segunda-feira, 28 de março de 2022

A PROPAGANDA E OS ERROS DA MINHA GERAÇÃO -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O presidente da Ucrânia, senhor Zelensky, é o herói do Ocidente. Já recebi mil informações sobre ele, que eu atiro para o lixo. Mas hoje, a CNN Portugal exibiu uma peça criada nos EUA que me deixou informado. Começou como comediante russo. Cresceu como comediante russo. Cresceu mais ainda como comediante ucraniano. Amparado por um oligarca, criou a sua produtora. O oligarca fugiu da Ucrânia acusado de roubar dois mil milhões de euros ao Estado. Deixou para trás, entre outros bens, um canal de televisão que por acaso é o mais visto no país. O senhor Zelensky era a estrela da companhia. Protagonizou uma série chamada O servo do Povo, onde fazia de presidente da Ucrânia.

Até poucos dias antes das eleições de 2019 o senhor Zelenxky entrava em casa dos ucranianos como líder do partido Servo do Povo e como presidente apostado em esmagar a corrupção. Na vida real criou um partido chamado Servo do Povo e concorreu às presidenciais. Ganhou com 70 por cento dos votos. Prometeu aos eleitores que ia acabar com a corrupção na Ucrânia e acabar com a guerra no Leste do país, onde estão as repúblicas populares separatistas.

Uma vez eleito deixou os palcos e ficou presidente de verdade. Alguns dias depois da sua eleição o oligarca fugitivo, suspeito de ter roubado dois mil milhões de euros ao Estado, regressou a Kiev. Outras fontes dizem-me que os governantes que escolheu são empregados do oligarca e seus colegas na produtora. Como a informação não vem da CNN, não tomem esses factos em consideração.

Em 2019, o senhor Zelensky integrou as milícias nazis na Guarda Nacional e nas forças armadas. A CNN diz que a decisão causou polémica. A sua ligação com o senhor presidente Trump também é polémica. 

Ainda o mandato não terminou e ele já reabilitou um oligarca acusado de altíssima corrupção. O seu nome aparece ligado aos “oligarcas” do Panamá Papers. O senhor Zelensky escondeu milhares de milhões nos paraísos fiscais. Isto é o que diz a CNN, eu limito-me a reproduzir. Também é proprietário de uma mansão em Miami. E depois, é crime?

Por fim, hoje mesmo, esta noite nocturna, o senhor primeiro-ministro da Hungria, país da União Europeia, Viktor Mihály Orbán, sobre o senhor presidente Zelensky disse isto: “Ele é apenas um actor!” O senhor Orbán é líder do maior partido da Hungria, o “Fidesz”, fortemente conotado com a extrema-direita. Ciúmes artísticos? Sabe-se lá!

A CNN nasceu no estado terrorista mais perigoso do mundo e na altura eu fazia parte da direcção de um sindicato de jornalistas. O entusiasmo de todos sobre a nova forma de fazer televisão deixou-me curioso e fui ver. Um barrete dos antigos. E perigoso. Num encontro de profissionais disse que passar na televisão a vida em directo pode ser tudo, menos jornalismo. Porque os acontecimentos têm de ser mediados por profissionais, os tais jornalistas que estão em vias de extinção.

Os criadores do embuste, para não levantarem suspeitas, lançaram os pés humanos de microfone e as carregadoras ou carregadores de câmaras. Algumas e alguns são tão básicos, tão idiotas, que o melhor é mesmo nada dizerem, nada fazerem, nada de nada. A CNN prosperou e agora todos imitam o erro. Os consumidores gramam milhares de horas de “informação” sem o filtro da intermediação, sem o contributo técnico dos profissionais. É a sociedade do espectáculo em todo o seu esplendor, com a marca indelével do banditismo mediático. 

Um aviso: Já começaram a triturar o herói do ocidente. Prometeu aos ucranianos o fim da corrupção e segundo a CNN e o “consórcio” de jornalistas ele é corrupto. Prometeu acabar com a guerra e a guerra está a acabar com a Ucrânia. Um dia destes vamos saber tanto dele como sabemos dos heróis de Hong Kong, das revoluções alaranjadas e das primaveras árabes. Tudo carne para canhão. E o sistema cada vez mais falido e bloqueado. O fim pode ser mesmo o fim de tudo. Espero estar redondamente enganado. Porque acredito que os próximos cinco anos vão ser os da afirmação de Angola como um país onde é bom viver.

Nos jornais aprendi que cada edição é um mundo fantástico que jornalistas, gráficos e outros técnicos, fazem acontecer. Primeiro passo é o PLANO DE EDIÇÃO. Aí são definidos, a partir do editorial, os conteúdos. As peças de abertura de cada editoria. A escolha das e dos profissionais com perfil mais adequado à produção de cada matéria. O Acácio Barradas dizia-me que nesta fase da produção, o segredo está em não colocar um flautista a tocar bombo. Segredo, segredo, é conseguir o melhor possível da equipa de profissionais.

De seguida elaboramos o CALENDÁRIO DE PRODUÇÃO. E cada qual avança tendo sempre presente que o jornalismo é um exercício permanente de grande rigor. Tão fácil!

Às vezes penso que governar assim, também pode dar bons resultados. Quem sabe? O que eu sei é isto: Temos apenas um trimestre completo para elaborar um Programa de Governo (o Plano de Edição) com a colaboração de todas e todos que querem fazer de Angola um grande país em África. Ao mesmo tempo vamos escolher as melhores e os melhores para elaborarem as peças mais importantes desse Governo. Depois o calendário de produção. Quando chegar Agosto vamos pintar a Assembleia Nacional com as cores do MPLA. 

