domingo, 10 de outubro de 2021

Macau tem de ser uma “cidade segura”

Guilherme Rego* | Plataforma

Na sequência de dois surtos de Covid-19 em Macau, a tão antecipada Semana Dourada ficou à porta da Região. A esperança de que o período festivo revitalizasse a economia – 141 mil visitantes diários, totalizando 985 mil em 2019 – foi rapidamente trocada pelo desespero, com fronteiras fechadas e negócios em dificuldades. Isto numa altura em que a média diária de visitantes desce para os 1500, segundo dados da Direcção dos Serviços de Turismo (DST). Apesar da incerteza e instabilidade, especialistas contactados pelo PLATAFORMA nas áreas de economia e turismo acreditam que as medidas de prevenção adotadas pelo Governo de Macau – embora duras e incertas, por vezes – asseguram um futuro risonho. Enquanto se espera por esse futuro, o setor da restauração pede apoios, prevendo que a normalidade não deva regressar tão cedo.  

Dois surtos e dois testes em massa à Covid-19 no espaço de duas semanas. Naquele que seria um dos períodos mais importantes para colocar Macau numa situação económica estável, a cidade fecha as fronteiras e reforça as medidas de prevenção. As medidas são rígidas, mas têm a sua lógica, assegura Angus Chu. Ao PLATAFORMA, o chefe do departamento de Economia da Universidade de Macau defende que, “para as fronteiras permanecerem abertas, é necessário um ambiente seguro, que só se atinge ao garantir uma taxa de vacinação alta”. Além disso, o professor menciona o perigo que as novas variantes de Covid-19 – que fintam a eficácia das vacinas e são altamente transmissíveis  – representam para uma cidade que, atualmente, tem a pior taxa de vacinação da China (54,2 por cento), facto evidenciado pelo Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, em conferência de imprensa, no dia 29 de setembro.  

Rob Law, académico especializado em “Turismo Inteligente”, concorda com as medidas de prevenção adotadas, referindo que “é bom saber que o Governo da RAEM está a adotar políticas rígidas para controlar a propagação do vírus”. Embora refira que “a principal dificuldade da indústria do turismo tem sido a enorme redução do fluxo de turistas”, explica ao PLATAFORMA a importância de criar a imagem de que Macau é uma “cidade segura”, quer para os residentes, quer para os turistas. “É mais importante reconquistar a confiança dos residentes locais e dos turistas de que Macau é uma cidade segura para viver e visitar. Quando tudo voltar ao normal, a receita do turismo não será uma grande preocupação”, conclui.  

Economia dependente 

Contudo, a realidade é transparente e não muda há mais de 20 anos: “A economia de Macau depende do setor do turismo e a maioria dos turistas vem da China continental”, sublinha Angus Chu. Em 2019, dos quase 39,5 milhões de visitantes, cerca de 70 por cento (27,9 milhões) vieram do continente. Em 2020 – com a pandemia a limitar a entrada de estrangeiros – dos 5,9 milhões de visitantes, observou-se um acentuamento na dependência de turistas provenientes do continente (81 por cento), segundo dados oficiais da DST. Os números comprovam a importância que Angus atribui à reabertura das fronteiras, especialmente com a China continental, “para que a cidade possa manter a estabilidade no incurso de visitantes”. “É crucial”, reforça o académico, que mantém a esperança de que o Governo, eventualmente, venha a “atingir um resultado positivo na taxa de vacinação” – taxa essa que as autoridades de saúde já definiram como sendo de 80 por cento. Essa ideia foi repetida pelo próprio Ho Iat Seng ainda em setembro, quando disse que as negociações com as autoridades do interior da China para o alívio das restrições fronteiriças só seria possível quando a taxa de vacinação aumentasse significativamente, dando Portugal como exemplo de sucesso na campanha de vacinação.  

Andy Wu, presidente da Associação de Indústria Turística de Macau, explica ao PLATAFORMA que a crise da indústria turística de Macau não é definida pelos surtos dos meses de agosto, setembro e outubro, pois esta começou “com o início da pandemia”. A ilação que retira destes últimos meses é de que o setor voltou “ao ponto de início”, depois de uma primeira metade do ano “com crescimento gradual”. No entanto, recorda que esse “crescimento” era, em si, o ponto de partida de um longo percurso até voltar aos níveis pré-pandemia. “O recorde de receitas que tivemos desde a pandemia representa apenas 30 por cento do registado antes da Covid-19”, indica.  

Tarda-se a encontrar soluções capazes de fazer frente ao dilema da indústria do turismo, mas Rob law acredita que “Macau pode utilizar as novas tecnologias para melhorar a situação”. Relativamente ao controlo epidémico na Região, o especialista propõe um software capaz de rastrear os movimentos das pessoas, “para que o Governo possa reagir rapidamente na deteção de potenciais afetados”. Quanto ao desenvolvimento do setor turístico, aponta o uso da tecnologia para melhorar a experiência dos visitantes, “assistindo-os nas suas escolhas: onde ir e o que fazer durante a estadia”, por exemplo.  

