Martinho Júnior, Luanda
DE GERAÇÃO EM GERAÇÃO, A FAMÍLIA LARA TEM ASSUIMIDO UM PAPEL PATRIÓTICO IMPRESCINDÍVEL NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL ANGOLANA.
O CAMARADA GENERAL PAULO LARA FOI
COM A ASSOCIAÇÃO TCHIWEKA DE
DOCUMENTAÇÃO É TODA UMA CULTURA DE DIGNIDADE QUE SE ABRE
01- A família Lara tem assumido um protagonismo central no processo de luta do povo angolano em prol de sua independência e soberania, enquanto autora e narradora da história angolana contemporânea, em busca de identidade nacional, em busca de construção duma pátria capaz de, em colectivo, respeitar todos os seus filhos, em busca de coerência em termos de lógica com sentido de vida, ainda que enfrentando obstáculos e vicissitudes de toda a ordem!
Tem sido assim essa saga eminentemente cultural, assumindo autoria desde as primeiras horas da luta armada contra o colonial-fascismo português, contra o “apartheid”, contra as suas sequelas e contra o neocolonialismo exacerbado pelos impactos do capitalismo neoliberal que nocivamente contamina a relativa paz tão dificilmente alcançada a 4 de Abril de 2002!
Tudo tem sido feito respeitando o povo angolano e os povos do Sul Global!
Tudo tem sido feito vencendo as barreiras que lançam obstáculos à construção da identidade nacional!
Tudo tem sido feito honrando o passado e a nossa história!
Tudo tem sido feito até como fonte inspiradora para outras instituições ávidas de coerência patriótica e clarividência intelectual, com todos os sentidos colocados no povo angolano, nossa incontornável matriz comum!
O Amplo Movimento enquanto patriótica bússola, é por si uma trincheira de coerência que está a atravessar épocas e na família Lara, o camarada general Paulo Lara é um dos artífices dessa trilha, por dentro da essência da trilha da independência nacional, simultaneamente autor e narrador de história, de imenso respeito e amor pelo povo!...
Por essa razão, Paulo Lara se preocupou em transmitir às gerações que se seguem a substância dessa cada vez mais vasta trilha, a primeira das lições do compêndio que se tornou o documentário histórico dos Trilhos da Independência!...
02- Com intensidade variável, assim me fui aproximando dessa trilha, por que será sempre na via da lógica com sentido de vida que as acções humanas criarão sustentabilidade e equilíbrio em termos de antropologia cultural, de história, de justiça social, de respeito para com a humanidade e para com a Mãe Terra!
A lógica com sentido de vida inspirou a luta armada de libertação nacional e é substantiva inspiração para a sua sequência, na pátria de Agostinho Neto.
A passagem de testemunho na família Lara por via do protagonismo de Paulo Lara, de sua irmã e dos camaradas que compõem a Associação Tchiweca de Documentação, é uma garantia de sustentabilidade para as gerações que se seguem, inclusive no seio da sua própria família e é necessário que a ATD seja apoiada a fim de se tornar ainda mais interveniente e criativa!
Esse é um repto galvanizador, pois será com os que, patriótica e intensamente buscam identidade nacional, que a pátria angolana não andará perdida resvalando para a barbárie que conduz ao fim da espécie humana!
03- Quando do Movimento de Rectificação que animou as fileiras do MPLA Partido do Trabalho, foi numa sessão presidida pelo camarada Lúcio Lara na então Segurança do Estado que passei a ser considerado militante…
Foi como um segundo juramento, melhor a confirmação do anterior!
A fidelidade ao Partido do trabalho e à República Popular de Angola tornou-se numa obrigação patriótica para toda a vida e isso mais consolidou em mim a lógica com sentido de vida enquanto orientação e escolha de opção e de rumo!...
Por isso passava apenas a ser um soldado na linha da frente da afirmação do Partido do Trabalho e da RPA, ou seja, um alvo entre muitos outros a abater por aqueles que sob a égide do Presidente José Eduardo dos Santos, a pretexto da necessidade de multipartidarismo e democracia, se aproximavam cada vez mais das armadilhas do capitalismo neoliberal do quadro da globalização a que se propunha o “hegemon” unipolar!
04- Não foi de estranhar a saga da Segurança do Estado, quando mais de 80 de seus oficiais foram fustigados por mudanças drásticas no quadro dos instrumentos de poder de estado em 1986, antecipando outras mais mudanças que eram ajustes de aproximação ao que se consumou em Bicesse a 31 de Maio de 1991: fim do Partido do Trabalho, fim das FAPLA e fim da República Popular de Angola.
