Filomeno Manaças | Jornal de Angola | opinião
A democracia angolana passa por um momento em que enfrenta sérios desafios. Mas essa é uma razão por que devemos permanecer firmes e decididos a defender os seus valores fundamentais e a não permitir que pirómanos dispostos a incendiar a pradaria tomem de assalto o palco político.
Os incidentes de segunda-feira,
em que a greve dos taxistas foi aproveitada para se saquear e vandalizar o
comité de acção do MPLA, no distrito do Benfica, e apedrejar e incendiar um
autocarro onde seguiam trabalhadores da saúde, não nos deve levar a confundir
as situações, nem a aceitar o inaceitável.
Em democracia, o direito à greve e à manifestação é uma prerrogativa que tem
consagração constitucional e legal, à qual devem fazer recurso todas as
entidades beneficiárias que entenderem se terem esgotado as vias normais
(diálogo/negociações) para fazer valer os seus interesses. Mas esse direito não
pode, não deve ser exercido ou o seu exercício pressupor a ofensa grave a
outros direitos.
Nenhuma paralisação laboral ou manifestação pode ser sinónimo de saque, de
vandalização, de destruição, de atear fogo e incendiar quem quer que seja ou de
qualquer instituição que seja. Não importa se de um comité de acção do MPLA, de
um comité de acção da UNITA, de uma estrutura de qualquer outra formação
política, de bens públicos ou privados. A mão firme e pesada das autoridades
deve fazer-se sentir para assegurar a ordem e tranquilidade públicas.
O que ocorreu segunda-feira acabou por manchar a greve dos taxistas, que têm a obrigação de, perante a sociedade, trabalhar para demonstrar que agem de modo livre, sem influências de forças políticas e movidos apenas pela vontade de defender os seus interesses. Ficou evidente, nas intervenções feitas na rádio, que os taxistas queixam-se de estarem a ser arrastados num diálogo que mais parece de surdos, em que há poucos resultados concretos na satisfação das suas reivindicações, denotando um tratamento menos sério em relação às suas preocupações, apesar de o tempo em que se anda a negociar com as autoridades aparentemente sugerir que as coisas estão a andar e estão no bom caminho.
Sendo legítimas as questões suscitadas pelos taxistas, até porque a maior parte delas bem acolhidas, o desafio que têm pela frente está em lutar para impor a separação de águas, ou seja, fazer valer as suas reivindicações no plano estritamente associativo, algo que não parece ser fácil, tendo em conta relatos de compromissos partidários que algumas das suas figuras ou integrantes possuem, o que não permite afastar de todo a tese da existência de motivações políticas nos actos de vandalismo ocorridos na segunda-feira.
Outro aspecto não menos relevante, e que não pode passar despercebido, é que quem está em greve não tem o direito de obrigar quem não quer aderir à paralisação a fazê-lo. É do mais elementar princípio do Direito que a vontade é fundamental na autodeterminação das pessoas. Ameaçar, coagir os colegas a desembarcarem passageiros e inibi-los de exercer a actividade configura violação de direitos. É, todavia, importante que os taxistas possam exercer a sua actividade com a dignidade que reclamam, como aliás é direito de qualquer outra profissão.
Os incidentes de segunda-feira colocaram à prova, mais uma vez, a serenidade e a capacidade das forças da ordem pública, que actuaram sem embarcar no convite para a violência feita de forma deliberada. Quem tentou imolar o jornalista da Palanca TV, quem saqueou e incendiou os bens do comité de acção do MPLA, no distrito do Benfica, quem apedrejou o autocarro da saúde com os trabalhadores no seu interior, fê-lo de forma consciente e em busca de resultados. Quem, realmente, está comprometido com a democracia não pode olhar para tudo isso e achar normal e esperar que, amanhã, as coisas se repitam. É preciso parar essa maneira de ver a democracia como permissão para tudo.
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