Andy Wu é mais reticente: “A solução para revitalizar o turismo seria a transformação do setor. Mas é difícil fazê-lo se os negócios não têm clientes. Mesmo que mudes, ninguém está aqui para consumir, certo? Podes escolher retirar-te da indústria, mas há negócios locais com muitos anos de História e que não estão dispostos a desistir”, diz. Não vendo resultados positivos numa adaptação do turismo em Macau, o líder associativo vê no controlo pandémico algumas falhas que, se revistas, poderão auxiliar a indústria. Como tal, apela à transparência, referindo que “é melhor as pessoas entenderem como funcionam os mecanismos de segurança sempre que se detetam casos de Covid-19”. Para dar um exemplo, utiliza os métodos de prevenção utilizados pela cidade sempre que há tufões, apesar de reconhecer que estes últimos podem ser previstos:  “Um caso de Covid-19 seria equivalente ao sinal de tufão número 1, dois casos equivalentes ao sinal número 3, e três casos seriam equivalentes ao sinal número 10. Aí é que as lojas fechavam. Assim, as pessoas podiam preparar-se melhor, em vez de esperar sem sequer entender por quanto tempo o Governo planeia fechar as fronteiras”. Na sua opinião, sistemas como este funcionariam como “um aviso prévio”, ao contrário da política em vigor, indefinida e incerta, que desincentiva os turistas.  

Gerir negócios com a instabilidade 

Os casos de agosto foram um murro no estômago para um setor que ainda estava em fase de recuperação, explica Andy Wu. Em setembro, a previsão era de crescimento “e estavam todos à espera da Semana Dourada, mas deu-se um novo surto. Acredito que os proprietários de lojas estejam pessimitas”, atira o líder associativo.  

Questionado pelo PLATAFORMA sobre as dificuldades que as pequenas e médias empresas (PME) enfrentam nesta altura, Angus Chu é assertivo: “Uma nova ronda de apoios para as PME dar-lhes-ia o tempo precioso para manter os seus negócios e esperar pela luz ao fundo do túnel”. Aprofundando o tema, explica que “uma das grandes forças do Governo da RAEM é a sua reserva fiscal”. Esse facto incontornável é o que tem permitido “aguentar a economia local”, mas nada é eterno. A solução passa por “não perder o tempo que essa segurança proporciona e assegurar a taxa de vacinação o quanto antes”, conclui.  

Nélson Moura, dono do restaurante Mariazinha, explica ao jornal que “o negócio já estava bastante mau” antes dos últimos surtos, que “só prejudicaram mais”. A seu ver, a quebra na rotina das pessoas para se dirigirem aos postos de testagem à Covid-19, muitas vezes à hora de almoço, acaba por ferir ainda mais o negócio. Em plena Semana Dourada, o proprietário responde que, apesar de não ser um restaurante de eleição para quem aproveita este período de férias para visitar Macau, nos anos anteriores sempre teve mais trabalho. “Tínhamos gente de Hong Kong, Japão, Coreia… até mais gente local, dado que também usufruem dos feriados. Trabalhávamos mais”, remata.  

Quanto à nova ronda de apoios, já em fase de planeamento, o proprietário acredita que pode levantar os ânimos, “não tanto pelo valor em si”, mas porque “causa maior propensão ao consumo”.  

O grande desafio tem sido gerir um negócio com a instabilidade que a pandemia provoca. “Estamos a perder dinheiro todos os meses”, revela Nélson. “O que se fatura não chega para as despesas mensais: salários, renda e mercadoria. Quando fazemos compras, tentamos selecionar o mínimo possível, mas também não podemos não ter comida para os clientes”, explica. David Abreu, chefe de cozinha do restaurante O António, aponta que um dos grandes defeitos de Macau – cidade altamente dependente da importação alimentar – acaba por se tornar uma vantagem durante este período: “À exceção dos vegetais, que vêm da China, os produtos que utilizamos não são muito frescos, grande parte até está congelada. Isso quer dizer que, no meio da incerteza, consigo gerir os produtos de maneira a não haver grande desperdício alimentar, pelo menos”. Para David, pouco se pode fazer agora sem ser “ajudar-nos uns aos outros, apoiando os negócios locais” e também sendo “inteligente” na gestão. Quando ao futuro, Nélson Moura não o vê promissor. “Esperemos que não”, atira, “mas se as coisas continuarem assim…”. 

Responsabilidade social transfronteiriça 

Na segunda-feira estava previsto o regresso às aulas. Os novos casos de Covid-19 levaram ao cancelamento do ajuste de medidas transfronteiriças, afetando mais de um milhar de alunos que estudam em Macau e vivem em Zhuhai. Sem poder regressar a casa, o Governo instalou em pousadas os alunos que não têm familiares em Macau. Sem acesso aos bens básicos, muitas empresas de logística anunciaram que prestariam serviços de transporte transfronteiriço gratuito às crianças e pais que ficaram retidos na cidade. O proprietário de uma das empresas, em conversa com o PLATAFORMA, disse esperar que a sua ação “possa ajudar os estudantes a resolver as suas necessidades urgentes”, enquanto pernoitam em Macau.  

Na segunda-feira de manhã, o Sr.Lei, dono da Longteng Logistic, ao constatar que as fronteiras permaneceriam fechadas, decidiu prestar serviço gratuito para aqueles que foram afetados pelas novas medidas de controlo pandémico, depois de uma reunião com os acionistas. Até terça-feira à tarde, cerca de 30 pais tinham entregue material no armazém da Longteng, em Zhuhai, segundo informações prestadas ao PLATAFORMA. A maioria das entregas são roupa, calçado e comida, revelou ainda.  

“Os pais que ficaram em Zhuhai podem entregar ou enviar a mercadoria para o nosso armazém em Xiawan (Zhuhai). Todas as tardes, a mercadoria será carregada no camião e entregue em Macau no dia seguinte. Se não houver acidentes, será entregue à noite aos alunos que estão na pousada de Hac Sa ou Ká Hó”, conclui.  

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