sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Portugal | A CONTA

Gustavo Carneiro * | opinião

O FMI diz-nos que em 2020 passou a haver mais 19 mil milionários em Portugal, fixando-se em 136.430 o número de pessoas a ostentar este título. Se entre eles a maioria tem entre um e cinco milhões de dólares, há 72 indivíduos com fortunas situadas algures entre os 100 e os 500 milhões, e um supera mesmo este patamar. Ao mesmo tempo, mais de 400 mil pessoas caíram nesse mesmo ano abaixo do limiar da pobreza: desempregados, uns, com rendimentos diminuídos, outros.

Quantos pobres são precisos para fazer um rico? É fazer a conta…

Volta e meia, a realidade impõe que regressemos a Almeida Garrett e à questão que colocou em meados do século XIX: «já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?»

O autor de Viagens na Minha Terra não tinha (e dificilmente poderia ter, no Portugal de então) uma visão científica, marxista, do capitalismo. Moviam-no sobretudo fortes motivações morais. Contudo, tivesse ou não consciência disso, apercebia-se já do que passados mais de cem anos Armindo Rodrigues descreveria como «um mundo de duas faces, de miséria e opulência».

Mas deixemos de lado o autor e centremo-nos na questão por ele colocada, tão actual por estes dias, quando se ficou a saber, por exemplo, que em 2020 os accionistas do conjunto das maiores empresas portuguesas (Nos, Sonae, Brisa, Galp Energia, EDP, CTT, Jerónimo Martins e Corticeira Amorim) receberam em dividendos qualquer coisa como 7,4 mil milhões de euros, mais 332 milhões do que no ano anterior. Importará ter presente que muitos destes grupos beneficiaram do regime de lay-off simplificado e se preparam para receber «apoios ao investimento» no âmbito do PRR e da bazuca, ou vitamina, ou como quer que agora lhe chamem…

Do outro lado – e há sempre outro lado nestas coisas –, dados publicados pelo INE apontam para que no mesmo ano de 2020 o desemprego real tenha atingido os 14%, ou seja, 750 mil trabalhadores. Até aquela que foi apresentada como uma boa notícia, o aumento de 3% das remunerações médias dos trabalhadores, esconde a autêntica tragédia que representou o desaparecimento de milhares de empregos exercidos por trabalhadores com vínculos frágeis e salários baixíssimos. A estatística tem destas coisas…

Já o Fundo Monetário Internacional (sim, o da troika, que tanto fez para empobrecer a maioria de nós) diz-nos que em 2020 passou a haver mais 19 mil milionários em Portugal, fixando-se em 136.430 o número de pessoas a ostentar este título: note-se que o termo milionário designa, neste caso, alguém com uma riqueza avaliada em pelo menos um milhão de dólares, qualquer coisa como 840 mil euros. Se entre eles a maioria tem entre um e cinco milhões de dólares, há 72 indivíduos com fortunas situadas algures entre os 100 e os 500 milhões, e um supera mesmo este patamar. Ao mesmo tempo, mais de 400 mil pessoas caíram nesse mesmo ano abaixo do limiar da pobreza: desempregados, uns, com rendimentos diminuídos, outros.

Quantos pobres são precisos para fazer um rico? É fazer a conta…

* Publicado em O Diário.info

Fonte: Avante

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