quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

POBREZA E DESIGUALDADE CONTINUAM A CRESCER EM PORTUGAL

– Em 2020 o número de pobres aumentou para 1.894.663 e os trabalhadores com emprego na pobreza eram já 539.179
– Entre 2020 e 2021 a taxa de risco de pobreza ou exclusão social subiu de 20% para 22,4% e as desigualdades aumentaram

Eugénio Rosa [*]

O INE divulgou em dezembro de 2021 dados sobre a pobreza e as desigualdades em Portugal no período 2015-2021. A conclusão que se tira desses dados é que se verificou, entre 2019-2021, um agravamento significativo da pobreza e das desigualdades. É o que se vai mostrar neste estudo. Nunca é demais falar da situação dramática em que vivem milhões de portugueses que continua ignorada.

O QUE É O LIMIAR DA POBREZA E COMO ELE TEM VARIADO EM PORTUGAL NOS ÚLTIMOS ANOS

Mas antes de se avançar com essa análise vamos começar por definir alguns conceitos importantes para que as conclusões se tornem claras para todos os leitores. O INE define limiar de pobreza como “o rendimento abaixo do qual se considera que uma família se encontra em risco de pobreza”, ou seja, que é pobre.

O quadro 1, com dados do INE, mostra a variação, em euros, do limiar da pobreza entre 2015 e 2020, assim como a mediana do rendimento das famílias portuguesas (a mediana é o valor de rendimento central, abaixo do qual se encontra metade da população, e acima dele a outra metade).

Segundo o INE, em 2020 o limiar da pobreza era de 6.653€. Se dividirmos por 14 meses, obtém-se apenas 475,2€/mês. Portanto, em 2020, se uma família (trabalhadora, reformada, etc.) tiver um rendimento superior a 475,2€ por mês (considerando 14 meses) já não é considerada pelo INE como estando em risco pobreza. E isto mesmo que seja apenas mais 2€ ou 3€. Por aqui vê-se a relatividade e a pouca consistência de muitos dados oficiais que aparecem na comunicação social como verdades absolutas e inquestionáveis.

Como o limiar da pobreza corresponde a 60% da mediana do rendimento das famílias, o cálculo desta é imediato. Em 2020, a mediana era apenas 792€ (14 meses), um valor muito baixo. Isto significa que em 2020, metade das famílias portuguesas tinham um rendimento mensal inferior àquele valor (792€/mês) e outra metade superior . Não é de estranhar a enorme pobreza que continua a existir no país. Esclarecidos os conceitos que se vão utilizar, agora serão mais claras as conclusões deste estudo para os leitores.

O AUMENTO SIGNIFICATIVO DO NÚMERO DE POBRES EM PORTUGAL ENTRE 2019 E 2020

Os dados do INE mostram o enorme aumento da pobreza no nosso país entre 2019-2020 (um ano apenas)

Em 2020, após o pagamento de pensões, ainda 2.368.329 portugueses, mais 115.638 do que em 2019, viviam numa situação de pobreza. E os apoios sociais, tão criticados pela extrema-direita e também por Rui Rio, com o argumento de que alimentam muitos portugueses que não querem trabalhar (são: Rendimento Social de Inserção, Prestação Social para a Inclusão, Complemento Social para idosos, Subsídio de Desemprego) retiram da pobreza extrema 473.666 portugueses. Em 2020, após todas as transferências sociais (pensões e todo o tipo de apoios sociais) ainda 1.894.663 viviam na pobreza no nosso país segundo o próprio INE. E num ano apenas, entre 2019 e 2020, o seu número aumentou em 228.289 (+13,7%), o que revela um crescimento rápido da pobreza no nosso país.

