quinta-feira, 14 de outubro de 2021

O grande saco de gatos a postos e o OE 2022

PORTUGAL & ARREDORES

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Haja paciência

Cristina Figueiredo | Expresso

Em vésperas de receber os partidos, para falar com eles sobre o Orçamento do Estado para 2022, o Presidente da República já foi adiantando serviço: esta quarta-feira à tarde, em declarações à margem de uma visita à nova sede da Ajuda de Berço, Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de mostrar que não há mão que embale o país e o salve de eleições antecipadas caso o Orçamento não seja aprovado. Governar em duodécimos e sem fundos europeus pura e simplesmente não é possível, avisou o Presidente, como quem diz: se os partidos querem mesmo "brincar" com o OE e arriscar o seu chumbo, preparem-se para pagar a fatura.

Palavras que vêm de um Presidente que repetidas vezes (a última das quais na semana passada, numa entrevista a Miguel Sousa Tavares) tem afirmado que gostaria de chegar ao termo do segundo mandato sem utilizar o maior dos seus poderes: o da dissolução do Parlamento. Mas que agora deixa claro que não hesitará em fazê-lo se a situação política a isso o conduzir. E o chumbo do Orçamento, neste contexto político (apenas no início do fim da crise pandémica) e sem que se vislumbre uma alternativa de Governo sólida dentro da atual composição parlamentar, seria um óbvio cenário de "fim de linha".

Com tão estridente alarme, Marcelo veio dar uma nova consistência à hipótese (cíclica, todos os anos por esta altura) de uma crise política. Que não é evidente que aproveite a alguém, mas que o Governo (aparentemente) também não menospreza: ontem à noite, na SIC Notícias, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares não jurou que dia 27 haja Orçamento aprovado na generalidade. "Neste momento ainda não existe um entendimento", admitiu Duarte Cordeiro, embora sublinhando que "o processo negocial é longo" e que o Governo "já sinalizou que está disponível para prosseguir as negociações" nalgumas das matérias que BE e PCP exigem ver tratadas no documento. Também o ministro da Economia, em entrevista à RTP, levou a sério a ameaça: "Não me parece que se trate de um ritual com desfecho certo”, afirmou Pedro Siza Vieira, admitindo que “há esforços” que ainda podem ser feitos. Será, talvez, como diz o Presidente, uma questão de "mais ou menos entendimento, mais ou menos paciência”, e o Orçamento acaba, como sempre acabou nestes 47 anos de democracia, por passar?

Rui Rio não quis esperar pela resposta e foi o primeiro a tirar partido do cenário de crise política chancelado pelo Presidente foi Rui Rio. A direção do PSD tinha acabado de tornar pública uma proposta para a realização das diretas para a escolha do próximo presidente do partido a 4 de dezembro e do congresso entre 14 e 16 de janeiro. Nem duas horas depois, o líder social-democrata veio apelar aos conselheiros nacionais que ignorassem a (sua) proposta e adiassem as eleições internas para depois de se saber se há ou não legislativas antecipadas: “Se este Orçamento não passar, como pode acontecer, o PSD é apanhado em plenas diretas e completamente impossibilitado de disputar as eleições legislativas taco a taco”, justificou.

A decisão de Rio terá apanhado boa parte do PSD de surpresa, nomeadamente Paulo Rangel, que já estaria a preparar para os próximos dias o anúncio da sua candidatura à presidência do partido. Ao suster o avanço imediato dos eventuais adversários internos, o líder social-democrata ganha precioso tempo. E se vier mesmo a haver legislativas antecipadas assegura que será ele o candidato a primeiro-ministro. Até pode vir a perder (novamente) para António Costa (embora ele próprio se mostre convicto que os resultados que obteve nas autárquicas auspiciam sucesso nas legislativas) mas se assim for, sairá pela porta grande: "despedido" pelos portugueses nas urnas, ao invés de pelos seus em congresso. "Chapeau". O Conselho Nacional do PSD reúne-se esta noite, em Lisboa. Vai ser, no mínimo, divertido de acompanhar.

OUTRAS NOTÍCIAS

Mesmo que a procissão negocial ainda vá no adro, e tudo possa ainda acontecer, convém mantermos o rumo na labiríntica discussão orçamental. O Expresso preparou-lhe um guia prático para se orientar no que, com mais ou menos acertos, aí vem em 2022.