Já tivemos mais motivos para nos separarmos e na hora da verdade, ficámos mais unidos do que nunca. Pensei nisto quando li um texto do general António Faceira, que me soou a autocrítica dele, mas que serve para toda a nossa geração. Eu faço minha, essa autocrítica. 

O general António Faceira (Defunto) começou na luta armada de libertação nacional, viveu a tragédia do campo militar de Kinkuzu (o princípio do fim da FNLA), combateu na II região do MPLA (Cabinda) e foi um dos mais brilhantes generais nas guerras pela Soberania Nacional e a Integridade Territorial. Não somos obrigados a concordar com tudo o que ele escreveu. Mas temos o dever de ler, reflectir e tirar conclusões. Leiam agora o texto do general António Faceira, um Herói Nacional:

“Antes de prosseguirmos vamos analisar como começámos a engatinhar e até agora não caminhamos, quer dizer, não somos auto-suficientes.

Com a proclamação da Independência em 1975, depois de tantos anos de luta e sacrifícios, o ambiente era de euforia, nacionalismo radical, entusiasmo e radicalismo ideológico em todo o território nacional. Naquela altura o objectivo do governo do MPLA (Agostinho Neto) era de atingir os níveis da agricultura e economia que os colonizadores haviam alcançado em 1973. Mas o País foi mergulhado numa terrível guerra civil e de invasão pelo regime da África do Sul racista, numa guerra que durou 22 anos. Adiando todos os projectos.

Naquela altura, Angola adotou como estratégia, governar o País com uma aliança das classes operária e camponesa. As outras classes sociais eram designadas de burgueses e pequenos burgueses (a descartar). Com uma economia de planificação centralizada para atingir aqueles níveis de 1973 e superar as dificuldades alimentares que já se faziam sentir.

Mas, na realidade essas dificuldades aumentaram.

Antes de 1975, a economia de Angola colonial era baseada no cultivo de café, cana-de-açúcar, sisal, milho, tabaco, algodão, leguminosas e oleaginosas. Destacava-se o tabaco, o algodão e o café. A produção de batata, arroz, feijão, cacau, banana e abacaxi também era importante. Os maiores rebanhos eram o bovino, caprino e suíno. Além de aves como frangos de corte e de ovos. O petróleo não tinha peso na balança comercial.

Os colonialistas desenvolveram essas capacidades durante a guerra que travavam contra os guerrilheiros nacionalistas, que pretendiam a libertação nacional e Independência.

Depois de libertado o País, toda essa capacidade de produção se perdeu durante o período de guerra civil após a Independência. Os quadros nacionais e estrangeiros, designados de “burgueses exploradores das massas “ tiveram que abandonar o País, eram hostilizados.

Antes de 1975, 15 por cento da população vivia nas cidades. Quero dizer que, 85 por cento da população rural produzia para a auto-suficiência alimentar, para alimentar os 15 por cento citadinos, para a auto-suficiência geral e ainda para exportar. Proporcionavam cerca de 80 por cento de empregos. Por este motivo, os políticos colonialistas prestavam especial atenção à população rural, compreenderam que essas populações eram úteis: Foram enquadradas, organizaram o apoio logístico, técnico, construíram escolas primárias, técnicas, industriais e comerciais, escolas profissionais e de pedagogia, etc. A população rural era importante para a população citadina e para a classe política colonial.

A AGRICULTURA ERA A BASE mesmo sem carga ideológica. A indústria processava os produtos do campo.

Depois que conquistámos a Independência, a economia angolana centrou-se exclusivamente no PETRÓLEO. O petróleo proporcionava tudo, sem esforços, aos que viviam nas cidades: Importavam-se alimentos, vestuários, carros de luxo, casas luxuosas, dinheiro, muito dinheiro, prestígio com pouco esforço já que a extração do petróleo era e ainda é feita por estrangeiros. Os filhos dos que tinham possibilidades estudavam no estrangeiro e tratavam-se no estrangeiro, já que as nossas escolas tinham professores quase analfabetos e em vez de carteiras os alunos sentavam-se em latas de leite vazias. A agricultura deixou de ser a base do desenvolvimento económico e social e a indústria deixou de ser o factor decisivo como apregoávamos. A população rural não tinha mais qualquer préstimo além de votarem no partido no poder. Já não produziam riquezas, antes pelo contrário consumiam milho do PAM e outros produtos importados.

A agricultura passou a ser uma forma de empobrecer tristemente. O governo não controlava nada, a incompetência era (é) uma virtude. O nepotismo e a cleptocracia prosperaram descaradamente. A síndrome do ostracismo instalou-se na mente dos dirigentes iluminados em corrupção e bajulação a todos os níveis.

Estávamos embriagados pelo petróleo.

A direção cada vez mais arrogante. Atualmente estamos em ressaca, confusos mentalmente, sem bússola. Até deixamos de reconhecer os nossos amigos, confundimo-los com inimigos...uma espécie de loucura.

Tentamos despertar, já é tarde e a confusão mental persiste. 40 anos sem educação, subalimentados, sem saúde adequada e sem cultura de trabalho, só esquemas de sobrevivência vendendo o que não produzimos nas ruas …

É este o legado que nós mesmos deixamos ao nosso País.

Para continuarmos a marcha temos que olhar para o passado.

OBRIGATORIAMENTE.”

*Jornalista

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