TRABALHADORES COM EMPREGO E REFORMADOS COM PENSÕES NA POBREZA

Como revelam os dados do INE do quadro 3, e contrariamente ao que afirma a extrema-direita e Rui Rio, o emprego não significa sempre que não se seja pobre em Portugal. Em 2020, 539.179 trabalhadores com emprego estavam na situação de pobreza devido aos baixíssimos salários que auferiam. Também o desemprego é uma causa importante da pobreza. Em 2020, 46,5% dos desempregados (278.256) viviam abaixo de limiar da pobreza. E isto porque apenas 40 em cada 100 desempregados efetivos recebiam subsídio de desemprego.


 
E o número de reformados na situação de pobreza era muito superior ao número indicado pelo INE. Isto porque o INE considerou apenas 1.790.700 reformados em 2019 e 1.867.000 reformados em 2020, quando o número de reformados, segundo as Estatísticas da Segurança Social, eram 2.237.586 em 2019 e 2.248.964 em 2020. E nestes totais não estão incluídos os pensionistas que recebem a pensão de sobrevivência, e há muito a receberem pensões abaixo do limiar da pobreza.

Aplicando as mesmas percentagens aos totais da Segurança Social, obtém-se, para 2019, 351.301 reformados com rendimentos abaixo do limiar da pobreza, e para 2020, 404.814 na mesma situação. Se somarmos os 93.000 reformados e aposentados da CGA com pensões inferiores ao limiar da pobreza obtém-se 498.000 pensionistas na pobreza. ou seja, mais 55.000 do que em 2019. Só nos quatro grupos considerados no quadro 3 – empregados, desempregados, reformados e outros ativos – o número de pobres aumentou num único ano (2019-2020) em 216.000. É evidente que a pobreza se está a alastrar de uma forma muita rápida no país. E a situação agravou-se ainda mais em 2021 como se vai mostrar.

AUMENTO SIGNIFICATIVO DA EXCLUSÃO SOCIAL, DA PRIVAÇÃO SEVERA E DA POBREZA ENTRE 2020-2021

Os dados divulgados pelo INE em dez/2021 não são só referentes a 2019 e 2020, mas também indicadores de pobreza referentes a 2020 e também a 2021, que constam do quadro 4.

Como revelam os dados do INE, em 2021 os portugueses em risco de pobreza ou exclusão social eram 2.317.236, o que representa um aumento de 257.819 em relação ao total 2020, e os portugueses na situação de “privação material e social severa” eram já 620.688 em 2021.

Este crescimento da pobreza e exclusão social e da privação material e social em 2021 é extremamente preocupante, pois por um lado, acrescenta-se à verificada em 2020 que analisamos anteriormente, o que mostra que a situação se continua a agravar de uma forma rápida e inaceitável e, por outro lado, é um claro indicador de que as desigualdades se estão a agravar em Portugal de uma forma inaceitável. E uma pessoa encontra-se na situação de privação material e social “se não conseguir comprar ou pagar cinco itens de uma lista de 13 (incapacidade para pagar atempadamente rendas, prestações de crédito ou despesas da residência; incapacidade para ter uma refeição de carne ou de peixe pelo menos de dois em dois dias; incapacidade para substituir roupas desgastadas por roupas novas; incapacidade para ter dois pares de sapatos adequados; incapacidade para substituir mobília desgastada, segundo o INE).

A pobreza não se distribui de uma forma uniforme no país. A distribuição da pobreza é muito desigual sendo muito menor na A.M. Lisboa (16,9% da população em 2021), e muito maior na R.A. da Madeira (28,9% da população já estava na pobreza em 2021), como mostra o quadro 5 com dados do INE.

AS DESIGUALDADES ESTÃO A CRESCER TAMBÉM DE UMA FORMA MUITO RÁPIDA EM PORTUGAL

Em qualquer país, a grande pobreza está sempre associada a grandes desigualdades de rendimentos. Em Portugal o aumento da pobreza está também associado ao aumento das desigualdades. É o que mostram os dados do INE da sua informação INE de dez.2021, que estão no quadro 6.