Na Segurança do Estado foi central a acusação aos instrutores do processo 105/83 de “golpe de estado sem efusão de sangue”, a fim de mascarar o próprio golpe de estado “suavemente” em curso, sob orientação do próprio Presidente José Eduardo dos Santos, inaugurando uma “guerra híbrida” intestina que muitos evitam ainda hoje evocar!
O pretexto foi o cerrado combate que foi feito oportunamente contra os tráficos de diamantes e de moeda, na presunção que eram também tráficos de influência de tal ordem que o rigor processual do 105/83 se confundia como uma ameaça ao próprio poder!
Foi não só assim que acabaram os 10 anos de República Popular, mas se garantia que, após ela, um rampante capitalismo, cada vez mais de tendência neoliberal, irrompesse a ponto de provocar a onda de corrupção que ficou cada vez mais exposta depois de 2002!...
Entre 1986 e 1991, com uma Segurança de Estado neutralizada em relação à necessidade de se continuar a combater o tráfico de diamantes e de moeda, Savimbi teve tempo de preparar a tentativa de tomada de poder pela força ignorando Bicesse e iniciando, em 1992, 10 anos de choque neoliberal!
Savimbi jamais teria conseguido tantos “êxitos” na “guerra dos diamantes de sangue” se a Segurança do Estado não tivesse sido neutralizada nas suas capacidades de combate aos tráficos de diamantes e de moeda como o foi!...
Tive a oportunidade de explicar isso ao camarada general Paulo Lara em 1998, numa altura em que pouco se sabia sobre a organização, empenho, capacidade e localização das forças que Savimbi comandava, 7 anos depois da minha própria soltura a 16 de Julho de 1991, numa amnistia que também servia de máscara “suave” para a contundência do golpe!
05- Assim o camarada general Paulo Lara, na altura à frente dos destinos da Direcção de Planeamento e Organização do Estado Maior das Forças Armadas Angolanas, deu aval ao suporte necessário para desvendar as linhas do choque neoliberal que Savimbi protagonizava contra o poder do estado angolano saído das eleições multipartidárias de 1991.
Na WAPO onde eu tinha passado a trabalhar em regime de “desterro”, foi propiciado um contentor para início desse trabalho de apoio, a que se associaram os camaradas José Herculano Pires, “Revolução” e Alberto José Barros Antunes Baptista, “Kipaka” (ambos já falecidos)!
Devido à minha trilha anterior ficou acordado nessa decisão semiclandestina que a parte operativa recaísse nas responsabilidades que foram atribuídas ao camarada “Revolução” e o camarada “Kipaka” passou a auxiliar nas técnicas, no manuseamento de mapas e localizações, na recolha de informação na Internet e em actividades de inteligência externa que haveriam de ocorrer.
Esse contentor passou a alimentar nos seus trabalhos o Estado-Maior por via do camarada general Paulo Lara, o general Simeone Mukuni no terreno, a partir dos enlaces do camarada “Revolução” no Kuito, capital do Bié, os então Serviços de Informação (SINFO), sob sucessiva chefia dos camaradas Miala, Fernando Manuel e Carlos Manuel e ainda a Inspecção Geral das Forças Armadas Angolanas, enquanto o camarada general Sapilinya Sambalanga a esteve a chefiar!
Urgia perceber a filosofia de guerra que Savimbi adoptava e os diamantes foram fundamentais para esse efeito!
06- Através de meios secretos de penetração nos dispositivos da Savimbi e a partir do trabalho operativo do camarada “Revolução” no Bié, procurou-se localizar as minas de diamantes aluviais de Savimbi, assim como a logística de traficantes de diamantes a partir de Luanda (que foi assinalada confluindo sobretudo para a região de Cafunfo).
Concluiu-se que a linha fundamental de exploração de diamantes aluviais de Savimbi se situava nos vales dos rios Cuango (incluindo o curso internacional) e do Cuanza (desde o Salto do Cavalo até suas nascentes), ou seja uma implantação numa linha meridional de penetração em Angola a partir do então Zaíre, atingindo em cheio o planalto do Bié (região do Bailundo), onde Savimbi criou o seu “santuário”!
Com as minas localizadas era possível:
- Localizar forças importantes da Organização Terrorista Armada de Savimbi (OTAS), em regime defensivo;
- Localizar vias de comunicação indispensáveis para a logística (agregando traficantes de diamantes nas cidades costeiras angolanas, principalmente Luanda);
- Localizar pistas e aeroportos que Savimbi utilizava para logística aérea proveniente do exterior;
- Localizar os dispositivos da OTAS, desde a implantação de meios de comunicação, até aos hospitais de campanha;
- Localizar os centros de mobilização e difusores de propaganda e contrapropaganda da OTAS.
