segunda-feira, 28 de março de 2022

23 DE MARÇO DE 1988

Martinho Júnior, Luanda

34 ANOS DE FORJA DO “APARTHEID GLOBAL” EM QUE HOJE SE CONSOME TODA A HUMANIDADE!

36 ANOS DO INÍCIO DO DERRUBE DA REPÚBLICA POPULAR DE ANGOLA POR VIA DA “GLASNOST À ANGOLANA”… 

HOUVE QUE ACABAR COM O “APARTHEID INSTITUCIONAL” NA ÁFRICA AUSTRAL, TODAVIA ELE AINDA PERSISTE EM MUITOS LUGARES SOB AS MAIS DIVERSAS FORMAS E POR ISSO O “APARTHEID GLOBAL” QUE ESTAMOS A VIVER EM PLENO SÉCULO XXI!

O “apartheid institucional” foi derrotado na África Austral, mas a terapia neoliberal, no seguimento do choque da “Iª Guerra Mundial Africana”, promovendo a injustiça social, implantou o “apartheid social” conforme ao que passou a infernizar a vida dos povos nas regiões Austral e Central de África… evidência neocolonial!

O caduco cometa “hegemon” unipolar e sua larga cauda tem sido o maior responsável desse “apartheid social”, em que vivem aliás os povos dos Estados Unidos e dos componentes do híbrido União Europeia – Organização do Tratado do Atlântico Norte (com uma Europa ocupada por muitas bases “ultramarinas” do Pentágono), tal como muitos outros povos dominados, obrigados a beber da mesma fonte da irracionalidade humana a que chamam de “comunidade internacional” , como o Japão, a Coreia do Sul, a Austrália, a Nova Zelândia ou Israel, neste caso mentor da barbaridade do “apartheid” contra o povo palestino!

Em pleno século XXI chegámos ao “apartheid global”, à beira do abismo duma pendente convulsão nuclear!

É nesse húmus que está a haver a mudança de paradigma rumo a um mundo multilateral, democrático e cultor de paz!

É por conseguinte, hoje mais que ontem, ainda mais justo, que os 16 países constituintes da SADC (organização sucessora da Linha da Frente contra o “apartheid institucional”) evoquem e festejam a memória da vitória na batalha de Cuito Cuanavale!

01- A data de 23 de Março marca a vitória das nações, estados e povos da África Austral e Central sobre a internacional colonial-fascista cujo último reduto institucional foi o regime do “apartheid” instalado na África do Sul pelos nazis da irmandade afrikander e seus apaniguados, incluindo uma franja importante das elites globais, particularmente as afins aos lóbis dos minerais e às indústrias de armamento, com largo espectro na indústria extrativa em África, nos Estados Unidos e no que é hoje o híbrido União Europeia – Organização do Tratado do Atlântico Norte!...

O fundamentalismo cristão do “Le Cercle” mexeu-se bem nesse plasma subversivo, com todas as suas redes “stay behind” ao serviço do Pentágono e da NATO, com toda a superestrutura ideológica que promoveu “cristãmente” (e tanto tem a ver com neonazismo), com a sua indústria de armamento e não se deixou de mexer, acompanhando a expansão da UE-NATO ao leste da Europa, até à fronteira com a Federação Russa!

Tudo o que é da mentira, da ambiguidade, do cinismo, da hipocrisia e fuja à lógica com sentido de vida, se acabar por misturar!

A Opus Dei e o Banco do Vaticano continuam a ser hoje autênticas pedras de toque, fomentadoras desse “apartheid institucional” de então e do “apartheid global” de hoje!

De entre os que estiveram e estão do lado errado da história consta o REGIME DE MARCELOS em Portugal, desde o padrinho Caetano ao afilhado Rebelo de Sousa e a prova está na quantidade de portugueses e luso-descendentes implicados nos esforços do lado do “apartheid” desde o 25 de Abril de 1974 até ao fim da monstruosidade do “apartheid”, alguns mesmo recrutados em Lisboa através do sistema de inteligência que vigorou em torno da embaixada sul-africana, com “pulso livre” para o efeito, em especial durante a década de 80!

Esses agentes que tiveram seu campo de acção dentro de Angola, provam por via de suas trajectórias, que houve de facto um reaproveitamento em toda a linha do Exercício Alcora, particularmente depois do golpe da NATO a 25 de Novembro de 1975, que agora muitos procuram mascarar e confundir com a evocação do 25 de Abril de 1974, com o romantismo da “revolução dos cravos” e a meio-atabalhoada acção descolonizadora do Movimento das Forças Armadas Portuguesas!

