na edição do Expresso de
há duas semanas, o Hugo Franco já contava como a tensão
entre locais e migrantes estava a aumentar, ainda antes de o tema disparar
na agenda mediática.
“A covid-19 fez aumentar a desconfiança entre uns e outros. É mais fácil
apontar o dedo a quem não é da mesma cor de pele. Mas é muito perigoso
entrar-se por generalizações. Todos prevaricam”, explicava então Dário
Guerreiro, presidente da Junta de Freguesia de S. Teotónio, ao jornalista Hugo Franco.
As últimas sobre este caso são as seguintes: o advogado dos donos das casas interpôs
uma providência cautelar contra a requisição civil; o SEF não
detetou qualquer migrante em situação irregular na inspeção realizada
ontem; e Rui
Rio aponta o dedo a Eduardo Cabrita.
Odemira não será caso único deste trabalho por vezes quase escravo, pelo menos
desumano. Sobre isto, pode ouvir o podcast
Expresso da Manhã de ontem, que se mantém bem atual, ou recordar a reportagem
“Escravos do Rio”, de Raquel Moleiro, sobre os migrantes de origem asiática
que trabalhavam de forma ilegal na apanha da amêijoa no Tejo. Há pelo menos uma
coisa que é certa: todos ou quase todos (Governo, partidos, comunicação social) andámos
preocupados com tantas coisas menores até uma pandemia nos mostrar que
estávamos a assobiar para o lado.
OUTRAS NOTÍCIAS
⚽ – Já há euforia entre os sportinguistas,
porque o clube está muito perto do título que escapa há 19 anos, após a vitória
de ontem à noite no terreno do Rio Ave, por 2-0 (golos de Pedro Gonçalves e
Paulinho). Hoje, a partir das 18h30 (um horário no mínimo curioso para um dia
de semana), há um Benfica-FC Porto (com
Sérgio Conceição no banco) que pode fechar ou reabrir a questão do segundo
lugar.
🏆 – Segue mais uma Liga dos
Campeões para Inglaterra. A final, a 29 de maio, em Istambul, vai ser entre
Manchester City e Chelsea, que ontem
bateu o Real Madrid por 2-0.
📞 – Rui Rio contra-ataca e a
temperatura política sobe. O líder do PSD usou
o caso Casa Pia para acusar Costa de interferir na Justiça e, em
entrevista à RTP3, disse ainda que vai entregar "uma exposição" sobre
o Novo Banco na Procuradoria-Geral da República. Revelou também que o partido
não vai apoiar Isaltino Morais em Oeiras, mas antes lançar
como candidato à autarquia o líder da JSD, Alexandre Poço.
🏦 – O Estado está
“condenado” a ficar com cerca de 13% do capital do Novo Banco, enquanto a
banca, através do Fundo de Resolução, deve ver a sua posição reduzida a metade. O
Diogo Cavaleiro explica-lhe tudo, isto enquanto continua nas bocas do mundo
a questão dos prémios atribuídos à equipa de gestão. Marcelo já deu a dica: "Os
portugueses estão atentos".
💸 – O governador Mário
Centeno garante que a crise pandémica é “exógena,
temporária e não deixa marcas na economia além da queda da atividade”. A
atividade económica no final de abril já ficou
acima da de 2019.
🤝 – A cimeira europeia de
amanhã e sábado também já está a fazer
aquecer o Porto. Hoje de manhã a PSP vai dar a conhecer os detalhes da
operação montada para o ponto alto da presidência portuguesa da UE; António
Costa já vai estar na cidade para participar na cimeira promovida pela Confederação
Europeia de Sindicatos; e o Bloco de Esquerda dá início a uma contra-cimeira da
resistência, do inconformismo e da solidariedade.
💻 – A
discussão sobre a regulamentação do teletrabalho está para durar. Ontem
houve debate na Assembleia da República, mas os vários projetos de lei sobre o
tema baixaram à comissão sem votação. O pagamento das despesas aos
profissionais é o ponto mais crítico da discussão.
🦠 – A situação pandémica em
Portugal continua estável. Ontem houve duas mortes e menos de 400 casos, o
R(t) e a incidência baixaram. Entretanto, o sector
do turismo quer ser prioritário na vacinação e a Fenprof pede mais
um fim de semana para imunizar os professores.
😷 – Os portugueses têm dores
de cabeça mais fortes e frequentes após uso prolongado de máscara. Pequenas
pausas podem ser solução.
✈️ – Polícia
impediu a descolagem: descoberta droga em avião da TAP que se dirigia para
Lisboa.
🌉 – É a maior ponte pedonal
do mundo e está em Arouca. Veja
as imagens, mas não olhe para baixo.
FRASES
Não podemos querer tornar permanente o que sempre foi temporário
Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, a sublinhar que as
medidas de apoio à economia devido à pandemia vão ter de terminar a
breve prazo
Ainda não está na altura de levantar o pé. Vamos ter um bocadinho mais de calma
Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, a pedir
prudência e contenção face aos números moderados da pandemia
Acho
Jorge Jesus, treinador do Benfica, na antevisão
do jogo de hoje frente ao FC Porto
EUROPA E A PRESIDÊNCIA PORTUGUESA
Cimeira Social do Porto. Faltas de peso devido à pandemia – Angela
Merkel não vai estar presente. A falta foi justificada com a situação
pandémica na Alemanha, pelo que Merkel acompanhará os trabalhos digitalmente e
far-se-á representar presencialmente pelo ministro do Trabalho e Assuntos
Sociais, Hubertus Heil. Outra baixa já confirmada é a do primeiro-ministro
holandês, Mark Rutte, que igualmente relacionou a sua ausência com a situação
da pandemia na Holanda.