Esse conhecimento esteve na origem da planificação de Operações importantes das FAA, avultando entre elas a Operação Restauro (que o camarada general Paulo Lara haveria também de comandar) que retomou o Andulo e marcou o início da curva descendente de Savimbi até à sua morte em 2002.
Foram as seguintes as minas então inventariadas:
ÁREA DO CUANGO INTERNACIONAL.
“MARROCOS” - Latitude - 06º
-
Longitude -
16º
CUANGO -
Latitude - 06º
-
Longitude -
16º
BONGOLO -
Latitude - 06º
-
Longitude -
16º
BOTOMUNA ( RDC ) -
Latitude - 06º
-
Longitude -
16º
KITANGU -
Latitude - 06º
-
Longitude -
16º
MASSAU -
Latitude - 07º
-
Longitude -
16º
“QUIBALA” - Latitude -
07º
-
Longitude -
17º
ÁREA DO QUANZA (ZONA ESTRATÉGICA – REGIÃO DAS GRANDES NASCENTES).
CHIMBAMBA - Latitude - 10º 41 58'' SUL.
- Longitude - 16º 39' 57'' LESTE.
SONGUE - Latitude - 10º 44' 54'' SUL.
- Longitude - 16º 44' 57'' LESTE.
CASSUMA -
Latitude - 10º
- Longitude -
16º
“SALVATERRA” - Latitude - 10º
-
Longitude -
16º
“SANTOMA” - Latitude - 10º
-
Longitude -
17º
DANDO - Latitude - 11º 14' 29'' SUL.
- Longitude - 17º 25' 12'' LESTE.
TCHOMBO -
Latitude - 11º
- Longitude -
17º
GONDE - Latitude - 12º 02' 37'' SUL.
- Longitude - 17º 39' 41'' LESTE.
CUÍME - Latitude - 12º 17' 00'' SUL.
- Longitude - 17º 46' 47'' LESTE.
CHÍMUE - Latitude - 13º 15' 22'' SUL.
- Longitude - 17º 25' 57'' LESTE.
07- Em Março de 2000, já com as FAA em vantagem geoestratégica no teatro operacional, o trabalho do contentor haveria de terminar, mas o conhecimento adquirido em relação à situação em Angola e envolvente, muito contribuiu para a vitória angolana na “Iª Guerra Mundial Africana” que se estendeu até aos Grandes Lagos, dando oportunidade à paz na África austral e Central.
Ao camarada general Paulo Lara deve-se em grande parte o sucesso do Estado-Maior das FAA comandado pelo general João de Matos, um sucesso que soube integrar capacidades patrióticas de nacionais ainda que em semiclandestinidade, elas próprias muito importantes para os poderes de decisão a vários níveis, incluindo com implicações no terreno!
Para alguns quadros da Segurança do Estado fustigados pelas alterações internas impostas em jeito de golpe de estado “suave” por parte do Presidente José Eduardo dos Santos na sua ânsia de acabar com a RPA, houve a oportunidade de comprovar quanto o processo em curso estava a ser impactado pelo choque e terapia neoliberais.
O camarada general Paulo Lara haveria de perceber como poucos a deriva de Angola e, num ambiente tão agitado como esse, alimentando a lógica com sentido de vida herdada desde os alvores do MPLA, o seu contributo pessoal deu seguimento à saga de seus progenitores Lúcio e Ruth Lara, ao mesmo tempo que ganhava corpo a Associação Tchiweka de Documentação!
Nós, os do contentor da WAPO, funcional entre Janeiro de 1998 e Março de 2000, os vivos e os mortos, na hora do passamento físico do camarada general Paulo Lara, continuamos a honrar o passado e a nossa história nos termos de fidelidade à lógica com sentido de vida que era é continua a ser opção de família!
A bússola dessa opção estará funcional se as novas gerações estiverem à altura dessa sustentável herança e foi esse, decerto, o maior desejo do camarada general Paulo Lara, na saga do patriotismo que tanto nutriu e nutre a sua família com incontida ânsia de se alargar!
Essa é a história que nenhum Milton Friedman pode apagar!
Veio mesmo da mata o homem novo do MPLA, de que em sua trova um dia cantou Zeca Afonso!...
Círculo
Um homem novo veio da mata – Zeca Afonso – https://www.youtube.com/watch?v=7kBZZQ22V5s
Imagens selecionadas.
01- Lúcio Lara;
02- Paulo Lara;
03- Trabalhos da ATD.
Sem comentários:
Enviar um comentário