A Dor da Fome Chegou nas Asas do Feitiço
Mbumba era um verdadeiro chefe da aldeia e fazia tudo para que os vizinhos fossem felizes. Apesar dos seus esforços, a região de Cahembo foi assolada pela fome e a doença. Passou um ano e nada mudou.
No segundo ano de dor e tristeza, ele resolveu ir a Camba Canga, terra de abundância localizada na foz dos rios Luchico e Luangue. Nessas paragens existia um sábio que sabia tirar os feitiços aos enfeitiçados. Tanta desgraça só podia ser filha de um poderoso feitiço, da mais terrível das maldições.
Tudo começou quando o soba Satxombo foi visitar Satxiuca, uma aldeia dos seus domínios. Quando estava reunido com os velhos, caiu-lhe ao chão um chifre de antílope, onde ele guardava os feitiços. Nessa mesma noite, morreu a mais bela jovem da aldeia.
Satxombo foi muito criticado, porque um rei não lança feitiços mortais sobre os seus súbditos. Acontece que o povo de Satxiuca reparou que o velho soba estava acompanhado de uma jovem, sua mulher. E durante o óbito, as mulheres cantaram:
- Satxombo uenda nhi mbinga iá uanga! Uambata txengue nzala caívie: Satxombo anda com chifres. Quem se amigou com mulher jovem não sente fome.
Ninguém sabe porquê, mas desde então a fome e a doença caíram sobre aquelas terras. Um dia Mbumba ouviu uma pobre mulher, acompanhada de seus sete filhos, lamentar:
- Nzala icolaio! A fome dói muito!
Foi então que decidiu tirar os feitiços a todos os seus conterrâneos. O primeiro a ser desarmado tinha que ser o feiticeiro Ndende, também conhecido por Muaua.
Quando Mbumba regressou a Cahembo sabia como acabar com os feitiços que tanto mal causavam naquelas paragens. Foi ter com Ndende e ordenou:
- Ndende, mbia uanga! Ndende, deita fora o feitiço!
Nessa noite juntou o povo no terreiro e todos se empenharam num ritual destinado a tirar os feitiços a todos os enfeitiçados, para serem queimados na fogueira sagrada da aldeia.
- Ó Ndende ié/Ó ndende ié/Muaua/Ó Ndende ié/hana uanga/Acutunguissé txihunda: Ndende, entrega o feitiço para a aldeia ficar segura!
E a voz implorante de um cantor anunciou:
- Ndende náfua!
Naquele grito todas as vítimas da fome e das doenças anunciavam a sua morte. Mas a voz não se calava e implorou:
- Ó iai’é! E todos repetiam: hana uanga/acutunguissé txihunda!
Em breve a região de Cahembo ficou livre da dor da fome. A morte foi para longe, para lá das montanhas do Cazombo. Mas o mais difícil estava por fazer. Quem tinha poderes para queimar o chifre do soba Satxombo, o rei dos reis?
Mbumba sabia como neutralizá-lo, mas era preciso cortar o mal pela raiz e isso só era possível por acção do fogo. Faltava queimar os feitiços do rei! Foi então que Mbumba teve uma ideia e foi falar com Thumba, a mais jovem mulher do rei.
- O povo tem razão, quem amiga com mulher jovem nunca tem fome. A sua força faz das lavras terras de abundância, por isso não precisa de feitiços. Para felicidade de todos e sobretudo das jovens como tu, rouba o chifre ao teu esposo Satxombo.
Thumba respondeu:
- Não posso roubar o meu rei, mas posso pedir-lhe piedade para o seu povo!
E assim foi. Nessa noite Thumba pediu ao rei que queimasse na fogueira da aldeia, à vista da Lua e dos flagelados, o chifre onde ele guardava os feitiços:
- Se não fizeres isso, os teus súbditos vão pensar que queres a fome e a doença na nossa terra!
Satxombo recordou o coro que ouviu na aldeia Satxiuca:
- Satxombo uenda nhi mbinga iá uanga! Uambata txengue nzala caívie: Satxombo anda com chifres. Quem amigou com mulher jovem não sente fome.