Recordo alguns dos nomes desses implicados que foram detectados, detidos, processados e levados a julgamento:

Amilcar Fernandes Freire, Francisco Alberto Albarran Barata, Agatão Dongala Kamati, Humberto Campos Abrantes, José Jorge Setas Ferreira, António Farinho…

O outro elemento de prova é a trajectória do etno-nacionalismo UNITA, desde os seus primórdios com Savimbi, até nossos dias com Adalberto da Costa Júnior, mesmo à custa de assassinatos de toda a ordem, com a “queima das bruxas” à mistura na Jamba!

Quantos coautores e cúmplices não são hoje deputados no Parlamento Angolano, sem jamais terem passado por justiça alguma?

O clã Soares marcou bem esse empenho, às ordens da orientação da CIA, conforme aos Contos Proibidos!

Com a vitória contra o “apartheid” toda essa escória foi vencida, mas reconvertida: persiste o REGIME DE MARCELOS, graças à UE-NATO, tentando uma vez mais confundir, manipular e gerir um quadro de ingerências conforme, entre tantos episódios, a Bicesse, 31 de Maio de 1991!

A vitória nos campos de batalha foi subvertida pelo capitalismo neoliberal nas suas mais sulfurosas versões!...

02- Muitos dos angolanos se deixaram arrastar pelas manipulações dos que bateram em retirada nas conexões com o “apartheid institucional” recrutados que foram pela expansão do capitalismo neoliberal produtor de choque e terapia, com o exclusivo fito de privatizar a vida!

Apaniguados ou próximos do “Le Cercle”, como os que figuram nas fotografias criteriosamente selecionadas do livro do Jaime Nogueira Pinto, “Jogos Africanos”, contribuíram para a “adequação”: os generais França NDalu, António José Maria e João de Matos, constam entre outros nessas fotografias, com textos a condizer, afagados pelo autor que foi assessor de Dlakhama e de Savimbi!...

…Assim muitas das versões da batalha do Cuito Cuanavale, ao invés de inventariarem todo o vasto cenário da Frente Sul, foram-se reduzindo ao Triângulo do Trumpo, chegando a “apagar” o empenho dos internacionalistas que ombro a ombro estiveram com as gloriosas FAPLA que aliás se haveriam de extinguir 3 anos depois em Bicesse, como se fosse mais um descartável a juntar a tantos outros!

De facto os generais angolanos deveriam definir o que foi o campo de batalha, assim como a sua logística e, ao não fazê-lo, dão azo às tendências que tomam a parte pelo todo, o que indicia ser da conveniência de alguns deles!

As explicações buscam uma espécie de “empate técnico” no Triângulo do Trumpo, o que era muito conveniente para os expedientes neoliberais e ao “investimento privado” elitista, cujo caudal se tem feito sentir no Cuando Cubango através dos contextos artificiosos gerados com os rótulos dos parques naturais transfronteiriços inscritos no projecto KAZA-TFCA!

A parte leste do campo de batalha do Cuito Cuanavale ocorreu no espaço de prospecção da De Beers no sudeste angolano e isso não foi um acaso, antes um processo inteligente que filtrou e filtra muito boa gente e muitas actividades até nossos dias e nos dias vindouros!

Os internacionalistas de várias nacionalidades desapareceram de muitas evocações como por encanto: esquecem que alguns deram nessa batalha a vida pela nobre causa que os levou até ela!

Nessas narrativas os cubanos revolucionários, os namibianos da SWAPO, os soviéticos, os sul-africanos do ANC, os alemães democratas não existiram… as narrações neoliberais de conveniência apagaram-nos da história contemporânea no que diz respeito ao enorme campo de batalha do Cuito Cuanavale, inserida numa Linha da Frente que não se circunscrevia a Angola e antes se estendia do Atlântico ao Índico!

Os russos, que em grande parte assumiram o passivo da União Soviética, sofrem hoje da tão velada quão cínica expansão da NATO, aliada à russofobia e ao “apartheid global”, quando a União Soviética foi muito sensível em relação ao fim do “apartheid institucional” dos irmãos afrikander, o que comprova o retrocesso que houve mergulhando cada vez mais o mundo nas trevas feudais!

Para os narradores afins a esse “serviço”, nunca houve a derrota do “apartheid” no bombardeamento aéreo a Calueque, nem a perda do domínio do espaço aéreo pela aviação do “apartheid”, nem o risco que correu do campo de batalha evoluir para dentro da Namíbia ocupada apesar de deterem 6 bombas atómicas disponíveis, prontas a lançar sobre Luanda ou onde quer que fosse em Angola, em alternativa à expansão da UNITA para norte e em direcção a Luanda, com seus batalhões semi regulares e regulares… 

…Nada!... 

A esponja de Milton Friedman (“o fim da história”) inundou uma parte da narrativa sobre o campo de batalha do Cuito Cuanavale que abarcou toda a Frente Sul e as comemorações deste ano, 34 anos depois, para alguns resumem-se à evocação do Triângulo do Trumpo!...

