Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião
Rendeiro, Salgado ou Berardo demonstram ad nauseum como a justiça portuguesa não quer prender criminosos de colarinho branco. De preferência, deixa-os por aí a exercer os seus muitos direitos e várias garantias enquanto gatunos de algibeira sobrelotam as prisões portuguesas. Já o peixe graúdo comete crimes, nunca devolve os milhões que esbulhou e continua em liberdade.
Vejamos o ilustrativo caso de João Rendeiro. Em julho de 2020, foi finalmente condenado a quase seis anos de prisão efectiva pelos crimes de falsidade informática e falsificação de documentos. Esta decisão não admitia recurso. Era definitiva. A única coisa que o réu podia fazer era um pedido de clarificação ao tribunal constitucional. Claro que o ex-banqueiro aproveitou.... E quando finalmente esse tribunal Superior respondeu foi para inglês ver, só pode, até porque o condenado, entretanto, pirou-se e passeia-se alegremente por Londres, em cujo nevoeiro talvez encontre Vale e Azevedo que também se escapuliu para essa cidade. Bom, relativamente ao antigo chefe do BPP, em rigor, nem sequer se pode afirmar que fugiu. Realmente, mesmo com a tal condenação sem recurso, nenhuma autoridade andava no seu encalce, nem foi mudada a medida de coação, nem foi emitido um mandato de prisão.
Afinal, já foi há mais de uma década que o banco de Portugal, "depois de verificada a inviabilidade dos esforços de recapitalização e recuperação desta instituição", decretou o fim do Banco Privado Português" e que, logo de seguida, a polícia judiciária conduziu buscas nas casas de ex-responsáveis dessa instituição. Depois de correr muita tinta nos tribunais e nos jornais, após o Estado ter injectado muito dinheiro dos nossos impostos para salvar o dito BPP, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu a tal condenação de João Rendeiro. Então, se essa decisão foi tomada de facto e de direito há mais de um ano, como foi possível decorrer todo este tempo, deixar uma sentença judicial definitiva por cumprir e permitir que, calmamente e sem qualquer contrariedade, João Rendeiro saísse do país? Só se pode concluir que as autoridades queriam mesmo que a sentença fosse às malvas e que o banqueiro fosse à sua vida.
Vejamos (e só para recordar esta recta final) - depois do tribunal constitucional ter indeferido a solicitação de Rendeiro, a coisa transitou em julgado em Setembro, tendo que depois passar para o Tribunal Supremo que, por sua vez, manda-a para o Tribunal da Relação que, por fim, mandá-la-á para o tribunal de primeira instância. Só depois de todo este rally-paper onde Kafka se cruza com os Monty Python , é que (talvez) prendessem Rendeiro. Tarde demais.
Claro que há muito a resolver como terminar com o efeito suspensivo dos recursos a partir da decisão da segunda instância ou usar os milhões gastos no Citius para impedir que os processos rodopiem nos tribunais adiando o cumprimento das sentenças. Mas sem uma revisão profunda ao nosso processo penal garantístico, que oferece aos ricos ou influentes vias verdes e cartas em branco, pouco mudará. Aliás, num outro processo João Rendeiro também já foi condenado em primeira instância. Talvez a minha neta por nascer escreva a história da respectiva saga de recursos para os tribunais superiores. Quem a lerá?
*Psicóloga clínica. Escreve de acordo com a antiga ortografia
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