Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião
O PCP e os partidos portugueses da esquerda revolucionária nunca se entenderam. Para lá de cisões históricas, que, na verdade, remontam à revolução russa de 1917, os comunistas portugueses tiveram sempre imensas dificuldades em lidar com o voluntarismo, a imprudência, a desorganização, o individualismo, o sectarismo, a incoerência e a indisciplina dessas organizações.
A síntese dessa desconfiança tem uma palavra leninista para definir esse radicalismo, considerado "infantil": esquerdismo.
Do lado dos outros partidos acusou-se o PCP, conforme os tempos, de reformismo, estalinismo, revisionismo, totalitarismo, institucionalismo, imobilismo, tacitismo e outros "ismos" que agora não recordo.
Estes partidos da esquerda revolucionária, eleitoralmente pouco representativos, também nunca se entenderam entre si.
Porém, com a formação, em 1999, do Bloco de Esquerda, uma parte deles resolveu essas disputas e, eleitoralmente, foi possível apresentar uma formação relevante que até mudou ideologicamente o discurso: já não são de extrema-esquerda, são da esquerda radical, falam mais dos direitos das minorias do que da luta da classe operária.
Os outros grupos que pululavam no pós-25 de Abril ou desapareceram ou, sobrevivendo, agonizam por aí.
Essa modificação não aproximou PCP e Bloco, pelo contrário, a competição entre os dois aumentou. Mesmo durante a "geringonça", em que ambos apoiaram os Orçamentos apresentados pelo PS, estes dois partidos, nas questões fulcrais, nunca negociaram entre si nem apresentaram posições públicas comuns. Pelo contrário, houve sempre rivalidade, apesar de terem propostas políticas muito parecidas em questões-chave como a legislação laboral, a Segurança Social ou o Serviço Nacional de Saúde.
Neste momento, o PCP, o meu partido, e o Bloco de Esquerda, depois das legislativas de domingo, têm apenas 11 deputados no Parlamento. Tinham antes 31, com o contributo de Os Verdes, que desapareceram do hemiciclo.
Em números de votos aconteceu algo inédito, praticamente um empate: cerca de 240 mil votos para o Bloco, 237 mil para o PCP. Isto deu seis deputados aos comunistas e cinco aos bloquistas. É um empate o que, por si só, cria uma nova situação política para este lado ideológico do país.
Outro facto relevante saído das eleições é a ascensão da direita revanchista no Parlamento, seja a de inspiração autoritária do Chega, seja a do fanatismo liberal do IL: eles têm em comum o facto de trabalharem politicamente para eliminar do regime qualquer influência do PCP e do Bloco. São, neste momento, um inimigo político comum muito mais poderoso, mais financiado, mais ágil, mais influente nos media e mais votado nas eleições que comunistas e bloquistas.
Apesar de divididos, apesar das óbvias diferenças entre IL e Chega, a conjunção eleitoral desses dois partidos de direita torna-os mais perigosos para esta esquerda do que alguma vez foram, por exemplo, o PSD de Passos Coelho ou o CDS de Paulo Portas.
Olho para os resultados eleitorais e penso neste exemplo: como estariam hoje André Ventura e João Cotrim de Figueiredo se PCP e Bloco, mesmo com os maus resultados de domingo, tivessem apresentado listas conjuntas, numa coligação que se desfizesse após a votação? Estes partidos de direita teriam apenas quatro a sete deputados. PCP e Bloco, se não erro as contas, teriam oito a dez0 cada um. Era toda uma outra história.
O Partido Socialista, agora, está fora desta discussão de convergência e, com a maioria absoluta, acumulará razões na governação para motivar a mobilização de lutas e de reivindicações dos setores economicamente desfavorecidos ou politicamente marginalizados que PCP e Bloco tenderão a liderar.
Com a capacidade parlamentar debilitada, sem condições objetivas para darem "abraços de urso", com inimigos políticos comuns cada vez mais fortes, sem influência no governo do país, PCP e Bloco teriam melhores hipóteses de preparar o seu futuro político, as lutas que aí vêm e a viragem da situação se começassem, seriamente, a trabalhar em conjunto nas áreas onde têm uma visão semelhante para o país. E deviam aprender a viver pacificamente e, até, a cultivar as muitas diferenças que têm.
Lá mais para a frente essa convivência pacífica talvez devesse acabar, mas entretanto tinham-se salvo ambos da decadência e diminuído o impacto no país da ascensão da nova direita - a prioridade das prioridades.
Não vai acontecer. O rancor vindo do passado histórico e a desconfiança na lealdade recíproca parecem-me obstáculos intransponíveis.
* Jornalista
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