Nesse aspecto o discurso do actual Ministro da Defesa de Angola marcou salutarmente a devida distância, inspirando-se por outro lado na vocação angolana para a paz e as iniciativas que tem tido nesse sentido em África e no mundo!

03- Quando em Março de 1986 a Segurança do Estado sofreu as consequências do golpe dado pelo Presidente José Eduardo dos Santos contra os próprios instrumentos de poder de estado da República Popular de Angola votada ao deliberado desaparecimento, alguns dos combatentes que nela prestaram serviço não só não puderam participar na batalha do Cuito Cuanavale, como assistiram a ela remotamente, desde o sepulcro em vida das prisões!

Foi assim que eles foram arredados desde o início de sua marginalização programada, uma marginalização que haveria de conduzir também ao desaparecimento duma parte substancial da comunidade de inteligência e segurança particularmente entre 2002 e 2017!

Alguns combatentes da Segurança do Estado que foram condenados, haviam sido voluntários em muitas frentes, incluindo em campos de batalha de várias operações anteriores ocorridas em solo angolano, antes, durante e depois da saga da proclamação da independência nacional!

Eles foram detidos e presos em Março de 1986, precisamente dois anos antes da presente data comemorativa, a 23, facto que também não é por acaso, como não é por acaso a ausência dessa memória, ou o divórcio que persiste na comunicação social para o esclarecimento de muitos factos, incluindo factos históricos relevantes que têm de ver com a separação das águas intestinas da República!

Em Bentiaba alguns desses sacrificados condenados haveriam um dia de presenciar um discurso do Ministro Kundipahyama durante uma curta visita às instalações prisionais, no terreiro do poeirento campo de futebol e sob o sol escaldante do deserto…

Ufanava-se Kundipahiama do alto da tribuna, perante uma audiência de largas centenas senão milhares de presos de várias sensibilidades sociopolíticas (a maior parte deles afins à UNITA), que até oficiais da Segurança do Estado ali se encontravam cumprindo pena, explicando a “determinação” que norteou essa iniciativa que se inseriu no quadro do rompimento com a RPA!...

Naquele dia confesso que não resisti: coloquei os três meus filhos que estavam comigo na prisão de São Nicolau em Bentiaba junto à vedação do campo de futebol, tão longe de mim quanto o que me era possível, voltei à minha posição e comecei a berrar interrompendo tal discurso demonstrativo dum oportunismo inqualificável e num lugar completamente inapropriado!

A guarda pessoal do Ministro cercou-me imediatamente de armas aperradas, aguardando qualquer ordem que fosse pronunciada e, perante minha insistência Kundipahyama interrompeu o seu discurso e chamou-me para tomar a palavra na tribuna…

Quando lá cheguei fui muito sintético e incisivo: “quando um dia o MPLA reconhecesse o que tinha começado por acontecer com a prisão dos camaradas da Segurança do Estado, então só assim o MPLA poderia começar de novo a engrenar do processo de luta que indiciava começar a abandonar!”...

O Ministro Kundipahuama ficou surpreso, alterou a intensidade do seu discurso, a força de sua voz, o gesto incisivo que se esvaneceu e começou a falar quase em sussurro, em umbundo, como se quisesse atirar para longe aquele episódio envergonhadamente, ao sabor da brisa do deserto!

Regressei à minha posição indo buscar as três crianças que estavam comigo, também elas, por tabela a cumprir pena, pois não havia capacidade suficiente de sobrevivência em Luanda onde estava o seu lar: João Manuel Cassule Guerreiro Viegas, Victor João Rodrigues e António José Cassule Guerreiro Viegas, todos eles na altura com menos de dez anos de idade…

Até hoje o MPLA não só não o reconheceu, como permite que muitos reduzam o campo de batalha do Cuito Cuanavale, que se alastrou a toda a Frente Sul das FAPLA, ao episódio do Triângulo de Trumpo, ainda que ele tenha sido fértil de heroísmo, entre tantos e tantos heroísmos gloriosos e inglórios de então!...

“Honra e gloria à Memória dos Bravos Libertadores da África Austral”, não esquecendo as razões profundas de todas as transformações que se foram operando quantas vezes em nome da paz, uma paz longe ainda da justiça social!

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CÍRCULO 4F, Martinho Júnior, 23 de Março de 2022 – (36 anos da data da prisão de mais de 80 camaradas da Segurança do Estado da República Popular de Angola no início do fim da RPA e 34 anos da vitória do Cuito Cuanavale, Dia da África Austral livre do “apartheid institucional”).

Imagem da 1ª página do Jornal de Angola, do dia 23 de Março de 2022, 34º Aniversário da vitória na batalha do Cuito Cuanavale e Dia da África Austral.

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