E naquele momento percebeu a mensagem. Quem tem em casa a juventude, não precisa da força do feitiço. E se tiver chifres eles não são visíveis, não guarda feitiços terríveis nem fazem mal a ninguém.
CONTOS POPULARES ANGOLANOS
A Ambição de Sanjungu e os Manguços Fugitivos
Sanjungu era o maior caçador da Lunda e de outros mundos conhecidos e por inventar. Na aldeia todos admiravam a sua perícia e na txianda os coros glorificavam os seus feitos. Mas como ninguém é perfeito, ele tinha um defeito: era muito ambicioso. Por ambição, muitas vezes deitou a perder tudo o que ganhou. Nos momentos em que perdia, apenas olhava para os resultados, nunca para si.
Um dia Sanjungu foi caçar manguços na floresta próxima do rio Luambungo. Mal chegou ao território de caça logo encontrou um gordo manguço. Num instante a presa foi caçada.
Prendeu o maguço à cinta e prosseguiu a caçada. De repente, apareceram muitos manguços, correndo de rabo no ar. O caçador nem pensou duas vezes: foi atrás da caça. A correria foi tão desordenada que o manguço que tinha caçado, caiu da cintura. Os outros esconderam-se na vegetação espessa do rio.
Sanjungu ficou sem nada. E logo ali chorou as suas mágoas. A sorte estava contra ele. Sempre que a vida lhe sorria, a tristeza vinha sempre atrás. Nesse dia chegou sem caça a casa e comeu o pirão com a mulher e os filhos, sem conduto. O caçador lamentava com a família, a sua triste sorte. Mas não disse que apanhou um manguço gordo, que dava para uma bela refeição. E a ambição levou-o a correr atrás dos manguços que livremente corriam na floresta, perdendo o que tinha caçado.
A mulher de Sanjungu aconselhou-o a procurar o adivinho Samba. Ele, que tudo sabia, havia de encontrar uma solução para as desgraças que ensombravam a vida do hábil caçador.
No dia seguinte, mal o Sol nasceu, Sanjungu pôs-se a caminho da casa do adivinho, lá longe, nas terras do Lóvua. Quando chegou ao destino estava muito cansado, mas pelo caminho caçou uma cabra do mato que ofertou ao adivinho.
Samba recebeu o caçador com amizade e deu-lhe de beber e comer. Quando acabaram a refeição, o adivinho perguntou:
- O que te trás a minha casa, caçador?
- Sempre que me acontece uma alegria, logo a seguir vem uma tristeza. A última vez que fui caçar apanhei um manguço gordo, que amarrei à cinta. Mas depois apareceram muitos mais e eu corri atrás deles. Na correria perdi aquele que tinha caçado. E os outros desapareceram!
O adivinho pegou no cesto e começou a ler o destino de Sanjungu. Tudo estava no seu lugar, nada o levou a ver desgraças na sua vida. Salvo a ambição. Então Samba disse ao caçador:
- Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar! Se já tinhas um manguço gordo para comer, devias regressar a casa e pedir à tua mulher para cozinhá-lo. Outro dia voltavas ao mesmo lugar e tentavas caçar outro. Quiseste todos de uma vez e todos perdeste...
Sanjungu pela primeira vez compreendeu que tinha de olhar para si. As desgraças só lhe aconteciam porque ele queria sempre mais. A ambição é inimiga dos caçadores. Antes de partir ainda pediu um conselho do adivinho:
- Pensas que se eu conseguir controlar a ambição nunca mais me acontecem desgraças e tristezas?
O adivinho Samba olhou Sanjungu nos olhos e respondeu:
- Tcha kulútwe tchikálu kunyíngika: Ninguém conhece o futuro.
Mesmo sem saber o tempo que há-de vir, Sanjungu reconheceu a sua desmedida ambição e desde então nunca mais perdeu o manguço caçado em correrias atrás dos que tinham toda a floresta para se esconder.
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