Depois de 87 médicos se terem demitido do Hospital de Setúbal, outros 8 da urgência psiquiátrica do Hospital de São João e das urgências do Hospital de Leiria terem encerrado por falta de pessoal, o Sindicato Independente dos Médicos e a Federação Nacional dos Médicos marcaram greve para os dias 22, 23 e 24 de novembro. "Não conseguimos aguentar mais", explicam, deixando "nas mãos do Governo" a responsabilidade de evitar a concretização da paralisação. A ministra da Saúde leva, desta forma, mais peso na mala com que segue para o Porto onde, esta noite, inaugura as sessões de apresentação do Orçamento do Estado aos militantes socialistas. Marta Temido estará no Ateneu Comercial do Porto, a partir das 21h30.

Os despedimentos coletivos em grandes empresas que dão lucro é um dos engulhos nas negociações entre a esquerda e o Governo. A ajudar (ou não) à conversa, inicia-se esta manhã no Tribunal do Trabalho, em Lisboa, o julgamento da providência cautelar contra despedimentos no Santander Totta Interposta pelos sindicatos dos bancários da UGT Mais Sindicato, o Sindicato dos Bancários do Centro e o Sindicato dos Trabalhadores do Setor Financeiro de Portugal.

Prossegue o folhetim em torno de João Rendeiro. A Judiciária apurou que faltam 15 quadros à coleção de arte apreendida ao antigo banqueiro, agora fugido à justiça, para garantir o pagamento de indemnizações aos lesados do BPP.

Foram divulgados ao final do dia de ontem os resultados da 2.ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior. Apenas 40% dos candidatos foram colocados. Mas ainda há mais de 4000 vagas por ocupar.

Um ataque com arco e flecha fez esta quarta-feira “cinco mortos e dois feridos” na cidade norueguesa de Kongsberg, a cerca de 80 quilómetros da capital, Oslo.

A República Popular da China voltou a ameaçar com a anexação de Taiwan. Este "ponto muito quente da política internacional" é o tema da conversa do Expresso da Manhã desta quinta-feira. Quinze minutos para ficarmos a perceber melhor o assunto, numa conversa do jornalista Paulo Baldaia com a professora de Relações Internacionais Raquel Vaz Pinto.

FRASES

"Tenho para mim que com mais ou menos entendimento, mais ou menos paciência, o Orçamento acaba por passar na Assembleia da República”
- Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República

"É um grande orçamento para o país e, portanto, temos que fazer tudo para assegurar que é aprovado"
- Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas

"Se este Orçamento não passar, como pode acontecer, o PSD é apanhado em plenas diretas e completamente impossibilitado de disputar as eleições legislativas taco a taco”
- Rui Rio, presidente do PSD

O QUE ANDO A LER...

Já passou mais de um mês sobre os 20 anos do 11 de setembro, efeméride que quase nos passou despercebida, entre a morte do Presidente Jorge Sampaio, a 10, e o início da campanha eleitoral autárquica, a 14. Mas a data não se esquece e todos temos plena consciência que o mundo era outro até aquele dia. O terrorismo em atentados de uma dimensão nunca vista, a vulnerabilidade de um Estado que se diria um dos, senão o, mais seguros do mundo, as limitações à liberdade individual e comunitária que a partir daí aceitámos como um preço natural a pagar, o anátema sobre os muçulmanos que o mundo ocidental não mais disfarçou... Sobre tudo isto já refletiu o Ricardo Costa nos 8 episódios do podcast "O dia em que o século começou", com justiça já aqui várias vezes publicitado. Mas a jornalista brasileira Simone Duarte entendeu olhar para "o 11 de setembro que ninguém viu" e fazer desta maneira a sua evocação de um dia que ela própria viveu de maneira única, como chefe da delegação da TV Globo em Manhattan, que o era à época, em 2001. O resultado é o livro "O vento mudou de direção" (Oficina do Livro). Não é literatura, é jornalismo. Um jornalista sabe que qualquer história nunca tem só um lado. Simone foi procurar o outro lado do 11 de setembro, outras vítimas raramente vistas como tal. São as histórias de vida de sete pessoas, afegãos, paquistaneses, iraquianos, e ainda um jordano de origem palestiniana, percursos (alguns inimagináveis) reconstituídos através de entrevistas feitas ao longo de dois anos e meio e cruzados em pouco mais de 200 páginas que se lêem sem darmos por isso. Uma lição de humanidade (e da falta dela) a provocar uma reflexão sobre estes tempos que são os nossos. Eu diria de leitura obrigatória.

E o Curto fica por aqui. Tenha um dia bom, cheio de informação que pode ir colher aos sítios (ExpressoTribunaBlitzSIC Notícias) do costume.

Gostou do Expresso Curto de hoje?

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