A Cimeira Bilateral UE/Índia, outro dos pontos altos na agenda da presidência
portuguesa, foi entretanto adiada, com o primeiro-ministro indiano Narendra
Modi a evocar também a gravidade da pandemia no país.
O QUE EU ANDO A LER
Gosto de livros sobre desporto. Gosto de grandes personalidades. Sir Alex
Ferguson é uma grande personalidade do desporto, mas não me parece que
"Liderança" (publicado em 2015 e editado em português pela Actual em
2016) seja um livro excecional. Mas é interessante o suficiente para me ter
entretido algumas horas nos últimos dias – e descobri ontem mesmo que, no final
do mês, estreia-se um filme
biográfico sobre o treinador escocês, que se notabilizou à frente do
Manchester United (após levar o modesto Aberdeen à glória europeia).
Um dos grandes problemas do livro chama-se precisamente “versão portuguesa”. A
tradução é sofrível, presa ao inglês e claramente a necessitar de mais bagagem
futebolística. Exemplos: Sir Alex tinha que ser “muito clínico quanto às
capacidades de cada jogador”; num dado jogo “Gary Pallister chegava pelo centro
da caixa” (em vez de “coração da área”); o pior castigo era deixar os não
convocados assistir ao jogo “nas bancadas com as roupas civis”.
Abstraindo-nos disto (o que não é fácil), sobra um punhado de boas histórias do
treinador que durante quase 30 anos colocou o United no topo do futebol
mundial, gerindo os humores de vedetas como Cantona, Schmeichel, Keane,
Beckham, Tévez ou Ronaldo com mão de ferro. Não por caso, o pior tratamento que
dedicava aos jogadores era conhecido como o modo “secador de cabelo”: Ferguson
a gritar com a cara colada à dos futebolistas que repreendia.
O ex-treinador descreve vários momentos-charneira que foram moldando o seu
estilo de gestão: por exemplo, houve um dia em que se apercebeu de que poderia
ser muito mais eficaz observando o treino à distância e passando a orientação
aos seus adjuntos (Carlos Queiroz ocupou esse cargo por duas vezes); algures
nos anos 70, deram-lhe a preciosa dica de não deixar os contratos dos jogadores
terminarem todos ao mesmo tempo (para não permitir que tivessem condições para
fazer uma “panelinha” contra o treinador e o clube); um treino da seleção alemã
que observou no final dos anos 60 fez com que olhasse de maneira completamente
diferente para a posse de bola. Para além disso, há inúmeras menções a mind
games que farão a delícia de quem gosta de futebol e se recorda do grande
Manchester United dos anos 90 e 00.
Nos momentos menos conseguidos, o livro parece uma tentativa tecnocrática de
casar conceitos de gestão – é escrito a meias com Sir Michael Moritz, um investidor
de risco e ex-diretor da Google – com episódios de futebol profissional.
Resultado: talvez seja demasiado simples para quem quer absorver lições de
gestão e, às vezes, demasiado técnico para quem só quer as histórias da bola.
O meu conselho: se estiver interessado, procure a versão inglesa e tenha o
YouTube ao lado para rever alguns jogos míticos que são mencionados.
O QUE EU ANDO A OUVIR
Volto a confessar-me admirador de David Bruno – ou não tivesse sido habitante
de Vila Nova de Gaia durante uns bons 30 anos. Após “Raiashopping”, editado o
ano passado, o regresso é agora feito com Mike El Nite em “Palavras
Cruzadas”: o duo batizou-se como David & Miguel, a “dupla mais desejada
de Portugal a seguir ao queijo e marmelada”
A paródia às duplas românticas começa na capa do disco e perpassa as oito
canções – de “Passadiços do Paiva” a “Rosa”, passando pelo single “Inatel” e
pela sugestiva “Dias de Varão”. Se leva a vida e a música muito a sério este
disco não é para si.
O olhar irónico de David Bruno sobre a chico-espertice portuguesa já não é tão
fresco como em “O Último Tango em Mafamude” ou no delicioso “Miramar
Confidencial", mas David & Miguel ainda nos apresentam um bom par de
samples e batidas.
E é difícil não sorrir e não encontrar poesia urbana em versos como os de
“Sónia”, a minha canção favorita do álbum: “Em Atouguia da Baleia, no meu
Citroën/ Banco desportivo revestido a terylene/ Pirilampo mágico no tabliê/ Um
par de copos e uma de Mateus Rosé/ Nada se perde, tipo Lavoisier/ Confia em
mim, eu domino o metier/ Tudo se perde, tipo Lavoisier/ Já não me lembro, 'tava
a dizer o quê?”.
Daqui a uma semana, no Tivoli, em Lisboa, há apresentação ao vivo do álbum. Os
bilhetes já estão esgotados.
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