Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião
O que o PCP anda a fazer a Jerónimo Sousa é, no mínimo, cruel." Esta frase consta de uma publicação na rede social Twitter e foi escrita ontem por Pedro Marques Lopes, um comentador político em vários órgãos de comunicação social que, durante muitos anos, colaborou neste jornal onde escrevo.
Antes que se excitem meninges com tendência para a exaltação indignada, avanço desde já que tenho a certeza de que Pedro Marques Lopes (com quem deliberadamente não falei antes de escrever este texto) não tinha intenção de magoar, vitimizar, menorizar ou faltar de alguma forma ao respeito a Jerónimo de Sousa.
Parece-me, porém, que o colunista reflete nessa curta frase um preconceito muito comum. Um preconceito que está errado... Não, um preconceito que está erradíssimo!
O preconceito é este: o PCP é uma máquina política que não olha a meios para atingir os seus fins, sacrificando à vontade coletiva toda a individualidade de quem decida militar naquele partido.
Neste caso, este preconceito, errado, leva a presumir que estaria a ser subjugada pelo coletivo partidário uma qualquer vontade do seu líder, Jerónimo Sousa, mesmo quando a sua saúde obriga a uma cirurgia urgente.
Talvez Pedro Marques Lopes ache que Jerónimo de Sousa não queria fazer esta campanha eleitoral, ou não queria que o PCP tivesse recusado aprovar o Orçamento do Estado que levou o PS a provocar eleições, ou não queria mesmo estar no papel de secretário-geral do PCP. Não sei nem é relevante.
Só quem não percebe nada de PCP pode achar que quem decide militar num partido que não distribui prebendas, poder ou dinheiro (só se ganha trabalho em lá andar) aceite, ainda por cima, ser limitado na sua individualidade, na sua consciência.
Só quem não percebe nada de PCP pode achar que os seus cerca de 50 mil militantes aceitam que devem todos pensar da mesma maneira.
Só quem não percebe nada de PCP pode achar que um partido que procura uma mudança profunda da sociedade nos seus mais variados aspetos - uma revolução, portanto - não aprendeu a lidar com a questão da individualidade com base numa ética que, necessariamente, é muito diferente da prevalecente na atual sociedade.
Essa ética implica o respeito escrupuloso da individualidade de cada militante, da sua intimidade, da sua privacidade, das suas opiniões, das suas opções. É um respeito muito superior ao que é praticado na generalidade da sociedade, onde a massificação e a despersonalização do indivíduo atingiram um verdadeiro zénite com a globalização da economia, da política, da cultura, da estética, tudo impulsionado por partilhas gigantescas de dados, que entram pela nossa casa adentro à procura do denominador comum entre consumidores.
Essa ética do PCP implica também que a individualidade de cada militante, se por um lado tem de ser respeitada, deve também respeitar a afirmação coletiva, disciplinada e unida de toda a organização partidária.
De forma simples, isto pode ser explicado assim: passada a discussão de uma ideia, de um problema, de uma ação, cada indivíduo do PCP (que usou a sua individualidade para debater com os outros indivíduos militantes do PCP essa ideia, esse problema ou essa ação) deve aceitar que se chega a uma fase de conclusão coletiva onde se "arruma" a questão. Nessa altura cada indivíduo militante do PCP deverá passar a adotar como sua a solução coletivamente encontrada, o que não impede, face aos resultados que a realidade venha a trazer, que tudo não possa voltar à estaca zero.
Grande parte dos problemas do PCP com alguns militantes no passado resultaram, mais do que de divergências políticas de fundo, de falhas em diversos níveis nessa prática.
Jerónimo de Sousa até já está noutro patamar desta ética - a sua individualidade incorpora, necessariamente, em todos os aspetos da vida, mesmo alguns íntimos, o processo coletivo de decisão do PCP.
A personalidade, a bonomia, a simpatia, a ponderação, a integridade, todas as qualidades humanas que a generalidade dos comentadores relevam em Jerónimo de Sousa são, com certeza, atributos pessoais únicos, mas essa individualidade do secretário-geral do PCP completa-se com décadas de assimilação, livre e consciente, de uma ética partidária que o leva a adotar, nos seus traços de personalidade individual, a personalidade coletiva do PCP, burilada em cem anos de cultura ética revolucionária - uma cultura ética incompreensível para pessoas que estão fora dela, como é o caso de Pedro Marques Lopes.
O PCP, de que sou militante, só faria mal a Jerónimo de Sousa se o obrigasse a cumprir uma decisão coletiva em que ele não tivesse sido, atentamente, ouvido. E isso é impossível acontecer.
Cruel seria obrigar Jerónimo de Sousa a deixar de ser quem é e tentar impedi-lo de ser um indivíduo que dedica a vida ao Partido Comunista Português.
*Jornalista
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