O coeficiente de Gini varia entre 0 e 1 (0% e 100%). Quanto mais elevado for maior é a desigualdade. Como refere o INE “O Coeficiente de Gini consiste em um número entre 0 e 1, onde 0 corresponde à completa igualdade (no caso do rendimento toda a população recebe o mesmo salário) e 1 corresponde à completa desigualdade (onde uma pessoa recebe todo o rendimento). E entre 2019 e 2020, este coeficiente aumentou em Portugal de 31,2% para 33%. Isto significa que as desigualdades já grandes no nosso país cresceram ainda mais (+5,8%).

O Indicador S80/S20 dá o número de vezes que o rendimento recebido por 20% da população com rendimentos mais elevados é superior ao rendimento total recebido por 20% da população com rendimentos mais baixos. O rendimento considerado é o rendimento disponível. Segundo o INE, em 2019, o rendimento dos 20% da população portuguesa com rendimentos mais elevados era 5 vezes superior ao rendimento dos 20% da população com rendimentos mais baixos e, em 2020, portanto, num ano apenas, aumentou 14%, pois passou de 5 para 5,7 vezes mais. E são muitos milhões €.

Em 2020, o rendimento disponível bruto atingiu o montante de 201.905,9 milhões €. Em 2020, segundo o Eurostat, os 25% da população com rendimentos mais elevados receberam 45,8%, do rendimento total o que corresponde a 90.193 milhões €, enquanto os 25% da população com rendimentos mais baixos receberam 21.268 milhões€. E também segundo o Eurostat, em Portugal, no ano de 2020, os 1% da população com maiores rendimentos receberam 41 vezes mais do que os 1% da população com menores rendimentos. As desigualdades são enormes no nosso país e Rui Rio, com o apoio entusiasmado de Gomes Ferreira na SIC, veio defender que só depois de se criar mais riqueza é que se deve distribuir melhor. Esta “teoria” não tem nada de novo pois é a que sempre defenderam os patrões.

O PIB ANUAL POR HABITANTE EM PORTUGAL CRESCEU COM O PS E ATÉ DIMINUIU COM O PSD/CDS

Para melhorar as condições de vida dos portugueses é urgente não só uma melhor distribuição da riqueza criada, mas também aumentar a riqueza produzida por habitante que, em Portugal, é muito inferior à média da UE e da Zona euro como mostra o quadro 7. Mas o corte brutal no investimento publico que se tem verificado em Portugal, que nem tem chegado para compensar aquele que desaparece pelo uso e pela obsolescência, é um obstáculo muito grande ao crescimento económico. Rui Rio tem atacado A. Costa porque, diz ele, foi durante os governos PS que se verificaram taxas de crescimento económico mais baixas. Mas como mostram os dados do Eurostat do quadro 7 isso não é verdade: Foi com os governos do PSD que o PIB anual por habitante diminuiu, enquanto com os governos PS o PIB anual por habitante aumentou como revela também o quadro 7.


Entre 2000 e 2020, a taxa de crescimento anual do PIB por habitante em Portugal foi 3,3 vezes inferior à da UE e metade da registada na Zona euro. A promessa da António Costa nas “Linhas Gerais do Programa eleitoral do PS 2022” de um crescimento, até 2026, de 0,5 pontos percentuais acima da UE, e de 1 ponto percentual acima da Zona euro não é superior à média do período 2017-2019 (Portugal: 3%; UE 2,2%; ZE:2%) e o país, mesmo assim, não saiu do atraso em que se encontrava (o aumento em euros – 553€/ano – foi igual ao da UE). Se se continuar a cortar no investimento público, como se fez nos últimos cinco anos, para reduzir rapidamente o défice (é a teoria das contas certas de que Costa/Centeno/Leão se gabam) mesmo essas taxas de crescimento económico podem não ser atingidas.

08/Janeiro/2022

[*] edr2@netcabo.pt

O original encontra-se em www.eugeniorosa.com/

Este artigo encontra-se em resistir.info

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