Era uma vez um feiticeiro que nunca revelou os seus poderes ocultos e tudo fez para chegar a soba. Quando conseguiu todo o poder, resolveu usar o feitiço para submeter o povo e conduzir os negócios. Um dos mais lucrativos era a venda de banha de jibóia. Mas como os caçadores do Alto Maiombe andavam a dizimar todas as jibóias, ele lançou um decreto, proibindo a sua caça. Para ter a certeza de que as ordens eram cumpridas, fez um pacto com os papagaios. Se um caçador ousasse desobedecer, logo do alto das árvores surgia uma voz lembrando as ordens do soba. Quando os feiticeiros se aliam aos pássaros faladores, está tudo perdido.
Um caçador muito pobre vivia num recanto da floresta com a sua família. Durante oito dias não conseguiu uma só peça de caça, nem uma simples rola gamboa. E os sete filhos em casa choravam de fome.
Um dia, mais uma vez foi à caça e nada apareceu. Quando regressou a casa encontrou uma gigantesca jibóia enrolada à sombra, digerindo um boi. Lembrou-se do decreto do soba feiticeiro mas também se recordou do choro dos filhos por causa da fome. E puxou da catana para matá-la. Nesse momento ouviu do alto de uma mafumeira:
- Não te esqueças das ordens do soba. Se não cumprires, é a tua voz que vai denunciar-te.
Dito isto, o papagaio bateu asas e desapareceu num voo rápido.
O caçador pobre ficou cheio de medo mas lembrou-se da fome dos filhos e decidiu matar a jibóia. Puxou da catana e golpeou-a até morrer. Depois retirou as partes da carne mais saborosas e levou-as para casa. Quando chegou, foi recebido em festa pela mulher e os filhos.
- Trouxe bifes de veado para todos! Amanhã vou buscar o resto da carne, que deixei escondida na mata.
Dito isto, o caçador entregou a carne à mulher que começou logo a cozinhá-la. O caçador teve medo que caísse alguma maldição sobre a família e disse à mulher:
- Quando o jantar estiver pronto, o primeiro a comer, sou eu. Só quando der ordem é que tu e os nossos filhos podem comer.
A mulher achou estranho mas cumpriu. E quando os bifes de jibóia estavam cozinhados disse ao marido para comer o primeiro pedaço.
O caçador começou a comer a saborosa carne da jibóia. E como nada aconteceu, resolveu dar ordens à mulher e aos filhos, para o acompanharem na refeição. De repente, da escuridão da noite, surgiu um aviso:
- A tua voz vai denunciar-te! A tua voz vai denunciar-te!
O papagaio avisador bateu as asas e partiu. O caçador ouviu estas palavras e ficou assustado. Mas naquele momento, começou a sentir dores lancinantes na barriga. A dor era tanta que caiu ao chão e começou a rebolar-se. A mulher, assustada, perguntou ao marido:
- Podemos ajudar-te?
O caçador balbuciou:
- Não comam a carne que cozinhaste!
Mas os filhos, famintos, comeram a carne toda e ficaram a chorar por mais. A mulher também comeu a sua parte e ficou repleta. Quando a família se levantou da mesa, as dores voltaram a atacar o caçador com violência.
O homem estava tão desesperado que quando a mulher lhe perguntou o que estava a sentir ele respondeu aos soluços:
- Eu matei uma jibóia e agora estou a ser castigado pelo soba!
Nesse momento, do alto de uma árvore, um papagaio disse:
- A tua voz é que te denunciou!
Dito isto, bateu asas e fugiu. O pássaro falador foi a casa do feiticeiro e contou-lhe tudo o que tinha sucedido.
Mas como o soba sabia que o caçador era muito pobre, recorreu aos seus poderes ocultos e num instante passaram as dores. De barriga cheia e sem a dor terrível que o fazia rebolar no chão, o caçador, a mulher e os filhos fizeram uma grande festa.
Vencido o medo, aquele homem pobre transformou-se no maior caçador de jibóias. E ganhou muito dinheiro a vender a sua banha, tanto que ficou quase tão rico como o soba feiticeiro.
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